Capítulo 9: De olho na recompensa
Três semanas. Faltam apenas isso, três semanas.
Claro que a visita do Thomas ajudou a diminuir um pouco a saudade e tornar o período de um mês mais fácil de se atravessar. Aproveitei o fim de semana para entediar mais ainda os paparazzi que estavam alvoroçados com a visita recente do grande astro. Juntos destruímos todo e qualquer boato maldoso, e solidificou ainda mais o status de "namorando" nas notícias.
Obviamente que do outro lado do Oceano, na verdade do outro lado do mundo, Tom encontrou seu assessor quase tendo um ataque cardíaco. Matthew estava altamente dramático e buscando desesperadamente a ilusão de que mantinha seu contratado na rédea curta. Quando meu namorado (ainda é estranho pensar assim) era quem comandava as coisas.
Falando em comandar, ele ordenou que volta e meia Jean me ligasse para saber se estava tudo bem. Para não ouvir um "não", fez a pobre garota me enviar flores com um cartão maluco dizendo "A Terapeuta é por minha conta, afinal o caos fui eu quem criou. Beijo, Tom.". Ainda tentei argumentar com Jean, mas ela então falou que: "O Sr. Declan está irredutível Kathy, disse para não tentar argumentar, que preferia usar o pouco tempo que tem com você de forma mais útil do que discutindo este tipo de coisa". O que eu poderia responder diante disso? Até que ele tem um bom argumento. Filho da mãe!
Derek, antes de desaparecer, confirmou para mim que várias consultas com a Dra. Lens já estavam pagas em meu nome e eu tinha apenas que aceitar. Assim como tive que aceitar o sequestro planejado pelo meu novo amigo, que fez questão de surrupiar minha velha amiga. Isso mesmo. Eles estavam apaixonados, ela mandou o namorado embora, em uma daquelas viradas do destino e então resolveu assumir o que sentia pelo ex-rockeiro. Não sei os detalhes, por que os dois desapareceram este fim de semana, e eu ainda não encontrei a minha amiga, por que nem passei pela redação fui direto para a Prefeitura de Nova York nesta manhã de segunda-feira.
Parece que David ainda não está pronto para me ver, por que ele apenas me ligou na sexta, falando que a entrevista com o Prefeito era as 8 da manhã, que deveria estar lá, que o fotografo do jornal ia me encontrar no local. Uma forma muito madura de resolver as coisas. Ele foi lacônico, perguntou só o necessário, deixando bem claro toda a descrença sobre a minha capacidade.
Mas meu chefe me conhece, sabe que isso seria um estimulo para dar o melhor de mim, um belo manipulador, sabia que botões apertar para que dê o meu melhor. E assim o fiz, caminhando no meu melhor conjunto de calça e terno preto pelos corredores da Prefeitura, logo sendo conduzida para a sala do Prefeito, seguida pelo chefe de gabinete e o meu fotografo, que organizava tudo para as fotos.
- Ora, ora, fiquei impressionado ao saber que ia ser entrevistado pela namorada do músico Thomas Declan. – Falou o prefeito Mark Rudolph, um senhor de idade, dono de um senso de humor peculiar para um prefeito, e uma certa serenidade, por isso todos gostavam dele e ele conseguiu muitos votos. E ele já havia confidenciado para a própria jornalista o quanto gostava do trabalho dela, por que ainda não estava contaminada pelos vícios da profissão.
Respirei fundo, coloquei meu melhor sorriso e falei de forma delicada e atenciosa.
- Prefeito Rudolph, não é a namorada do Thomas Declan que está aqui, é a jornalista Katherine Thompson, aquela que o senhor adora dar preferência nas coletivas por que ela é racional e prudente com suas perguntas.
- Claro, claro minha jovem! Por isso pedi para o David que me mandasse você e não um daqueles macacos comunistas que ele cultiva naquela redação! – Deu então uma risada diante da piadinha.
- Espero que continue pensando assim. E acredite, eu não mudei com a fama. – Ela lança a brincadeira com um sorrisinho.
