O inesperado
Lembro-me exatamente do momento em que vi o corpo de Sophia cair ao chão. Não, isso era impossível. Helena... Aquela mesma mulher que tirara a vida de meus pais, agora retirava a espada flamejante do peito da bruxa, sem nenhum arrependimento nos olhos. Uma onda de raiva tomou conta de mim. Era uma sensação estranha, não ter o controle de minhas próprias ações, quando abri aquela porta da cabana, cujo feitiço de proteção havia se quebrado com a morte de Sophia, e corri em direção ao corpo no chão. Todos me encararam; vi que novos Maledictus Eres estavam no local; não me importei.
- Capturem-no, mas não o matem! – Ordenou o homem de terno, lançando olhares desconfiados ao redor, pois há poucos segundos havia sentido a presença de uma pessoa extremamente poderosa. Aquele cheiro... Não estava mais presente. Será que Elvira fora embora?
- Sophia! – Gritei, tentando me aproximar de seu corpo.
Mas naquele momento, dois Maledictus entraram a minha frente e me seguraram com força. E então, aconteceu... Foi a primeira vez que tive um vislumbre de meu poder. Senti uma energia extremamente forte subir em meu corpo, estava vindo direto da natureza. Alguns fios de cabelos se levantaram, eu não tinha mais controle sobre mim. Helena lançara-me um olhar hesitante, o homem de terno deu um passo para trás, e em seguida, como se saísse uma explosão de meu peito eu lancei dois dos Maledictus Eres para longe; não com a força com que Sophia os jogara antes, mas foi suficientemente forte para impressionar Helena e o homem de terno. Eu estava ofegante e muito forte, sentia que podia derrotar qualquer outro ser existente naquele lugar. Mas, aquilo durou pouco, pois logo após a explosão de fúria e adrenalina, meu corpo cedera devido a toda aquela energia que se esvaíra de uma só vez. Caí de joelhos, ao lado de Sophia. O que havia acontecido? Para onde foi toda aquela força? Não sabia que tinha um limite...
- Parece que o herdeiro descobriu parte de sua força. – Disse Helena.
O homem me olhou com uma expressão indiferente e gesticulou com os dedos para que dois Maledictus me prendessem. Eles o obedeceram. Estavam se aproximando de mim. Tentei me levantar, mas meu corpo parecia pesar uma tonelada. Então, olhei para Sophia como quem se despede, e aguardei...
Nada aconteceu, pois quando os servos da escuridão estavam a um passo de mim, um vulto extremamente rápido agarrou um deles com força, pensei ter ouvido um som de mordida, e assim que olhei para o lado, vi um lobo extremamente grande, com pelo menos dois metros de altura, abocanhar o pescoço daquele homem e o matar.
O homem de terno olhou furioso para o animal e gritou:
- MATEM-O, AGORA!
Todos os Maledictus Eres fizeram menção de avançar no animal, que agora exibia um olhar retraído, mas antes que pudessem ao menos tocá-lo, outro lobo apareceu, este por sua vez era ainda maior que o anterior, e arrastou três servos da escuridão com a boca, matando-os em um piscar de olhos. Em seguida, entrou na frente do outro para evitar que todos o atacassem, e rosnou; um rosnado forte, autoritário... Eu estremeci e um dos Meledictus, contra a sua vontade, acabou se curvando perante o animal, e foi aí que percebi. Apenas um tipo de lobo tinha esse poder sobre os demais... Um lobo alfa.
- Elvira! – Exclamou o homem de terno, exalando fúria de seus olhos. – Há quanto tempo! – Dito isso, pela primeira vez, o vi em ação. Ele retirou do interior de seu paletó uma lâmina extremamente afiada e a arremessou em Elvira, que desviou com dificuldade, mas não conseguiu evitar que ela atingisse o outro animal, que caiu no chão, ainda vivo, porém machucado.
- Pronto! – Disse, após ter ferido o outro lobo. – Agora só resta um e vocês estão em maior número. Matem-na!
Todos avançaram contra Elvira. Ela conseguiu atacar os dois primeiros, mas eram muitos; aquilo era demais até para ela. Então, em um piscar de olhos, aquele lobo gigante correu em minha direção e, me agarrando com seus dentes, me afastou daquele lugar. Há alguns metros distantes, o corpo do animal se transformou em humano e vi aqueles olhos familiares me encararem. Elvira!
- O que você quer de mim? E porque eu acordei na sua casa aquele dia? – Perguntei, desconfiado, mas com respeito, pois sentia medo dela.
- Fique quieto! – Disse com astúcia. Obedeci imediatamente. – Pensei que Sophia tivesse se encarregado de cuidar de você. Onde está ela?
- Você não a viu? – Perguntei, não conseguindo conter minha estupidez. – Ela estava caída bem na minha frente antes de você me morder!
