Capítulo 2
Amélia achou melhor que eu trocasse de roupa, apesar de achar que estava bem-vestida o suficiente para me encontrar com o Imperador.
— Amélia, sinto que você quer falar algo — falei após vários momentos em que a observava, ela parecia preocupada, mais que o normal.
— Minha senhora, por favor — sua voz estava vacilante —, evite chamar-me pelo primeiro nome, assim como os demais criados e senhores, você pode ser mal interpretada.
Engoli em seco e encarei-me no reflexo do espelho. Eu era Ametista, a princesa herdeira. Todos esperavam que eu me comportasse como a dama que fui educada a ser.
— Sinto muito — falei baixo.
— Pelos céus! Não me peça desculpas... — A empregada deixou um dos grampos cair no chão. — Não peça desculpas para ninguém, a princesa é a futura senhora deste Império. — A jovem falava tão rápido que era até difícil de acompanhar.
— ...
— A minha senhora mudou muito... — Ela suspirou como se buscasse por palavras. — Digo... Depois de vosso acidente, a princesa acordou diferente.
Realmente eu sabia que acabaria por ser diferente, até porque não sou a verdadeira Ametista. Puxei em minhas memórias o que ocorria de fato no livro, fora os acontecimentos mais perturbadores.
Era verdade que Ametista tinha uma criada pessoal, mas sequer o nome dela foi citado na obra, como se a princesa pouco se importasse com quem a servia ou não. Em certa ocasião o chá lhe foi dado frio segundo seus padrões de contentamento e ela puniu a criada com dez chibatadas.
Minha garganta travou e suspirei pesarosa. Ametista não era uma mulher fácil de ser servida, e tampouco deixava pequenos detalhes passarem batido. Seu marido não se importava com o que ela fazia ou deixava de fazer, e Dionísio... Pelos céus, eu havia esquecido de Dionísio, a outra ponta chave desse livro.
— Sinto que tenha mudado — era impossível continuar não me desculpando —, minha mente parece confusa.
— A senhora deseja que eu chame o médico novamente? — O tom de alerta vindo de Amélia me sacudiu.
— Não! — respondi depressa, minha voz arranhou a garganta. — Creio que o tempo será o melhor remédio. — Pisquei demoradamente, tentando reunir palavras rebuscadas para usar naquele tempo. — Você poderia me ajudar enquanto isso? Hun?!
A jovem empregada balançou a cabeça numa afirmativa atrapalhada.
Meu corpo respondeu com outro arrepio quando voltei a contemplar a figura de Ametista no reflexo do espelho. As coisas começavam a me assustar, por qual razão eu estaria ainda em um sonho? Mesmo com a sensação de que os dias corriam normalmente? De qualquer forma decidi entrar na fantasia, talvez isso me fizesse acordar de uma vez por todas. Para ser sincera, aquilo já estava me assustando.
— Onde posso encontrar meu marido o primeiro príncipe?
Vi Amélia ficar branca dos pés à cabeça.
— Você tem certeza, minha senhora? — ela falava baixo e receosa.
— Qual o problema em querer vê-lo? Se ele não vem até mim, é meu papel como esposa ir até ele.
Eu sabia da relação complicada que o príncipe herdeiro tinha com sua esposa, normalmente eles apenas se viam por poucos momentos durante encontros sociais que necessitava obrigatoriamente da presença de ambos. No começo culpei deliberadamente o comportamento de Ametista, mas agora sinto que Russell com seu desinteresse também tinha muita culpa no cartório.
— Creio que sim. — Respirou fundo. — E bem, não é como se ele não se importasse no final das contas.
— O que quer dizer com isso? — Girei o corpo na cadeira para encará-la nos olhos.
— Bom... — Ela vacilou, mas continuou. — Há um novo guarda no palácio da senhora, ele usa o brasão real e comumente está muito interessado nas notícias diárias dos médicos que a visitam.
— Você acredita que ele pode servir ao príncipe herdeiro? — Novamente uma sensação de formigamento corporal me atingiu. Essa informação não constava no livro, como poderia estar ocorrendo?