- Muito bom! Muito bom! Se você não mudou quando se tornou a primeira repórter a acompanhar aqueles desordeiros da Occupied Wall Street, não mudará agora.
- Como Prefeito? – Ela pergunta curiosa.
- Ah! Eu acompanhei aqueles merdinhas, eles que não me ouçam, desde o início. Você foi a primeira a fazer matéria com eles, uma das poucas que percebeu o potencial daquele circo. Assumo que até eu menosprezei aquele bando de hipsters metidos a intelectuais. Mas quando seus amigos perceberam, a história já era sua. Golpe de mestre, garota! Mas isso o babaca do David não quer admitir. Você deu uma volta até naquela raposa velha. Por isso eu queria você aqui. Nada melhor do que falar sobre os merdinhas com a garota que mostrou eles para o mundo. Viu? O velho aqui não está tão caduco como poderia pensar.
- Prefeito, me sinto honrada! O senhor sabe que sou da ala que sabe perfeitamente que o senhor só esconde sua senilidade quando é comodo.
- Aha! Essa é a Katherine Thompson! Por isso estão adorando te enterrar com essa história com o Declan, mas hoje vamos mostrar para esses outros cagões que me odeiam e me enchem de perguntas imbecis que você ainda está melhor do que nunca. Então por favor, não me decepcione, garota. Ainda vai entrevistar o Obama, escuta o que eu digo. – Rudolph fala com um sorrisinho demonstrando o conhecimento e sabedoria que só a idade poderia trazer.
Agora me sentindo mais forte do que nunca, me posicionei na cadeira, liguei o gravador do celular e perguntei para todos: "Prontos?". Ao receber a resposta, enfim disse:
- Vamos decolar este avião, meus queridos. – Respirei fundo e virei-me para o prefeito perguntando. – Após o 11 de Setembro a violência na cidade de Nova York teve uma queda em seus dados, as forças de segurança tiveram a maior taxa de aprovação da história, mas com um tempo esses números voltaram a mudar. A taxa de violência voltou a aumentar. Que políticas a Prefeitura de Nova York pretende implantar para que estes números voltem a cair?
- Bem, minha cara, Nova York sempre estará dividida entre o antes e o depois daquele dia fatídico, onde nossos homens e mulheres da lei provaram seu valor de uma forma gloriosa e trágica. O povo demonstrou o seu respeito. Mas os criminosos esqueceram rapidamente aqueles dias tenebrosos, o desemprego também tem encorajado nossos jovens a seguirem este caminho, por isso implantaremos projetos voltados para o jovem, para o treinamento e empregabilidade. Estimular o primeiro emprego é vital para torna-lo cidadão e intensificar o combate ao tráfico de drogas. – O homem falava de forma educada, abandonando o ar bem humorado, passando a ter a postura digna de um Prefeito.
- Já que falamos de juventude, o senhor vê nas ruas os jovens engajados no movimento Occupied Wall Street, questionando como o lucro é obtido na América e a forma que ele é distribuído de forma desigual. Como o senhor vê este movimento e a postura das empresas que são apontadas por esses jovens? Já que uma boa parte do lucro obtido pelas empresas que povoam Wall Street alimentam os cofres da prefeitura através dos impostos que são pagos.
- Apoio estes jovens, a luta deles é compreendida por mim, por isso o mínimo que posso fazer é transformar estes impostos em melhoria para a sociedade, em projetos viáveis para melhorar a vida dos moradores desta cidade...
E a entrevista se seguiu, de forma fluida, o Prefeito respondendo cada pergunta feita por mim. Enquanto o fotografo capturava os melhores ângulos. Ao fim da entrevista, me despedi de Mark Rudolph e o deixei aos cuidados do meu fotografo que faria fotos produzidas, com o grande homem sentado à mesa, no sofá, usando o gabinete como cenário.
Enquanto isso já caminhava para a sede do jornal. Caminhei algumas quadras, e ao me aproximar um pouco receosa, olhei em volta, descrente, até que a voz do senhor Gonzáles veio das minhas costas:
- Eles esperaram, como a Senhora não apareceu, eles foram embora. – Falou o homem com um sorriso divertido.
