Capítulo 3
— Isso é fácil de resolver. — O Imperador me encarou do alto de seu trono.
Minha mente voltou a dar rodopios e sentia estar perdendo as forças nas pernas, mas me mantive firme mesmo que isso exigisse uma força sobre-humana. O Imperador continuou me encarando com um interesse fora do comum, ele tinha as mãos unidas pelas pontas dos dedos, enquanto mantinha os cotovelos no apoio do trono.
Pensei seriamente como faria para resolver a situação que eu mesma havia me colocado. Maldita boca.
Quando me movi numa fracassada intenção de ir contra a sua vontade, ele espalmou ambas as mãos e fez sinal para um servo.
— Estou satisfeito com vossa visita, minha nora — continuou. — Aguardo boas notícias nos próximos meses.
Apesar de manter uma expressão serena, conseguia sentir um tom de ameaça em sua voz. Pelos céus, eu estava ferrada.
Sequer tive a chance de voltar para o meu palácio, um alvoroço de pessoas correndo com bagagens se formou assim que desci no palácio de Russell. Ao meu lado, Teodór estava com uma cara péssima.
— Sir. — Eu o chamei antes de passar pelas enormes portas do palácio, Teodór encarou-me friamente. — Não desejo que o senhor desta casa saiba que me mudei para cá.
— ...
Teodór manteve-se em silêncio, sequer assentiu com a cabeça como sinal que havia entendido. Sério que Russell não poderia ter me dado um guarda mais sociável?
— Pretendo surpreendê-lo. — Finalizei meu aviso.
Russell sempre esteve ocupado com assuntos governamentais no livro, e quando não estava em seu escritório do Palácio do Herdeiro ou no Palácio Prateado, estava treinando. E algo me dizia que especialmente naquele dia ele não se encontrava no escritório real, caso contrário Teodór já teria corrido lhe contar sobre as boas novas do Imperador.
O que tornava tudo mais complicado... Uma coisa era a Ametista inventar de querer morar com Russell, facilmente se resolveria com um novo afastamento. Porém, neste caso em especial o próprio Imperador havia decretado a mudança. Sequer Russell poderia ir contra.
O quarto de Russell era maior que o meu, constatei assim que coloquei os pés lá, para falar a verdade o palácio dele era maior também. Mas faltava cor, faltava vida. Seria divertido explorar todos os cômodos... Isso, é claro, se eu sobrevivesse à primeira noite.
Os criados corriam de um lado para o outro organizando meus pertences junto aos pertences de Russell, no livro essa interação nunca havia ocorrido, eles sequer ficavam alguns minutos dividindo o mesmo ambiente, e agora dividiriam o mesmo quarto...
Assim que o último saiu restando apenas Amélia e eu, finalmente pude respirar. O quarto dele tinha um cheiro diferente, parecia com alguma planta refrescante que soava familiar, um cheiro que uma ou duas vezes eu já havia sentido numa rua escura, ou no elevador do prédio.
— Minha senhora. — Amélia me chamava pela segunda ou terceira vez. — Deseja refrescar-se? O dia foi longo para a senhora.
Meu coração se aqueceu, Amélia era uma boa garota.
A banheira de louça e mármore branco no anexo do quarto foi enchida para que eu me banhasse. Amélia despejou um milhão de óleos perfumados na água, e por mais que eu dissesse que poderia tomar banho sozinha ela fez questão que esfregar água de rosas na minha pele.
— Para que tudo isso? — Eu a encarei enquanto era esfolada viva.
— Bom... — Ponderou ficando rubra. — É a sua primeira noite com o príncipe herdeiro desde vosso casamento.
— Também pudera, Ametista era apenas uma criança quando se casou. — Constatei fatos.
— Ametista?... A senhora... — Amélia ficou confusa. Só então que dei conta da minha mancada.
— Isso, eu. Claro. — Tentei reformular a frase. — Eu era muito jovem naquele tempo.
Nesse momento uma lâmpada acendeu-se em minha cabeça, meu reflexo no espelho ainda era de uma mulher jovem, mas não tinha ideia de minha idade, apesar de ter uma leve teoria, já que Russell partiria duas semanas depois do baile de maioridade de Ametista. Mas como eu perguntaria isso sem parecer uma louca de pedra?
— Amélia, querida. — A garota balançou a cabeça, não adiantava pedir para que não usasse termos tão pessoais com ela, até aquele momento Amélia era a pessoa mais próxima que eu tinha. — Quando será meu baile de maioridade?
Antes de responder ela me olhou preocupada.
— Dentro de onze meses, minha senhora.
Precisei mergulhar na banheira para enxaguar os cabelos, a água mais fria do que morna devido ao clima subtropical daquela época do ano fez meus neurônios se ativarem. Então tornei-me Ametista de dezessete anos. Sendo assim Russell já teria seus vinte e dois anos. O que tornaria compreensível a pressa do Imperador para que ele produzisse um herdeiro.