— Acredito que sim...
Antes que ela desse continuidade no que dizia, pancadas suaves na porta foram ouvidas. Amélia se afastou com um sorriso tímido nos lábios, dando a entender que seu trabalho estava finalizado. Talvez eu houvesse encontrado em Amélia uma possível confidente. Pela porta recém-aberta adentrou o mordomo acompanhado desse tal guarda.
— Vossa alteza, permita que eu vos acompanhe até a sede do Império — disse o guarda em uma reverência longa demais. Forçada demais.
— Não, obrigada. — Eu o fitei firme. — Já tenho meus próprios guardas pessoais.
O homem era alto, mas não tão robusto quanto Russell. Ele tinha olhos marrons profundos e o cabelo ruivo liso estava firmemente preso em um rabo de cavalo. Por mais que suspeitasse que o tal guarda fosse de origem real, eu sequer fui notificada. Não confiaria assim nele.
Aparentemente meu sonho tinha seu próprio ritmo.
— Está sob ordens de quem? — Mantive meu olhar perigosamente cínico na direção dele.
— Perdoe minha indiscrição, princesa. Chamo-me Teodór, sou cavaleiro de vossa alteza, o primeiro príncipe. Ele designou-me como vosso guarda pessoal.
Ok... Nesse momento minha mente começou a dar pulos, voltas e mais voltas. Esse nome, eu me lembrava muito bem desse nome. No livro, Teodór não era apenas um guarda real, ele era o braço direito de Russell. Ele lutou ao lado do príncipe fervorosamente a cada batalha, inclusive segundo o desenrolar, fora ele quem trouxera a notícia da morte do príncipe. E também era definitivamente claro no livro que ele não confiava em Ametista, até mesmo confidenciando ao príncipe as infidelidades cometidas pela princesa.
Talvez Russell não fosse tão indiferente a Ametista como foi retratado no livro... Ou simplesmente queria vigiá-la de perto.
— Está certo, se meu marido confiou minha segurança ao senhor, então aceitarei.
Reparei na impaciência que se abateu sobre o mordomo, como se ele estivesse incrédulo com o desenrolar das coisas. Muito provavelmente a verdadeira Ametista colocaria o guarda real para fora mediante gritos, exatamente por responder a Russell, não seria a primeira vez.
Momentos depois eu já estava na carruagem a caminho do Palácio Prateado, a residência oficial do Senhor do Ferro, o Imperador. Meu sogro.
Enquanto o transporte era tracionado pela fileira de seis cavalos em pares de três, mais quatro cavaleiros se mantinham seguindo a uma distância de guarda, pela janela podia ver o quinto, Teodór, cavalgando numa proximidade maior que os demais.
Russell teria ficado preocupado com a queda do cavalo que Ametista sofreu? Ou seria apenas um cuidado paliativo, voltado a saber seus segredos e se a tal história da amnésia seria real ou não?
— Não faz sentido — murmurei para o ambiente vazio. — Por que estou sonhando tão demoradamente com algo assim?
O grande salão à minha frente era tão impressionante que me senti na Disneylândia. Não havia lugar ou espaço que não estivesse coberto de ouro branco e prata. Candelabros cheios de adornos pendurados na parede, um lustre incrustado do que eu acreditava ser os mais raros tipos de joias, cortinas que brilhavam como se fossem feitas de diamantes, o piso era tão polido que era possível ver meu reflexo nele, e um tapete vermelho com bordados prateados se estendia até o magnífico trono de ferro e aço, eu chutaria ser o mesmo trono antigo onde o Imperador Conquistador sentou-se. Tudo era exatamente como foi descrito no livro.
Um pigarro atraiu a minha atenção de volta à realidade. Eu estava tão nervosa com o encontro com o Imperador que senti até dor de barriga no caminho para cá, porém, no primeiro momento fiquei encarando o trono como uma doida. Rapidamente, reverenciei o Imperador. Diederik de Montigomery.
— Saúdo ao sol do Império, Vossa Majestade Imperador Diederik de Montigomery. — Eu conseguia sentir o suor descendo pelas minhas costas. Minhas mãos tremiam enquanto segurava a saia do meu longo vestido de cor angelical anis.