- Bom dia Jorge! É surpreendente saber que eles cansam, agora entendi muita coisa.
Não pude conter meu sorrisinho satisfeito, quase entrei saltitando no prédio do jornal. Sai do elevador e fui diretamente para a minha mesa, estava com toda matéria na cabeça, só precisava escreve-la, estava inspiradíssima. Assim que estava acomodada, comecei a digitar furiosamente, ouvindo cada resposta novamente no meu celular, tudo fluindo de uma forma como nunca aconteceu antes, estava tão elétrica, tão empolgada, que nem percebi David se aproximar e olhar por cima do meu ombro, só ouvi a voz dele dizer: "Bom...bom..." e se afastou continuando a sua ronda pela redação.
Segunda-feira, a esta hora, tinham muitos jornalistas ainda na rua fazendo suas matérias, poucos, como eu, já estavam redigindo o seu material. Pelo jeito não ia ficar com o prazo ameaçando cortar meu pescoço. Até que terminei, me levantei e caminhei para a sala de David, de forma resoluta, quase de peito estufado, satisfeita com o filho que havia acabado de parir. Assim que entrei, falei com um grande sorriso:
- Prontinho!
- Já?
- Eu vim com tudo na minha cabeça, foi perfeito!
- Que bom, Thompson! Vamos ver!
Ele se concentra na tela do computador e começa a ler a matéria, dando alguns grunhidos de aprovação, balançando as vezes a cabeça afirmativamente, cada vez que ele dava uma reposta positiva, eu tinha uma vontade maior de dar saltinhos, estava quase explodindo de felicidade. Quase fazendo a dancinha da vitória. Até que ele anunciou:
- Parabéns! Fico feliz em ter a matéria principal do caderno pronta! Graças a Deus! – Ele se levanta, vai até a porta e grita. Isso mesmo, grita. Mesmo tendo interfones, David era das antigas, da época que o jornal era feito aos gritos. – NED! CAPA OK! COMEÇA A DIAGRAMAR! STEVEN! APRESSA CARA! QUERO PELO MENOS JÁ TER DUAS OU TRÊS PÁGINAS PRONTAS. OUVIU CAMPBELL??? A RUA VAI COBRIR O RESTO!!! VAMOS!!!
Ele volta para a sua cadeira, e eu estava exultante, nunca imaginei que ia ter essa resposta, mas eu tinha dado tudo de mim e o Prefeito foi muito generoso.
- Parabéns Thompson! Vejo que voltou à ativa, que aquele filho da puta não comeu seu cérebro, ao contrário, acho que esse cretino turbinou. Nunca vi uma matéria sua tão boa!
- David, sério? Sabe que não foi o Thomas que turbinou meu cérebro, mas foi você com sua exigência e seu castigo, sabia que eu ia dar de tudo para provar que era bem melhor que tudo isso. Que nenhuma história ia me derrubar.
- Foi, o velho Mark disse que você não perdeu a forma.
- Ligou para o Prefeito para fazer minha avaliação?
- Acha que ainda vou arriscar meu rabo por uma fadelha? Se eu não tiver certeza que ela vai ajudar aqueles velhotes do último andar a me foderem? Só para o seu governo, mocinha, os antigões aqui desta redação já não iam com a sua cara por que você sentou na porra daquela mesa se achando um máximo, eles estão todos os dias tentando te foder e me foder por que eu sou puxa-saco dos mais novos. Eles são da época que antiguidade fazia um bom jornalista, eu sou da teoria que talento faz bom jornalista.
- Obrigada David!
- Obrigada um caralho! Eles estão doidos para comer seu rabo, e depois desta matéria vão querer comer mais do que nunca, você com esse Thomas estão dando munição, mas essa matéria vai provar que você não é tão idiota, que a menina das trancinhas tem garras e pode colocar os velhões no chinelo. Então volte para a sua mesa sendo humilde, redigindo aquelas notas pé no saco para ocupar as outras páginas caso a rua dê merda. Siga como sempre seguiu. Mostre que ser foda não sobe para a sua cabeça.