Segundo o livro, os herdeiros do Ferro eram retirados de suas mães assim que completavam quatro anos de idade, e a partir de então passavam por um treinamento brutal, tanto física quanto psicologicamente, retornando em sua maioridade quando estariam aptos para defender o Império. Foi assim com Diederik e os Imperadores antes dele, foi assim com Russell e seria também com seu herdeiro.
Ressurgi da água com a respiração descontrolada. Amélia chegou a assustar-se.
— Amélia, responda-me com sinceridade! Hun?! — Fitei-a ainda respirando com dificuldade. Ela respondeu um sim rápido. — Você acredita em magia?
Não havia outra explicação. Eu estava presa no mundo do livro, estava claro com a sensação de afogamento que me dominou que aquilo não era uma fantasia criada pelo meu inconsciente. Tudo estava real demais.
— Minha senhora, uma serva ignorante como eu não tem o conhecimento sobre esse assunto. Mas de acordo com o que se diz nas ruas, os magos já não andam mais por essas terras.
— O que quer dizer com isso? — Naquele momento a água havia esfriado demais e eu começava a tremer.
— Bom, minha senhora, dizem que a última vez que a magia foi vista nesse Império, foi há mais de 300 anos... Desde que o último mago da torre desapareceu — concluiu.
— E só os magos podem usar magia? — perguntei.
— Bom, eu creio que sim, já que ela é muito rara... Mas ainda assim existem os charlatões que afirmam serem usuários de magia. — Após concluir sua fala, Amélia deixou a entender que o assunto não prosseguiria.
Se magia tivesse alguma relação com minha prisão dentro da história eu precisava de alguma forma encontrar uma maneira de voltar para minha realidade.
Amélia começou a me mostrar uma quantidade incontável de roupas de dormir, camisolas belíssimas, algumas bordadas em ouro, outras em prata, algumas com pedras preciosas e outras lisas de tecido nobre.
Analisei pacientemente uma por uma, até escolher uma na tonalidade prata, com diamantes adornando a região do busto. Amélia bateu palminhas com a minha escolha. Separou um robe preto longo com o bordado do brasão real nas costas, também em fio de prata. De ótimo gosto, constatei.
— Você pode pedir para que sirvam meu jantar no quarto? — Pedi já sentindo meu estômago reclamar. E eu precisava de energia para domar Russell. — E mais uma coisa. — Detive Amélia antes que ela saísse. — Dispense Sir Teodór.
— Perdão senhora? — Amélia arregalou os olhos.
— Sim, mande-o ir caçar ou dormir, não sei o que os guardas fazem na folga. Não quero ele guardando a porta quando meu marido chegar. — Apoiei minha cabeça na palma da mão. — Se quiser pode ser rude, eu lhe dou permissão, se ele achar ruim diga que é uma ordem.
Amélia balançou a cabeça tensa e saiu tropeçando do quarto. Eu ainda pude ouvir os dois discutindo do outro lado da porta de madeira escura lindamente esculpida em seus beirais. Teodór não estava nem um pouco contente, mas acabou cedendo, e assim ambos os passos sumiram corredor afora.
Meu jantar chegou tempos depois, ponderei se esperaria por Russell, mas minha fome foi maior e eu devorei sem piedade.
As horas iam passando enquanto eu andava de um lado para o outro no quarto. Já fazia tempo que a noite havia chegado, o quarto foi iluminado por velas perfumadas, e eu nem sabia mais se estava nas mesmas condições impecáveis que Amélia me deixou. Ela havia se dedicado muito para me arrumar naquele dia em especial. Eu me sentia um embrulho de natal.
Minha mente voltou a fervilhar... E se Russell soubesse que eu estava no quarto dele e foi para outro quarto sem sequer mandar um recado? E se ele viesse realmente para seu quarto e resolvesse me retalhar?
Espera, parei com os pés pregados no chão... Se eu morrer no livro eu voltaria para minha antiga vida ou morreria também?
Fechei as mãos em punhos. INFERNO. QUE MERDA ESTÁ ROLANDO?
Enquanto xingava mentalmente minha visão focou em um ponto do enorme quarto. Em um aparador rente a parede havia várias bebidas e um jogo de taças. E sem pensar duas vezes caí de cabeça nelas.
Eu só não esperava que o corpo de Ametista fosse tão fraco para o álcool.
Em um descuido acabei derrubando vinho na camisola linda que Amélia me arrumou. Com toda certeza aquela mancha jamais sairia se não fosse esfregada na hora. Corri até o anexo e na cuba da pia comecei a esfregar o tecido com um pouco de sabão. Vendo a lambança que estava se formando ali, tive que retirar a camisola e assim terminar o serviço. Vesti somente o robe e estendi a camisola perto da janela. Era certo que a brisa noturna logo secaria o tecido fino.