- Eu não te mordi. Apenas te trouxe até aqui com os meus dentes. Não seja ingrato! – Vociferou ela. – E não, não havia nenhum corpo quando te capturei. – Ela parou, pensou. – Bruxas... Provavelmente deve ter se camuflado com a magia.
- Não! – Respondi com convicção. – Caso você não saiba, ela está morta. Helena a matou.
Elvira olhou para mim, incrédula, por alguns segundos. Depois sorriu fervorosamente, como se aquilo fosse engraçado. Senti uma ligeira raiva daquela mulher. Como ela podia achar aquilo engraçado?
- Você sabe de quem você está falando? Digo... Você conhece Sophia ou sabe quem ela realmente é? – Perguntou, me encarando com estupidez. – Ela é a filha direta de Athena, predestinada a cumprir uma única missão, a bruxa mais poderosa e antiga desse mundo, você acha mesmo que esses... – Ela fez uma pausa e enfatizou, com desprezo. – Maledictus Eres iriam ser capazes de matar Sophia, a bruxa imortal que só poderá deixar esse mundo após a morte de Malignus?
- Mas eu a vi ser morta... – Elvira revirava os olhos enquanto eu falava. – Helena a matou. – Respirei fundo e conclui. – Ela usou a espada flamejante.
A expressão no rosto de Elvira mudara completamente.
-Ah não! Você só pode estar brincando... A espada flamejante não! – Disse ela, me encarando com horror. Depois, voltou ao seu olhar habitual de extrema frieza e revirou os olhos. – A espada ser flamejante ou não, não muda o fato de Sophia ser imortal. – Nossa, que ótimo momento para ser irônica, pensei.
- Você está dizendo que tudo aquilo que eu vi, não foi real? – Perguntei confuso.
- O que você viu foi real. Você pode ter visto o brilho da vida ter deixado os olhos dela, mas continuo a dizer que, Sophia só poderá deixar esse mundo após cumprir o que lhe foi predestinado. Portanto, podem matá-la inúmeras vezes, e ela voltará a viver...
Senti uma alegria imensa invadir o meu peito. Será que aquilo era verdade? Ou será que é apenas uma brincadeira de mau gosto, igual àqueles livros em que os autores nos deixam uma falsa esperança de que determinado personagem querido voltará a viver, mas na verdade, isso não acontece de fato. Bom, isso eu iria descobrir em breve.
- Se o que você diz é verdade. – Disse, encarando Elvira nos olhos. – Então porque você não vai ajudá-la?
- Porque ela é uma semideusa bruxa. Não precisa de minha ajuda. – Ela falou, enquanto se aproximava de mim. – E também porque eu não gosto dela.
Eu a olhei. Vi aquela fúria em seu olhar. "E por acaso você gosta de alguém?" pensei baixo, receando que ela pudesse ler meus pensamentos.
O corpo de Sophia ainda estava no chão. As atenções se voltaram para o homem de terno, quando Elvira fugira com o herdeiro.
- Encontrem a pedra! Depois nós cuidamos do resto.
Os Maledictus se aproximaram da casa, ao mesmo tempo em que Helena permanecia imóvel. Havia algo de estranho na floresta, notou o homem de terno. Ele sempre percebia com antecedência qualquer coisa fora do comum. O vento soprou suficientemente forte para chamar a atenção dos Maledictus Eres que estavam prestes a entrar na cabana a procura da pedra. Nuvens se formaram sobre aquele pedaço da floresta onde estavam. Folhas esvoaçaram pelo ar e alguns pássaros voaram para longe.
- Que diabos está acontecendo aqui? – Vociferou o homem.
Uma camada de vento circulou Sophia, formando um pequeno redemoinho, e a ergueu no ar. Seus olhos estavam fechados e as pontas de seus cabelos se levantaram, de forma assustadora. Os Maledicuts Eres encaravam aquela coisa, prontos para atacar a qualquer instante. Helena engoliu em seco, e então, um raio emergiu das grandes nuvens e atingiu o corpo da Bruxa, causando uma enorme explosão. Houve um clarão; uma luz intensa que iluminou toda aquela parte da floresta. O barulho era ensurdecedor, alguns estremeceram; sentiam um grande fluxo de poder. E quando a luz cessou, todos ficaram boquiabertos ao contemplarem Sophia, a descendente direta de Atena, viva e forte como jamais viram.
- N... Não pode ser! – Gaguejou o homem de terno.
Sophia estava diferente, havia algo ao redor de seu corpo; alguns diriam que era uma aura puramente visível, mas na verdade era uma camada energética, um fluxo intenso de poder que parecia não acabar mais. Seus olhos... Estavam alaranjados, uma cor viva e brilhante, assim como a camada de poder a volta de si. Há muitos anos não usava essa magia.
- Façam alguma coisa! – Ordenou o homem de terno, aos Maledictus Eres que estavam próximo à cabana.