- Sim, chefe!
- Ah! E não deixa aquele Rockeiro de merda foder sua vida e nem a minha por tabela, lembre-se que tem muitos rabos estão na parada! Cada vez que leio algo de vocês, fico com meu cú na mão.
- Eu sei, tanto que percebi sua estratégia, eu cheguei e os abutres não estavam na portaria.
- Isso ai garota! Vamos variar seus horários, até esses merdas cansarem! AGORA VÁ!
Saio com um sorrisinho, sabia que aquele jeito irritado e brabo do David, escondia o lado meio paizão dele. Ele protegia com unhas e dentes os seus talentos mais novos.
Fui para a minha mesa e depois de muito tempo pude olhar no meu tablet, então vi uma mensagem do meu Lancelot: "Bom dia, Princesa! Como tem se saído no seu primeiro dia?". Respondi com um curto: "Bom dia, Lancelot! Me sai muito bem, ganhei estrelinhas!". Surpreendentemente a resposta veio em seguida, não imaginava ele online, quando devia ser madrugada em algum lugar da Ásia: "Sem sono, lendo uns roteiros, não paro de pensar em você!" e uma foto dele deitado na cama, sem camisa, tira meu folego. Não pude deixar de responder: "Eu também, não paro de pensar em você, ainda mais depois desta foto. Tente dormir e eu tentarei trabalhar!", para retribuir tirei uma selfie no meu cubículo. Depois de ver que ele digitava veio a resposta: "Uau! Bonito terno! Elegante! Agora vou conseguir dormir, quando acordar falo com você! Gosto muito de você! Beijos!". Fiquei olhando para a resposta com um olhar bobo, por que estava ali que ele gosta de mim, e muito. Por isso tive que responder honestamente: "Gosto muito de você também! Bons sonhos! Beijos!".
- Que fofo!
A voz de Dana me surpreende, quando olho para ela, está quase suspirando.
- Oi amiga! Sobreviveu?
- Heim? – Se faz de desentendida.
- Ao final de semana com o Derek.
- Como sabe disso?
- Minha velha amiga sumiu, meu novo amigo sumiu, eles resolveram se acertar, liguei os pontos.
- Foi lindo! Maravilhoso! Épico! Estamos namorando!
- E o...?
- Mandei embora, não pensei duas vezes, idiota!...O Derek não chega aos pés dele...Mesmo o Derek sendo um pé rapado, e o Jason sendo rico. Mil vezes o fofo do Derek.
- Valha-me Deus! Aturar vocês por três semanas, vai ser provação! Sinceramente! – Eu reviro os olhos.
- Ah! Amiga, eu vi as fotos! Não acredito que o Thomas veio lá do outro lado do mundo aqui, só para conferir se estava tudo no lugar. Vocês são tão fofos juntos, tão lindos no parque, eu já shippo! Por sinal a hashtag bombou! Tomerine!!! Que lindo!!!
- Deus do Céu! Para Dana! Que maluquice! Isso me deixa perdida! Meio confusa!
- Dra. Lens é a solução querida. Procura ela e coloca tudo isso em ordem. Se quiser eu te acompanho na consulta.
- Seeei...Você não tem nenhuma matéria para escrever, tipo, trabalhar?
- Chata!
Dana se afasta com uma falsa cara emburrada para seu computador, eu foquei no trabalho que foi designado para mim, fazendo algumas ligações, logo eu tinha três notinhas escritas, e um pedido aceito de liberação para minha consulta. David achou uma boa ter alguém, além dele, mantendo minha cabeça no lugar.
Jorge fez questão de me levar até o consultório da Dra. Lens, disse que Jean havia passado todos meus horários para ele, assim poderia me acompanhar de forma mais efetiva. Ou seja, meu namorado levava o conceito de cuidar, mesmo que a distância, muito a sério. Talvez se ele estivesse em Nova York não seria tão eficiente. Será que ele estando perto não será controlador demais?
Um bom tópico a ser discutido com a minha terapeuta.