Suspirei aliviada por ter conseguido salvar a camisola da mancha. Aquela peça provavelmente não só compraria meu apartamento, como o prédio inteiro. Ri com desgosto.
Sentei-me no sofá macio demais para o meu gosto que havia naquele enorme quarto e continuei bebendo o vinho, mais algumas horas se passaram e eu já havia perdido as esperanças de que veria Russell, com toda certeza ele já deveria saber que eu estava ali e foi para outro cômodo.
Mas não...
O som de passos se aproximando do quarto me deixou automaticamente rígida. Meu coração estava batendo tão rápido que doía. Quanto mais próximo os passos se tornavam, mais nervosa eu ficava, com os nervos tencionados e a boca seca.
Respirei fundo duas vezes quando a maçaneta da porta se moveu. No momento em que a porta se abriu, fechei meus olhos com força e abri o robe que cobria minha nudez. O som de algo caindo no chão ecoou pelo quarto e um arfar de surpresa foi ouvido.
Abri uma brecha de um dos meus olhos e vi Russell me olhando perplexo. Mal sabia eu que o Imperador ia ser o menor dos meus problemas.
Que fosse culpa do corpo de Ametista que não era forte o suficiente para lidar com álcool, ou de Russell que demorou uma vida para chegar me dando a oportunidade de encher a cara.
Na minha realidade eu pouco me importaria de expor meu corpo para o homem que me despertasse tesão, e com o qual pretendia ter um relacionamento sexual. Isso para mim sempre esteve bem determinado, até porque eu era uma mulher de vinte e nove anos e bem resolvida com minha sexualidade.
Mas não sei explicar, com Russell as coisas mudaram de perspectiva. Ele não só era lindo de morrer como era um homem poderoso, o futuro Imperador do país do Ferro...
— E meu marido. — Ri completando meu pensamento em voz alta.
— Não se mexa — ele disse, apesar de sua voz não parecer tão neutra como comumente era.
Lentamente ele me alcançou, e eu já estava pronta para gritar: upa upa cavalinho. Mas então, com calma ele tirou parte do tecido do robe que eu segurava e o fechou, dando um nó na frente.
Ele me tomou em seus braços e novamente eu iria gritar: AGORA VAI. E mais uma vez tive meus desejos reprimidos quando ele me colocou sobre o sofá. E saiu sem dar satisfação alguma.
Foi quando percebi que ele fez tudo aquilo para que eu não pisasse nos cacos de vidro do que quer que fosse que ele havia deixado cair quando se deparou com uma doida nua em seu quarto.
Suspirei envergonhada e abracei meus joelhos enquanto observava ele recolhendo os cacos do chão. E como se tivessem me jogado um balde de água fria, recuperei a sobriedade.
Momentos depois senti o olhar dele sobre mim, e com uma coragem insana me forcei a olhar em seus olhos.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou em um suspiro cansado.
Balancei minha cabeça em negativa e depois numa afirmativa, e voltei para o não. Pude observar sua confusão quando ele projetou suas sobrancelhas para cima, a luz das poucas velas penetrou no cinza aço que era seu olhar.
Aqueles belos e penetrantes olhos não só me analisaram como correram por todo o cômodo. Parou alguns segundos a mais sobre as garrafas vazias e então voltou até mim. Como se sua ficha caísse naquele exato momento, esfregou a testa com a palma da mão, como se ele já esperasse que um dia aquilo aconteceria.
— O Imperador quis falar comigo hoje — respondi ainda tensa. Bom, era hora de culpar o papai também. — Saber sobre minha saúde devido ao acidente que sofri dias atrás.
— ...
— Não era como se eu quisesse te incomodar — menti. — Sei das suas ocupações com o Império.
Ele voltou a me encarar, o rosto perfeito, aquela pele aveludada que me fazia querer lambê-la todinha.
Para, Analizza, tarada. Tentei me controlar.
— Isso será um problema — Russell afirmou.
Problema? Pensei. Não vejo problema algum, somos casados.
Coloquei-me de pé e caminhei até a cama enquanto era observada por uma versão descontente de Russell. Daquele ponto ele era o homem mais lindo do mundo, o rosto angular perfeitamente esculpido, os cabelos levemente revoltos pelo vento, a camisa branca dobrada até os cotovelos e com alguns botões abertos em seu peitoral, a calça de montaria preta com duas fivelas prateadas, finalizado pelas botas de couro de cano alto. Que os deuses me ajudassem a pular nesse homem até o sol nascer.
