Capítulo Um: 24 anos, 1 mês

— Sinceramente... estou um pouco tenso... acha que isso vai acabar bem? – perguntei. Ela olhou para mim com aquele olhar sério, que parece penetrar na alma. Logo em seguida olhou de volta para o grande salão a nossa frente. Tremi um pouco, o frio realmente cruel e, mesmo com aquele sobretudo negro enorme, um terno de ótima qualidade e até mesmo um cachecol e luvas, parecia que eu estava pelado no Ártico.

— Basta seguir com o plano. Ele está preparado? – Ela perguntou.

— "Ele" sou eu... e eu não estou muito bem... olha quantos... russos...

— Calma, apenas siga com o plano. Precisamos daquela informação. Tahl e você têm essa missão. Cumpra-a sem ser descoberto ou iremos descobrir o quão agradáveis são as formas de tortura aqui na Rússia. Prepare-se... o presidente se aproxima... – me avisou, e sua feição se transformou de pura frieza e seriedade para um rosto adorável e sorridente, enquanto segurava carinhosamente meu braço. Respirei fundo e sorri, enquanto o presidente russo Nicolau Avicknash se aproximava de nós dois, seu semblante, porém com um simpático sorriso no rosto.

— Senhora Sarah Lara, senhor João Almeida... é um prazer conhece-los – Ele disse em inglês junto com o sotaque russo, e teve uma leve dificuldade em pronunciar o meu nome falso. – Devo dizer-lhes: estou impressionado com essa união. Uma australiana e um brasileiro casados e ambos trabalhando em altos níveis do governo... – comentou, seus olhos azul-cinza me encaravam de modo a me analisar profundamente. Eu poderia simplesmente fazer com que Tahl entrasse na mente dele... mas não valia a pena arriscar.

— Bom... nada pode parar o amor. – Lindsey, ou melhor, "Sarah", respondeu, levantando-se um pouco e me dando um beijo na bochecha.

— Não posso discordar... – ele disse, seu sorriso ainda o mesmo. Não sabia dizer se era um sorriso sincero ou falso. – Ali falando com alguns ministros está minha amada esposa, Helina Roksana. Helina! – chamou Avicknash.

Uma senhora de mais ou menos sessenta anos ruiva e de olhos verdes, sarnas no rosto, usando um vestido vermelho e um enorme cachecol se aproximou de nós. Carregava algumas joias nos pulsos, que deviam custar mais do que a soma do meu salário pela vida inteira.

—Helina, esses são senhor João Almeida e a senhora Sarah Lara. Minha adorável esposa não é a mulher mais bela que já viram? – Avicknash perguntou. Helina, corando, desferiu um soco fraco contra o braço do marido. Rimos e "Sarah" e eu assentimos. – Bom, deixemos as mulheres conversarem. Venha comigo, quero lhe conhecer um pouco mais. – Ele pediu, quase me puxando com o olhar. "Sarah" me deu um leve empurrão e o segui.

Andamos pelo salão e conversamos bastante. As perguntas de Nicolau Avicknash eram aparentemente comuns, não tão importantes, mas eu entendia o que ele pretendia. Criando um vínculo de amizade e tranquilidade, mesmo que simples, seria o suficiente – na visão dele – para começar a fazer perguntas um pouco mais... difíceis de responder. E foi isso que aconteceu. Claro que muitas eu respondia falando o mínimo possível, ou mentindo na maior parte. Não sabia dizer se ele estava acreditando ou não, mas eu ainda estava vivo, então tudo bem. Ministros, governadores e presidentes estavam lá. Uma festa pela paz. Após isso haveria alguma reunião diplomática, coisa do gênero. Porém Sarah e eu não estávamos para comemorar nem para a reunião, ou seja lá o que fosse acontecer. Era a minha primeira missão como agente, disfarçado.

Comi alguns camarões enquanto conversava com alguns políticos, ao lado de Nicolau. Olhei rápido para Sarah. Ela me olhou de volta e assentiu de modo discreto. Era a hora. Pus a mão sobre o ombro de Nicolau, me inclinando um pouco. Rapidamente, peguei do bolso um camarão podre.

— Tudo bem? – perguntou.

— Eu... eu não sei, fiquei um pouco enjoado. Mas acho que posso aguentar. – assim que falei me inclinei fingindo sentir dor, e deixei o camarão cair. Ele pegou o camarão e olhou com cuidado. Em seguida arregalou os olhos.

— Oh, esse camarão está podre? Mas como isso é possível? Senhor Almeida, perdoe-me...

— Sem preocupações. Eu... eu vou ao banheiro. – Disse, me afastando. Ele me segurou pelo braço, e senti uma leve frio na espinha.

— Não quer que eu te acompanhe? Posso chamar um médico. – Perguntou.

— Não... tudo bem. Além disso, a... conferência está prestes a começar. Você não deve se atrasar. Serei breve. – Respondi, afastando-me e indo em direção ao banheiro. Assim que entrei, fechei a porta e fui até a última cabine. "Bom... Tahl... hora de trabalhar".

Tahl surgiu ao meu lado, como um espectro cinza-roxo flutuando acima de mim. "Precisamos ser rápidos... minha mente não aguentará além de dez minutos a depender da distância". Peguei meu celular e abrir o bloco de notas. Respirei fundo e fechei os olhos.

"Vá!".

Tahl saiu flutuando até atravessar o teto do banheiro e chegar ao primeiro andar da enorme mansão em que estávamos. Assim que ele chegou ao primeiro andar, deu de cara com um guarda.