— Pode erguer a cabeça, senhora Ametista. — A voz era tão poderosa quanto um trovão, me fazendo tomar um leve susto quando ela chegou aos meus ouvidos.
Ao endireitar minha postura e olhar na direção do Imperador, a visão da sua forma imponente e majestosa no trono era de tirar o fôlego. Realmente, era evidente de onde Russell havia herdado sua beleza. O Imperador era magnífico!
Assim como o seu primogênito, o Imperador tinha seus cabelos platinados, já brancos pela idade, pele clara e os tão almejados olhos de aço, símbolo da realeza. Apesar de estar sentado, seu corpo parecia ser tão forte ou até mais do que o de Russell, era difícil dizer com clareza, já que suas roupas dificultavam a minha avaliação.
— Não precisa ficar tão inquieta, eu apenas tenho o desejo de ver como anda a saúde da minha nora... — Apesar da frase parecer ter a intenção de me acalmar, o efeito foi exatamente o oposto.
— Agradeço a preocupação, vossa majestade — respondi com um miado de voz.
— Me pergunto se o que eu ouvi estava correto, mas pelo seu comportamento creio que seja este o caso... — disse enquanto espremia os olhos. — Chegou aos meus ouvidos que minha estimada nora havia se acidentado e em decorrência se tornou uma pessoa esquecida. Imagino que isso não vá atrapalhar seus deveres de esposa. Afinal, meu precioso filho não parece ter o desejo de se casar novamente...
— Que?! Quer dizer... Perdão? — Eu posso imaginar a bagunça que esta minha expressão causou apenas pelo olhar divertido que Diederik carregava no rosto.
— Me pergunto quando terei a felicidade de receber a maravilhosa notícia de que além de Imperador, serei avô. — Minha boca que antes estava seca encontrou repentinamente saliva para me fazer engasgar com ela. O som incessante da minha tosse preencheu o ambiente antes silencioso. Na tentativa em vão de abafar o som que escapava por meus lábios, tapei minha boca com uma das mãos.
O Imperador durante todo o momento apenas observou silenciosamente enquanto um de seus servos me oferecia um cálice cheio de água. Após sentir o líquido fresco descer por minha garganta, consegui finalmente controlar a tosse e recuperar um pouco da minha dignidade.
— Minha nora está bem? — A voz nada preocupada do Imperador trouxe de volta a minha atenção a ele. Aff, tal pai, tal filho.
— Sim, vossa majestade, obrigada pela preocupação — agradeci fazendo uma leve reverência com a cabeça.
— Certo, e quanto à minha pergunta? — perguntou enquanto arqueava uma de suas sobrancelhas.
Abri e fechei a boca duas vezes. Mas que droga de resposta esse homem quer?
— Eu acredito que minha falta de lembranças não vá interferir em vosso desejo de ser avô... — disse com menos confiança do que pretendia.
O Imperador nada comentou após a minha resposta. Aparentemente, ele não estava realmente satisfeito com ela. Mas o que poderia dizer? Apesar de isso ser um sonho louco, eu não tenho controle nenhum sobre ele!
Olhei para o Imperador que me encarava com uma expressão desgostosa e resolvi fazer a coisa mais sensata que passou pela minha cabeça. Jogar a culpa no filho dele!
— Contudo, creio que o príncipe e eu dormindo em quartos diferentes dificulte a realização da sua vontade...
Certo, quando disse aquilo eu realmente não pensei nas possíveis consequências da minha fala. Pensando bem, eu poderia ter morrido! Apesar de estar bastante relutante em admitir que, talvez, SÓ TALVEZ, isso não fosse um sonho. Caso tudo fosse real, eu estava realmente encrencada.
Não estava só ferrada por estar no corpo da Ametista, que morreria como uma idiota na mão de um talarico. Não! Eu estava ferrada em níveis além da compreensão. Um futuro de incertezas certeiras era o que me aguardava. E tudo devido à minha boca.
E eu nem sei se vou ter meu corpo de volta!
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