E sem que me desse conta eu havia o devorado com os olhos, da cabeça aos pés, e estava nitidamente mordendo meu lábio inferior. Agradeci por não haver nenhum espelho próximo à cama.
— Russell, vem para a cama, querido — eu o chamei dando leves batidinhas no colchão.
— Veja, princesa, não sei o que meu pai lhe falou, mas você não tem obrigação de nada — ele falou com o timbre calmo e frio característico.
— E quem falou sobre obrigação? — Dei uma leve piscadinha e senti os meus volumosos cílios roçando a bochecha.
Ele já havia me visto nua, a extensão ao ato sexual era apenas mais um passo.
Então um som invadiu o ambiente. Russell estava rindo.
— Isso deve ser uma piada. — Ele ainda ria. — O cavalo por acaso trotou sobre a sua cabeça ou algo assim? — Russell foi aos poucos se acalmando do surto repentino de risadas antes de concluir a frase. — Até um tempo atrás a princesa não suportava ficar sozinha no mesmo ambiente que eu por mais de dez minutos, e agora deliberadamente se apresenta nua e me convida para a cama?
Meu rosto pegou fogo, com toda certeza deveria estar completamente vermelha.
Ametista com toda certeza repugnava Russell, mas eu não era Ametista no final das contas.
— Nunca é tarde para mudanças. — Tentei fazer a voz mais sensual que consegui. Mas apenas me deparei com o olhar divertido de Russell... Ele estava achando graça nisso? Cadê o desejo, meu senhor? Ametista também não era de se jogar fora, ela poderia ter sido mimada e ter uma péssima personalidade, mas em aparência, céus, ela era magnífica.
— Certo — simplesmente respondeu, com um ínfimo curvar de lábios para cima.
Ele andou até o anexo deixando-me sozinha novamente no grande ambiente. Algumas velas até já estavam apagadas, outras quase não havia mais parafina para queimar. Eu tratei de me arrumar numa posição sensual sobre a cama, abri levemente o robe para expor minha coxa e apoiei minha cabeça no braço esquerdo, e fiquei ali semideitada de lado olhando para a porta do anexo.
Russell finalmente saiu por ele, o cabelo molhado penteado para trás, descalço, com a calça de linho escura folgada em seu corpo, e o melhor, o que teria me feito cair para trás se eu já não estivesse deitada. Ele estava sem camisa, com o peito totalmente exposto para minha alegria. Eram tantos músculos que deixariam um crossfiteiro humilhado e chorando em posição fetal. Trapézio, tríceps, bíceps e todos aqueles outros músculos que eu nunca prestei muita atenção na escola para saber seus nomes. Mas por tudo que é sagrado, facilmente eu estudaria anatomia naquele corpo.
Olá, senhor meu marido, venha para a sua esposa. Pensei enquanto ele se aproximava de mim como um felino cruel. Agora sim essa loucura vai valer à pena.
Ele esticou-se sobre meu corpo, parecia uma montanha me cobrindo. Para voltar com um lençol me enrolando como se fosse uma lagartinha num casulo. Pegando-me em seu colo e caminhando novamente até o sofá.
— Ei. — Colidi minhas mãos contra o tórax firme dele. — O que está fazendo?
— Te colocando para dormir — respondeu tranquilamente.
— Então quer dizer que...? — Olhei para o sofá que agora ele me depositava. — Eu vou dormir na cama!
— Não senhora. A cama é minha.
A cama é nossa eu quis dizer. Mas não disse.
— Russell — eu o chamei mais uma vez quando ele tentou me dar as costas, e mesmo no semiescuro vi os músculos de seus ombros. Ele não se virou para me olhar no rosto. — Russell, veja bem, nós podemos entrar em um acordo e dividir a cama. Ela é enorme, cabe nós dois e ainda sobra espaço.
— Durma bem, princesa. — Ele caminhou até a última vela perfumada e a apagou com o dedo, ignorando-me completamente.
Eu virei meu corpo no sofá, ainda revoltada, para desta maneira ficar de costas para ele. Impossível, como ele poderia ter resistido a Ametista desta forma? Definitivamente isso não era um sonho, se fosse meu inconsciente teria saciado meu desejo prontamente. Mas não, ele apenas me complicava mais. Precisava urgentemente descobrir como fui parar naquele mundo louco e como faria para voltar antes que minha querida cabecinha fosse separada do resto de mim.
Enquanto tentava dormir me senti invadida por aquele aroma refrescante que havia sentido no quarto antes de lotarem de velas perfumadas. Ele vinha do lençol e do meu robe, esse cheiro bom vinha dele, das coisas dele. E agora estava no meu corpo. Não do jeito que eu queria, mas era o que tinha no momento.
Acomodei-me da melhor forma que pude, mantendo as costas viradas para ele, finalmente conseguindo dormir.
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