Sem problemas, não podia vê-lo. Ele ia em direção ao segundo andar, onde precisávamos ir. "Pegue carona, conseguiremos tempo" ordenei. Tahl entrou dentro do guarda e o fez seguir até a sala objetivo. Pelo que sabíamos, essa mansão do presidente tinha uma sala na qual continha informações e arquivos confidenciais sobre alguns de nossos agentes infiltrados e sobre os agentes deles infiltrados em outros países, informações sobre a Inteligência Russa, entre outras coisas interessantes. Não daria tempo de copiar tudo, mas eu deveria copiar e memorizar o essencial, com o Tahl seria bem fácil isso.

O guarda subiu as escadas – pude sentir uma pontada de leve no meu cérebro enquanto o guarda se afastava cada vez mais – e estava no segundo andar. Cumprimentou alguns guardas por perto e seguiu em direção à sala. Pouco antes de chegar à sala... "Merda, espera um pouco, as câmeras...". Meu cérebro deu outra pontada. Nosso tempo diminuía cada vez mais. "Você precisa desativar as câmeras de vigilância". Tahl guiou o guarda até a sala de vigilância. Ao abrir a porta, vimos alguns vigias observando as telas.

"Tahl, seja rápido. O guarda à esquerda é a melhor opção. Faça-o abrir desconectar o cabo de alimentação de uma das CPUs. Deve ser o suficiente. Bem simples, ao meu ver" Tahl suspirou. Ele fez o guarda fechar a porta da sala.

"Prepare-se... agora".

Tahl saiu da mente do guarda que havia invadido e entrou na mente do nosso segundo alvo. Nos cinco segundos em que Tahl estava fora deles, meu corpo tremeu em angustia, como se um nervo meu estivesse sendo tensionado, e uma dor horrível tomando meu corpo.

Ele estava muito longe de mim e isso não era bom para nós. O guarda tremeu e se apoiou na parede, sem entender como tinha parado ali. Veloz, Tahl invadiu a mente do guarda que vigiava as câmeras e lhe fez desconectar alguns cabos da CPU sem que os outros notassem.

Assim que o fez, as luzes piscaram um pouco e as telas se desligaram. Todos se levantaram nervosos e assustados.

"Tahl, não temos muito tempo, vá logo para a sala e vamos pegar o que for possível".

O homem controlado por Tahl falou que iria verificar com os outros guardas e saiu da sala de vigilância e indo para a nossa sala-alvo. Senti uma dor tremenda na minha nuca, e tossi um pouco de sangue. "Tahl... rápido..." eu dizia com uma leve dificuldade "entra na sala, e leia tudo que puder".

Ele abriu uma gaveta e viu uns documentos. Era isso. Tahl precisava apenas ficar olhando para os papéis enquanto eu digitava – acredite, muito rápido mesmo – no celular, passando tudo como pontos chaves de cada papel, poupando tempo e vendo o maior número de documentos.

Não durou mais do que cinco minutos e eu sentia sangue escorrer do meu nariz. Meus dedos ficaram dormentes e meu corpo trêmulo. Não podia aguentar mais.

"Tahl, volta agora!"

Ele saiu de dentro do guarda, que caiu no chão tendo leves espasmos e veio em minha direção o mais rápido possível. Assim que chegou, foi como se eu estivesse em chamas e tivesse pulado dentro de uma piscina com água e gelo.

A porta do banheiro começou a bater. Um guarda falando algo em russo. Guardei o celular, peguei papel higiênico, limpei o sangue do meu rosto e abri a porta da cabine em que eu estava, revelando-se para o guarda que batia, uma das mãos já no coldre. Ele olhou para mim, tomando um leve susto ao ver minha péssima aparência.

— Foi... foi o camarão. – Falei com meu péssimo vocabulário russo. Felizmente, ele compreendeu e me ajudou a ir até a pia. Lavei meu rosto, me ajeitei, sentindo meu corpo voltar ao normal. Cumprimentei o guarda e agradeci pela ajuda. Dei dois cliques no meu relógio, o que enviou uma mensagem para Sarah, avisando que eu havia conseguido concluir a parte um da missão.

...

Avistei Sarah tomando champanhe sozinha no canto da parede, enquanto algumas pessoas ao redor ainda conversavam. Me aproximei por trás e toquei o braço dela. Ela se virou e por pouco não soltou algo como "Meu Deus" ao ver meu estado.

— William... – Ela sussurrou para não ouvirem meu nome, olhando ao redor. — Você está pálido e tem um pouquinho de sangue saindo do seu nariz... o que aconteceu?

— Apenas... pequenos contratempos. Demorei mais do que deveria. A conferência, reunião, sei lá o que é, como está sendo? Bem interessante, já que fez você sair de lá.

— Um verdadeiro tédio... mas agora se sente bem melhor, não é? – Perguntou, me entregando uma taça com champanhe... um ótimo champanhe, pude notar.

— É, eu estou bem melhor. Além disso... sou muito bom no que faço, modéstia à parte. – Ela sorriu.

— Você deveria tomar mais cuidado, não quero perder você, idiota. – Disse. Sorri para ela e acariciei seus cabelos escuros com mechas castanhas, que iam até centímetros abaixo do ombro.

— Engraçado ouvir isso da minha chefe... pensei que eu não passava de um agente que pode ser substituído. – Ela deu um soco rápido na minha barriga e cruzou os braços atrás de mim, abraçando-me. Me segurei para não vomitar.

— Você poderia se achar menos... eu não quero, nem posso perder você. Os superiores cairiam matando em cima de mim... literalmente, creio eu. Sem falar que não é todo dia que temos um paranormal trabalhando conosco. Se você não estivesse aqui, eu teria que me arriscar e demoraria horas para conseguir. Então... quando digo que não quero perder você, é porque se eu te perder, quem vai arcar com as consequências serei eu. Agora, se não for incomodo... vamos embora, antes que a situação aqui fique complicada.

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