***
Foi muito produtiva minha consulta com a Dra. Lens. Ela me fez pensar e ver que estava evoluindo, que agora já conseguia nomear os meus medos, então era o começo da compreensão que agora se formava em minha mente, sabendo quais de fato fossem meus receios, todo esse conjunto de observações ajudariam a encontrar uma solução para esta relação dar certo. Eu ainda estava perdida em pensamentos enquanto fechava a porta do consultório quando ouvi a voz de Derek:
- Sim, você vai me contar logo ou vai me deixar curioso?
- Eu posso até contar a novidade que eu tenho, mas só depois que me disser como foi seu final de semana.
Antes que ele pudesse falar algo, um cliente bem vestido, mas com cara de poucos amigos, entrou na antessala. Logo o reconheci da última vez que estive no consultório e tive que espera-lo. O homem apontou para a porta, fez um sinal e Derek sinalizou que podia entrar. Deixando claro que não se esforçaria para ser educado. O atendente bufou e logo disse impaciente:
- Por que todo advogado tem que ser arrogante?
- Ele é tão bonito, um desperdício ser tão mal-humorado.
- Ei! Olha eu aqui. Não vou deixar que fique traindo o meu brother, o Thomas, na minha frente!
- Seu bobo! Sabe que não consigo pensar em outro homem que não seja aquele... - que adjetivo poderia usar para ele, mal nos conhecíamos, isso era um fato. - deixa pra lá.
- Bom saber! Assim como vou adorar dizer que meu final de semana foi muito bom com a Dana, nos entendemos graças a você e sua boca imensa. Eu poderia deixar de falar com você pra sempre, mas...
- Mas, não vai...Por que sou uma excelente amiga que além de bancar o Cupido, falei com meu namorado e ele disse que para se redimir do caos promovido pelos paparazzi, ele providenciará um convite para a estreia do filme dele aqui em Nova York, com direito a uma acompanhante. Você vai poder participar da exibição do filme, da festa e tudo mais, como um astro de Hollywood. E vai ter um show de uma das bandas que fazem parte da trilha sonora, parece que é Imagine Dragons, não sei ao certo ainda. Vai ser daqui a três semanas.
Quando terminei, percebi que o meu amigo estava em estado de choque, então tentei chamar ele para a realidade:
- Derek, está tudo bem?
- CARAMBA!!! - Ele solta um grito.
- A Doutora! - Chamo a atenção dele.
- Caramba! É sério isso? - Ele pergunta agora em voz normal, mas sem esconder a empolgação.
- Sim. É sério. Ele me assegurou. Ficou constrangido com tudo que aconteceu. Você só tem que me passar seu endereço, para então enviar para assistente do Thomas, ela vai enviar para você os convites e uma limosine para busca-lo no dia do evento. E não adianta reclamar, seu ídolo fez questão.
- E você acha que vou ser idiota de reclamar... - Ele fala todo empolgado, mas quando vê a minha expressão, ele diz impressionado. - O que? Você dispensaria? Em que planeta você vive, Kathy?...Oh meu Deus! Volte agora lá para dentro e continue a terapia!
Dou uma risada, então vejo a hora, estava tarde, precisava fazer coisas mundanas como ir ao supermercado. Me despeço do meu amigo e vou embora.
***
Assim se seguiram os dias, calmamente, trabalhando arduamente de uma forma que surpreendeu até David, entediando os paparazzi com uma rotina dentro da normalidade, e voltando a ser reconhecida como uma jornalista de política, o que na verdade eu era, não a namorada do Thomas Declan.
Já entre eu e o Thomas tudo melhorava cada vez mais, mesmo com o enorme fuso horário, nos encontrávamos via Skype. Ele indo dormir e eu me arrumando para o trabalho, ou ele acordando e eu terminando minhas atividades do dia para então dormir. Era como dois habitantes em um mundo diferente, agora literalmente, por que enquanto estava cansada com o meu dia corrido, ele estava empolgado com o dele que estava começando. E antes que me pergunte: Sim, claro que sim. As minhas conversas, noturnas para mim e matinais para ele, tinham se tornado picantes também. Afinal só assim atravessaríamos três torturantes semanas longe um do outro, cheia de planos e desejos, acho que estávamos mais conversando sobre nossas preferências do que muitos casais, se duvidar estávamos conhecendo mais um ao outro do que muitos casais.
