Prólogo

Nova Iorque – 1846

A velha senhora observava o exterior pela janela como de costume.

Entretanto, aquele não era um dia comum.

Ela viu o balançar suave das folhas das árvores próximas, notando como se recuperavam rapidamente do inverno já nos primeiros dias de primavera.

Viviene Dughinham amava a primavera e observava com satisfação o despertar dela da janela de seu quarto de dormir, em sua elegante propriedade em Farthell State. Com um suspiro de contentamento, ela ajeitou o xale enquanto ia até sua escrivaninha, pensando em quanto tempo já vivia naquele lugar.

A propriedade em Farthell foi herança de um parente distante. Na Inglaterra, falavam a ela sobre aquele lugar. Farthell era tão grande que o distrito era quase considerado um estado. Quando ela própria chegou aos Estados Unidos, viu que, de fato, o lugar era enorme, contudo, estado era um exagero.

Esboçou um sorriso, enquanto abria o diário daquele ano, como de costume. Acumulara quase cinquenta anos vivendo ali, trinta dos quais foram dedicados à Sociedade da Rosa Amarela. E se tivesse sido um pouco mais prudente, teria passado seu legado a alguém mais jovem, mas amava acompanhar de perto todos os detalhes.

Quando foi procurada, algumas semanas depois de estabelecer residência em Farthell State, por um grupo de senhoras, ela não imaginou que suas aulas de etiqueta seriam tão requisitadas. As mulheres casadas com homens ricos buscavam modos mais refinados, tantos para elas quanto para suas filhas, pois queriam se apresentar melhor quando fossem convidadas para alguma ocasião, assim como quando recebessem seus convidados.

Ainda que dispensasse o gesto, incontáveis vezes fora paga para ajudar a planejar alguma recepção. Achou desnecessário quando começou a ser chamada de "Lady", porquanto a única ligação que tinha com a nobreza era um tio distante que se tornara barão. Com o tempo, Lady Dughinham entendeu que recebera o título porque, além de considerá-la muito refinada e elegante, aquelas senhoras a admiravam e tinham por ela muita afeição. Ela, então, aceitou como uma maneira carinhosa de tratamento.

De Sra. Viviene Dughinham, tornou-se Lady Dughinham, ou Lady D. entre as Damas da Rosa Amarela.

A Sociedade da Rosa Amarela foi criada primeiramente como um grupo de mulheres que se encontrava semanalmente para o chá para debater assuntos importantes. Falavam sobre a criação dos filhos e sua educação, quem seriam os melhores tutores, o que uma senhorita deveria aprender, e, claro, exibiam o quanto evoluíam em seus modos, vestimentas e assuntos mais variados. Em um dos encontros, que inclusive estava registrado em algum diário de Lady Dughinham, surgiu o interesse em apresentar as jovens que ali viviam para a sociedade, não só para encontrar um bom partido, mas também para ampliar seu círculo de amizades.

Ainda não reconhecidas devidamente como parte importante da sociedade para serem convidadas para os grandes bailes, as Damas da Rosa Amarela, sob cuidadosa instrução de Lady D., organizaram seu próprio evento, dando início à tradição da Temporada das Rosas.

Com o passar dos anos, o número de bailes aumentou para cinco bailes oficiais. Devido à organização e ao fato de homens influentes comparecerem com suas famílias naquelas ocasiões, mesmo as jovens que não moravam em Farthell aspiravam a chance de reinar como uma Rosa.

Lady Dughinham sorriu. Em algumas horas, as Damas da Rosa Amarela iriam à sede iniciar as atividades costumeiras. A Sra. Thompson organizaria a Sala Amarela, onde as escolhidas passariam algum tempo juntas, fosse para uma troca de roupa, arrumar os cabelos ou para conversas informais. A Sra. Reed faria o chá e logo escreveriam os convites às escolhidas.

Havia um prazer secreto em saber que, entre as dez escolhidas, seis eram de Farthell State.

Uma delas talvez ainda não tivesse ideia de que fora escolhida, pois não vivia ali, porém os boatos corriam e a bela mansão da Rua Oliver Beaumont, fechada há bastante tempo, já estava sendo preparada para receber seus moradores.

E havia as outras nove Rosas, todas encantadoras, inteligentes e elegantes. Uma delas estaria ali pela segunda vez, mas aquilo não era incomum. Para cada uma, enviariam um convite para o primeiro dos cinco principais bailes da Sociedade da Rosa Amarela.

Era o início da Temporada das Rosas.

Lady Dughinham sempre pensou que as rosas vermelhas eram belíssimas, como as cor-de-rosa, um convite ao romance, no entanto, as suas favoritas eram as amarelas. Elas pareciam a realeza das rosas, douradas como o Sol em toda sua beleza primaveril, a mesma beleza das selecionadas que receberiam seus convites e logo seriam conhecidas como Rosas ― belas por dentro e por fora.

Lady D. estava certa que viriam momentos memoráveis para as escolhidas e para ela, lembranças que seriam guardadas com carinho. As Rosas enriqueciam seu trabalho, que nada mais era do que proporcionar entretenimento à sociedade de Farthell State e talvez conseguir um bom partido para algumas delas.

Erguendo a cabeça ao ouvir um chamado à porta, ela observou sua criada pedir licença e entrar.

― Senhora, sua carruagem à espera.

― Obrigada, Sue ― agradeceu, fechando o diário e levando-o consigo.

― A senhora deve estar feliz com a Temporada das Rosas chegando ― comentou a jovem mulher, acompanhando sua senhora. ― Os bailes, eventos... Dizem que a temporada só se inicia quando as Rosas dançam a valsa pela primeira vez!

― Particularmente, acho um exagero ― comentou Lady D. ― Há pelo menos duas semanas, bailes e banquetes estão sendo oferecidos, até mesmo aqui em Farthell. E pelo que sabemos são muito animados!

― Mas não há nada como uma Rosa arrebatando os corações dos pretendentes! ― opinou Sue, com ar sonhador.

A jovem criada não escondia o orgulho pela tradição de Farthell State, iniciada por sua senhora. A Temporada das Rosas ano após ano atraía mais a atenção de moças em idade casadoura e rapazes buscando uma esposa.

― Não posso deixar de concordar ― disse Lady D. antes de entrar na carruagem.

Eram os primeiros dias de primavera e as Damas da Rosa Amarela se reuniriam pela primeira vez em várias semanas.

A velha senhora olhava o céu claro de dentro da carruagem e quem a via tão tranquila não imaginava o quanto sua mente se ocupava dos detalhes da temporada. Ela já encomendara as rosas amarelas que decorariam a confortável sala que ocupavam no Elodie Teatre. Ela já sabia a data do primeiro evento e conhecia o perfil de todas as selecionadas.

Talvez estivesse velha para tanta agitação, contudo, gostava de escrever em seu diário sobre o que acontecia com as Rosas. As conversas entre as moças, os passeios e quando elas lhe pediam conselhos, até as vezes em que estavam à beira de um chilique, eram memórias boas para Lady D. Ela as encontrava e não raramente tomavam chá juntas. Lady Dughinham conhecia suas famílias e até seus filhos. De certa forma, fazia parte da vida de cada uma delas.

Aprumou-se, enquanto seguia para o Teatre. Ao se aproximar de lá, seu coração aquecia pela alegria de mais uma temporada.

Chegara a hora das Rosas reinarem.

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