Prólogo: Idade Indeterminada
Ainda acordo cansado, após os mesmos pesadelos. O que aconteceu jamais esquecerei. Eu e as minhas manias de aprender sobre coisas que eu não deveria. Tudo isso começou alguns meses antes de eu fazer meus 17 anos. Estava pesquisando sobre conexão empática, algo que vi em um livro e achei um link sobre "conexão mental". Inicialmente era algo simples, falando apenas sobre chamar alguém, olhar fixamente a nuca de um determinado indivíduo, conectar-se e a chamar com a mente – a questão da nuca tem a ver com os chacras do corpo, algo do tipo. –.
No início tentei diversas vezes, sem sucesso. Até que finalmente as pessoas – geralmente amigos muito próximos ou familiares, a conexão é mais fácil – começaram a olhar para os lados, como se ouvissem alguém chamar – óbvio, eu as chamava – e procurarem aquele que as chamava.
Passaram-se algumas semanas até que comecei a levar pouco mais de dois minutos para qualquer amigo ou familiar olhar para mim com aquele olhar confuso. Quando isso começou a acontecer eu percebi que tinha conseguido desenvolver essa habilidade e decidi aprimorar cada vez mais.
Quase dois meses após meu aniversário de 17 anos, eu já não precisava mais me concentrar na nuca das pessoas e nem levar dois minutos. Uns trinta segundos eram o suficiente. Mais alguns meses e não era só possível fazer isso com amigos próximos e familiares, mas também com estranhos, apesar de exigir por volta de um minuto até estabelecer a "conexão".
Mais cinco meses se passaram treinando minha mente. Agora eu levava cerca de 10 a 30 segundos para "falar" com alguém, seja quem fosse e sem precisar olhar para nuca. Mas um detalhe interessante que aprendi: sempre era menos doloroso olhar para a nuca do que apenas olhar para a pessoa.
Sim, doloroso. Isso porque até que a conexão se estabeleça, forço demais minha mente. Quando foco meu olhar na nuca, a conexão se torna fácil. Porém quando não é na nuca, é complicado e dói um pouco. Lembro que me falaram o motivo, mas não lembro qual era, talvez eu fale depois.
Quase após um ano fazendo isso, não apenas mandava mensagens ou chamava atenção, eu podia "falar" o quanto eu quisesse e, além disso, exercer uma certa influência nas ações de algumas pessoas. Mais alguns meses se passaram, e eu podia levar as pessoas a fazerem coisas, lhes convencia a tal.
Antes, levava alguém a se levantar e ceder o lugar do ônibus para mim, o que era fácil. Também conseguia fazer alguém empurrar outra, ou jogar uma pedra na janela de um carro, o que era muito mais difícil. Depois, podia fazer alguém bater em outra pessoa e até mesmo me dar dinheiro, bem complicado ambos, mas possíveis. Às vezes, quando eu estava sem dinheiro para pagar a passagem do ônibus, bastava me concentrar bastante em alguém e simplesmente pedir para o mesmo me dar dinheiro. A pessoa com quem eu estivesse fazendo a conexão se levantava, me cumprimentava – quase de um jeito robótico –e me entregava cinco, dez reais, algumas vezes mais, e simplesmente voltava ao seu lugar, piscando um pouco logo em seguida, se perguntando porque fez aquilo.
Algo que sempre me chamava a atenção: quanto mais velha a pessoa, mais difícil era fazer uma conexão.
Eu estava com pouco mais de dezoito anos agora, e ainda aprimorava cada vez mais essa habilidade, esse dom. Estava me divertindo e melhorando a mim mesmo. Por outro lado, eu comecei a ter mais ataques de paralisia do sono e pesadelos – até mesmo quando eu sonhava, eu conseguia controlar o sonho e do nada, simplesmente perdia o controle e entrava num pesadelo horrível –. Eu também comecei a ouvir vozes e às vezes ver coisas como fumaças negras corriam velozes pelo meu campo de visão, sumindo segundos depois.
Não tinha certeza se era apenas minha mente ou algo real, porém sabia que tudo isso estava ligado ao fato de que eu havia expandido a minha mente a um nível sobre-humano. Mas, sendo sincero, eu não me importava tanto, eles nunca me machucavam, sequer me incomodavam tanto, então tudo bem...
Até que isso mudou.
Eu sabia que havia outras pessoas que tinham tal capacidade, é claro. Na verdade, creio que todos podem fazer isso. Eu não era especial ou coisa do gênero, apenas me foquei em crescer essa habilidade, e levei basicamente dois anos treinando sem parar, pelo menos esse era o meu ver.