A terapia avançava de uma forma assustadora, sempre que resolvia um receio dentro de mim, aparecia um outro para me atormentar, era como se elas se reproduzissem, como aqueles Gremlins dos filmes, jogava água e eles se multiplicavam tornando-se criaturinhas assustadoras, assim como cada um dos meus receios. Admito que teve uma semana que quase enlouqueci a Dra. Lens com minha baixa autoestima, perguntando se ia chegar um momento que o Thomas ia olhar aquelas mulheres belas e se perguntar o que faria com alguém como eu, tão mundana. Outra semana era se teríamos tanta química mesmo, já que a distância tudo é lindo e maravilhoso. Por que o namoro era mais virtual que real.
Dra. Lens tentou apenas me tranquilizar, que eu não deveria ver coisas onde não existiam. Logo, fui entrando nos eixos novamente. Já disse que fuso horários eram horríveis e estranhos?
Tão estranho quanto o clima de hoje na redação onde trabalho, quando cheguei, a encontrei imersa naquele típico burburinho, mas que se silenciou quando diante da minha presença, como se esperasse uma bomba explodir, isso era completamente fora do normal. Uma redação onde uma mosca poderia ser ouvida em seu pleno voo, jornalistas falastrões imersos naquele silêncio profundo. Olhei em volta, visivelmente desconfortável, até que Dana se aproximou em meu socorro, me entregando uma xícara de café. Perigo! Ela sempre me entregava uma xícara de café quando as coisas estavam bem preocupantes ou feias, quando ela percebia que aquilo seria necessário para a minha ansiedade. Sim, uma bomba estava armada naquela redação, prestes a explodir e eu era o gatilho.
- O David quer ver você na sala dele. - Advertência gritava na voz da minha amiga, que sussurrava, cuidadosa, me preparando para algo que poderia gerar uma redação negativa da minha parte.
Dei um gole de café, evitando olhar para a sala dele no fundo do grande salão, com receio da cara fechada que veria.
- Que merda aconteceu? - Pergunto apavorada não sei com o que.
Aquele silêncio me matava, os rostos desconfiados em seus cubículos, tinha vontade de gritar perguntando o que houve. Mas apenas respirei fundo, entreguei a xícara para Dana que me olhava apreensiva, sem saber o que sentir na verdade, pois nunca sabíamos o que esperar do nosso chefe. Alisei a saia lápis preta que usava, arrumei a camisa branca formal, arrumei a franja que escapava do rabo de cavalo. Virei em direção a sala de David e caminhei, resoluta, como Joana D'arc caminhando para a fogueira. Alguns olhavam com admiração, outros com assombro, até com receio. Mas caminhei. Os saltos estalavam no meio do silêncio, parecia que as pessoas temiam respirar, o ar ficou em suspenso, como se todos aguardassem ansiosamente a próxima cena com uma curiosidade quase mórbida.
Quanto mais eu caminhava, via que as persianas da sala do David estavam fechadas. Este fato me deixava preocupada, já que David nunca ficava sem uma visão da redação, só em casos muito especiais, e aquilo era mais assustador ainda. Ao chegar na porta, dei umas batidinhas. O próprio David abriu, tornando tudo mais preocupante ainda, olhando por cima do meu ombro, seu olhar como mágica ativou a redação que veio a vida em um estalar de dedos, o ruído da movimentação se tornou ensurdecedor para os meus ouvidos que tinham se acostumado com o silêncio intrigante, era como se um vídeo em pausa tivesse voltado a vida.
- TEMOS UM PRAZO, ESQUECERAM? - O grito de David quase me ensurdeceu. Mas não demonstrei. - Entre, Thompson. Temos visita. - Ele fala de uma forma neutra, mas seu olhar mostrava o quanto estava contrariado e desconfortável.
