Você sabe que é negro ?

A minha intenção não é problematizar, e sim, contar um caso que levou a outro e que me fez refletir.

Na minha infância eu sofri muito com o meu cabelo.

Pense em um cabelo crespo.

Voltando, mesmo de trança, coquinhos ou soltos eu sempre virava motivo de piada e ficava muito triste. Lembro de uma amiga minha que tem um cabelo de cacho mais liso e que quando éramos crianças a mãe dela fazia uns cachinhos com o dedo e colocava umas pregadeirinhas lindas, eu sempre quis usar as mesmas pregadeiras que ela só que não era muito, digamos, fácil de usar, elas garravam no meu cabelo e era uma merda pra sair, resultado, pasei a odiar quando minha mãe colocava equilas coisas no meu cabelo e a ficar mais triste porque eu não conseguia usar as pregadeiras.

Anos mais para frente quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, estávamos na aula de português, que eu amo, eu e minha professora que era loira, branca e do olho claro- Cíntia rainha, amo ela-, iríamos ler um texto do livro e eu sempre gostei muito de ler, sou aquele tipo de menina que elevanta a mão para ler as coisas na sala de aula, o texto era um diálogo de uma empregada com a sua patroa, ela disse que seria a empregada e que eu poderia ser a patroa, mas, um indivíduo lá no fundo da sala com toda sua branqueleza me fala " não seria melhor a outra ser a empregada não ?", lembro que eu respondi um simples e sonoro " não", mas antes minha cara foi no chão, a professora se indignou e o pessoal da sala olhou feio para ele.

Não me recordo de mais detalhes, mas lemos o texto como ela tinha dito que seria lido. Talvez a Cíntia tinha escolhido ser a empregada para não criar caso mas eu nem tinha percebido isso, o preconceito, se não racismo, estava nas palavras dele.

Esse episódio me faz lembrar outros, de quando eu quis ser a narizinho mas os meninos falaram para eu ser a dona benta e que eu abaixei a minha cabeça e chorei porque aquilo me magoou, e de que eu nunca fui a Emília.

E por último mas não menos importante, a aula que me fez ter consciência, a aula de artes.

Meu professor pode ser considerado moreno, e ele estava contando uma história do dia em que ele percebeu que era negro, eu não lembro da história direito mas foi algo mais ou menos assim, era um dia de aula e estava acontecendo alguma coisa, ele estava com os seus coleguinhas que eram de outra cor até que alguém fala algo e ele se da conta de que não era igual aos coleguinhas dele, de que não era branco igual a eles, lembro da sua frase " então eu não sou igual a eles ?". Walter achava que era igual, mas na prática nós não somos. Foi nessa aula que eu me recordei de tudo e refletir, " eu também não sou igual a eles ", " então tudo aquilo que aconteceu foi por eu ser negra ?".

Estudo numa sala de 34 alunos, onde 4 são considerados pardos e negros, o resto são todos brancos, aquele dia foi um baque pra minha consciência. Aquele dia eu me considerei negra, apesar de a minha pele não ser tão escura, eu tenho "nariz de preto" e cabelo bem crespo, não é só o tom da minha pele que me define.

É meus amigos, ser preto não é fácil.

Sem bafafa, por favor, é só um relato.

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