Estava eu sentado no banco de uma pracinha em meu antigo bairro, apreciando o momento nostálgico. As árvores "tão velhas quanto o tempo", como costumava dizer um senhor que cuidava do parque, continuavam ali intactas, fortes e fazendo chover folhas secas. Cinco árvores, quatro nos cantos e uma no centro.
Eu estava sentado no banco que ficava próximo à uma das árvores dos cantos, algumas folhas caíam sobre mim. Uma brisa suave assoviava enquanto passava pelos troncos e galhos. Eu olhava ao meu redor quando vi uma garota se sentar num dos bancos próximos à árvore central e ela começou a me encarar vez ou outra, sorrindo, criando covinhas na sua pele branca, ajeitando o cabelo negro, curto na altura do ouvido e piscando várias vezes seus olhos castanho claro.
Nunca fui muito de puxar conversa. Na verdade, sou um desastre quando se trata de "cantar" garotas, mas eu sabia que ela queria falar comigo, pelo menos estava interessada em mim. Por isso decidi lhe dar um pequeno incentivo. Fiquei olhando para ela – ela provavelmente pensou que eu estava apenas respondendo aos olhares dela – e me concentrei. "Venha aqui, converse comigo". Para influenciar alguém a fazer algo, preciso focá-la e então pensar como se lhe ordenasse a fazer algo. Depois de alguns segundos, ela vidrou os olhos em mim, de um jeito meio robótico e eu sabia que tinha mais uma vez funcionado. Ela "voltou" ao normal, sorrindo, levantou-se e começou a andar lentamente em minha direção. Usava uma camiseta amarela e um short jeans um pouco acima da metade da coxa.
De repente ela parou, me encarando de cima a baixo, sem graça e desconcertada. Virou-se lentamente e foi embora. Senti um zunido agudo na minha mente quando isso aconteceu. E isso doía... muito. Só havia sentido aquilo raríssimas vezes, talvez apenas umas cinco ou seis vezes durante todo o tempo desde que vinha treinando. Isso só acontecia quando a conexão era desfeita de uma forma brusca, apesar dessa vez ter sido muito pior. Me levantei com calma, tentando me recuperar.
Foi quando ouvi: "aqui, atrás de você". Virei e vi, no outro lado da rua que passava ao lado da praça, um senhor de idade, talvez uns sessenta anos, me encarando. Eu sabia no exato momento em que o vi que ele também tinha essa habilidade, e com certeza era maior que a minha. É como se a mente dos idosos carregassem tantas experiências e passado por tantas coisas que se tornavam mais poderosos.
Nunca havia encontrado outro com essa habilidade e agora que eu estava em frente a alguém como eu, não fazia a mínima ideia do que fazer. Ele não parecia estar se preparando para algo, estava apenas parado e me encarando. Mas eu sabia que ele queria que eu fosse até ele. Coloquei as mãos dentro do meu short jeans e fui andando em sua direção devagar. Quanto mais eu me aproximava, mais tentava parecer tranquilo, seguro e confiante. Após alguns passos, estávamos frente a frente.
—Pouco mais de dezoito anos e já está nesse nível, garoto? Chega a ser quase... inacreditável. Quando começou?
— Com uns dezesseis anos, por aí. Quem é você e o que quer?
— Quase dois anos... evoluiu bastante em tão pouco tempo. Para um jovem é fácil e difícil ao mesmo tempo. Sou apenas um velho cansado, gordo e fraco, sem nenhuma grande importância. Só vim aqui para alertá-lo.
— Me alertar... sobre?
— Sobre as coisas que um dia irão te atacar sem piedade. Você é religioso? – Balancei a cabeça num "mais ou menos". – Então é por isso que ainda não te atacaram. Crenças sempre servem como um escudo no início... ainda não sei o porquê. Uma dica, garoto: pare de usar essa habilidade enquanto pode ou a use o mínimo possível.
— Senhor, podemos não nos conhecer, mas sabe que não vou parar.
— É... eu sei, assim como todos os outros que alertei... já o que aconteceu com eles depois de que eu os alertar e não me ouvirem... nada posso dizer. – Ele olhou ao redor, um pouco assustado. – Tome cuidado garoto... eles virão atrás de você... custe o que custar. Agora tenho que ir, coisas para fazer. – Virou-se e então partiu.
— Hey! Espera só um segundo. – Gritei. O velho parou e virou o rosto para mim. – O que exatamente pode me atacar? – pude ouvi-lo soltar um leve riso misturado com uma tosse. Voltou a andar calmo, afastando-se.
— Cuidado com as vozes... as fumaças... aqueles que estão acima de nós... tome cuidado com todos eles! – Terminou de dizer a última palavra assim que virou a esquina e sumiu da minha vista.
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