Ao entrar na sala, vi confusa a visita que estava sentada em frente à mesa do meu chefe, era Thomas. Isso mesmo, Thomas Declan. Que me deu um sorriso discreto, sem saber ao certo como agir, parecia o namorado diante do pai, sentado na sala da família, enquanto espera a menina se arrumar para mais um encontro.
Sem que David pudesse perceber, lancei um olhar confuso e ele deu discretamente de ombros. Então sentei, olhando para o meu chefe, falando educadamente.
- Olá David! Olá Senhor...Declan! – Falei titubeante, sem saber como agir, aquilo era muito estranho.
- Corta essa Thompson! Sabemos qual é a sua relação com o rapaz aqui, então não vamos ficar fazendo esse papel.
- Ok! - Respondo encolhendo na cadeira, depois da bela chamada de atenção.
Definitivamente aquilo se parecia com a visita do primeiro namorado a casa dos pais. Só faltava o David perguntar quais eram as intenções do rapaz comigo.
- Eu estava conversando com o Thomas aqui, vendo quais eram as intenções dele em relação a você...Ele se comprometeu em não atrapalhar a sua carreira e não ferrar a minha vida. O rapaz veio fazer uma visita para você de surpresa, não a encontrou, então resolvi fazer as honras da casa, tive que explicar a política de horários incertos para despistar os abutres, ele até concordou com a boa ideia. Ai aproveitei para conversar um pouco com ele, saber o que ele pretende, se ele não vai ferrar com nossos planos, se vou ter minha repórter. Mas o rapaz prometeu que não vai interferir, apenas pediu que as vezes você fosse liberada para acompanha-lo em alguns eventos, e assegurou que ajudaria a conseguir alguns furos para nós, já que ele é bem próximo ao gabinete do Obama, têm contatos com alguns políticos. Eu achei uma troca justa. O que acha, garota?
Olhava impressionada para aquilo tudo, David falando orgulhoso do seu bom acordo, Thomas era o constrangimento em pessoa, e eu estava estarrecida com todo o quadro apresentado.
- Que nem meu pai conseguiria negociar tão bem a minha vida como você, Dave.
- Eu falei para você Thomas, essa menina vai longe. Eu aposto todas as minhas fichas. – Meu chefe fala Thomas todo orgulhoso. - Então conto com você para que não roube minha menina da minha redação.
- Pode ter certeza, senhor Anderson. Sei o quando a Katherine ama o que faz e adora sua redação, eu não pretendo estragar isso. Mas como conversamos, eu vou precisar da companhia dela um pouco. – Já meu namorado tenta bancar o bom moço, como se estivesse tentando agradar o sogro.
- Sim, claro...Claro...Sua assistente pode me ligar e cuidarei de tudo da parte daqui. Não se preocupe.
- Muito obrigada. Agora se não se importa, precisava rouba-la por alguns segundos, precisava conversar com ela rapidamente. – Fala Thomas educadamente.
- Não se preocupe, meu rapaz. Pode até usar a minha sala. Vou ver o que esses idiotas estão fazendo lá fora. Devem estar como umas velhas fofoqueiras esticando seus ouvidos, mas eu preciso de dedos no teclado e se movendo. - David se levanta de sua cadeira.
- Muito obrigada, senhor Anderson. - Assim como Thomas que se levanta por educação.
- Pode me chamar de David, meu rapaz! Fique a vontade!
Ele aperta a mão de Thomas e sai, enquanto eu observava a tudo chocada, tentando entender o que estava acontecendo. Assim que David saiu, Thomas me olha apreensivo e logo fala:
- Eu não tinha planejado nada disso. Meu plano era algo mais romântico. Menos assustador. Tanto que minhas flores ficaram em cima da sua mesa. Achei que seria demais entrar aqui, me ver conversando com o seu chefe, um buquê de rosas na mão. E assumo que uma amiga sua, uma ruiva, me sugeriu deixar as flores sobre a sua mesa. Ela tentou me salvar, mas o...David...isso, o seu chefe, ele é bem rápido.
- Isso foi muito assustador. Estou tentando entender o que foi tudo isso.
- Acho que causei uma boa impressão nele, Princesa.
- Thomas, vocês combinaram a minha vida sem que eu estivesse presente.
- Não queria ter feito isso, mas o homem me colocou em uma situação que eu fiquei sem saída. Ele é muito intimidador. Agora entendo muito bem quando dizia que não podia decepciona-lo. Quando percebi, eu estava negociando, era como se fosse obrigado a negociar, quase me vi tendo que ser obrigado a pedir você em casamento. Já que tinha que negociar, tentei algo ao meu favor e que não a ofendesse. - Ele falou visivelmente desconsertado.
Sabendo do que David era capaz, comecei a rir. Ele tinha uma atitude bem paternalista. Não só comigo, mas com todos. Um dos exemplos foi o troço que ele teve ao saber que Dana tinha largado o namorado figurão pelo Derek, ele quase teve um troço, era quase como um filme de Jane Austen quando a mãe descobre que sua filha trocou o casamento com um homem rico, por um homem pobre. David até usou o argumento: "Garota, você já viu algum jornalista rico nessa porra? Acha que vai virar Marta Stewart ou a Ophra? Acorda!". Foi bem exagerado, mas engraçado. Para fechar com chave de ouro, ainda complementou: "As mulheres desta redação estão enlouquecendo? Deixaram os hormônios governar? Assim vou demiti-las e deixar apenas homens aqui". Por mais machista que possa parecer, sabíamos que David não era um machista, ao contrário, achava as mulheres da redação dele mais poderosas que os homens, por isso colocávamos aquele comentário na conta da superproteção dele.
Agora que eu estava naquela situação insólita, só me restava achar engraçado.
- Eu vim correndo, não poderia esperar até amanhã para vir com todo mundo. Então eu vim logo, queria fazer uma surpresa. - A voz de Thomas me tirou daquela nuvem em que tentava compreender aquilo tudo.
- Estou feliz em ver você aqui. Juro.
Me levanto indo até ele passando os braços em volta do seu pescoço.
- Tenho medo de te beijar, ele entrar aqui e me arrancar a cabeça.
- Acho que ele não vai entrar.
Beijo os lábios do Thomas, e então percebi o quanto havia sentido falta deles, o quanto queria eles para mim, queria poder aproveitar o meu namorado que chegou de viagem, mas tínhamos um mundo lá fora. Me afasto de forma lenta e relutante.
- Tenho que trabalhar. - Falo tristemente.
- Eu sei. - Ele responde no mesmo tom. - Mas eu tenho algumas coisas para resolver sobre a minha mudança. No final da tarde passo com o Jorge para te pegar. Ele me falou que tem todos seus horários, que não sei como Jean conseguiu com o David. Qualquer imprevisto pode me ligar.
- Tudo bem. - Abro um sorriso agradecido diante de tamanha preocupação, nunca tive alguém que cuidasse de mim de uma forma tão intensa, era diferente e novo.
- Gosto muito de você. Até mais e se cuida, Princesa. - Ele deposita um selinho casto nos meus lábios.
Saímos de mãos dadas da sala do me chefe, todos fazendo um excelente trabalho em fingir que não percebiam a nossa presença. Acompanhei ele até o elevador. Antes de entrar, se despediu com um beijo casto na testa e um "até logo, querida". E eu com um tímido "até logo".
Quando a porta do elevador se fechou, eu me virei para a redação, uma chuva de aplausos inundou e assobios, uma verdadeira algazarra. Fiz uma pequena mesura, me inclinando teatralmente. Até que...
- VOLTEM AO TRABALHO! ISSO AQUI É UMA REDAÇÃO, NÃO É CASA DA MÃE JOANA! THOMPSON QUERO A MATÉRIA DA TAXA DE DESEMPREGO! - David gritou em plena redação.
Pronto, tudo estava de volta a normalidade.
- x - x - x -
NOTA DA AUTORA:
Depois de muito tempo, eis que...Isso mesmo meus queridos, quem espera sempre alcança.
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