Aquela voz despertou algo no interior de Sophia, pois foi essa mesma voz que lhe dissera as últimas palavras antes de perder a consciência. Palavras hostis... Uma onda intensa de fúria invadira o peito da bruxa. Naquele mesmo momento, os Maledictus Eres avançaram para cima de si, todos de uma só vez. Os movimentos ágeis de Sophia fizeram com que Helena ficasse boquiaberta, pois a bruxa desviava de todos os golpes com extrema velocidade e uma habilidade jamais contemplada pela guerreira em toda a sua existência. Um dos Maledictus, com um ataque por trás, tentou enfiar uma faca em sua costela, mas antes que ela tocasse o seu corpo, a lâmina se quebrou e o servo da escuridão foi lançado para longe. Esquivara-se de outro e o lançara contra a própria cabana. Em seguida um soco tentou atingi-la, mas ela se abaixou. Persistente, o mesmo Maledictus tentou esfaqueá-la, mas ela segurou um de seus braços e o quebrou, e quando ele se ajoelhou ao chão, a bruxa arrancou-lhe o coração com apenas uma de suas mãos. Um dos servos agarrou seu pescoço, mas ela, segurando a mão que lhe agarrara, passou por debaixo de suas costelas, imobilizando-o por trás, pelo pescoço. Em seguida o quebrou. Já chega, pensou a bruxa. Estava cansada, resolveu dar um basta em tudo aquilo.
E então, olhando para os cinco Maledictus restantes que iriam atacá-la, ela esperou que se aproximassem e em seguida utilizou parte de seu poder. Quando eles estavam há alguns metros de distância, aquele fluxo energético laranja a sua volta imobilizou os cinco servos da escuridão e os levantou, deixando-os pairados no ar. Ela os encarou por alguns segundos, com a palma da mão aberta. E finalmente a fechou. Os cinco morreram instantaneamente, esmagados, e caíram ao chão.
- Bom, parece que hoje terei de sujar as mãos. – Disse o homem de terno, retirando o paletó e consequentemente me obrigando a chamá-lo pelo nome... Andrew.
Helena, segurando a espada flamejante, o acompanhou.
- Um de vocês vai morrer hoje! – Disse Sophia, aos dois que se aproximavam. Naquele momento ela me viu, eu estava com Elvira ao lado de uma grande árvore perto de sua cabana. Estava sentado, pois ainda me sentia fraco por não saber controlar meus poderes, e Elvira se mantinha de pé ao meu lado, com os braços cruzados, observando a luta, ao lado de Arthur que estava deitado, ferido. Sim, aquele lobo que havia aparecido antes era Arthur, o mesmo homem que Elvira havia brigado no dia em que eu estive em sua casa.
Desta vez foi Andrew quem tomou à dianteira, ele era mais rápido que Helena, e com um movimento de braços, sacou outra lamina do bolso de sua calça e tentou perfurar os olhos da Bruxa. Ao mesmo tempo, do seu lado direito, um ataque vindo de Helena. Sophia então se concentrou, viu que a faca estava milésimos a frente do golpe da guerreira, inclinou seu corpo e chutou Andrew em seu peito e ele fora arremessado para longe. A distância que ele se encontrava agora lhe permitia tempo para acabar com Helena, que fora imobilizada pela bruxa imediatamente após sua tentativa de ataque. Aquele aspecto alaranjado que estava ao seu redor, queimou a pele da guerreira, que gritou. Afastou-se imediatamente e fez uma nova tentativa de ataque. Desta vez, mais rápida que a anterior. Sophia não apenas desviou como havia conseguido pegar uma faca de seu cinto e lhe atingira com um corte profundo em seu rosto. A guerreira, com a espada flamejante em mãos, tentou se defender, mas a bruxa foi mais rápida, pois perfurara a sua costela. Helena caiu, com as mãos trêmulas, e Sophia deu uma joelhada em seu rosto, quebrando o nariz da oponente. No chão, a guerreira tentou dar um soco em Sophia, mas ela agarrou sua mão e a torceu, lentamente, até se quebrar. Ela gritou novamente.
Helena tentou se arrastar para longe da Bruxa, mas ela a segurou. Nesse mesmo instante Andrew havia chegado e tentado um golpe fatal, mas o fluxo de poder que estava a sua volta imobilizara-o.
- Por muito tempo você matou pessoas a mando deste homem. Pessoas que eram queridas por seus familiares. – Disse Sophia, olhando para mim. – Você sempre sentiu prazer nisso... Um prazer inexplicável pela morte. Mas agora, vou te fazer sentir a dor que eu vou causar em seu amigo, e você vai conhecer o verdadeiro sabor da morte. – Na verdade, o que Sophia fizera foi ligar as sensações de Andrew com as de Helena, com o propósito de fazê-la temer aquilo que mais gostava.
Sophia então perfurou o peito do homem lentamente com a espada flamejante e ambos gritaram; um grito agonizante. A bruxa, ao contrário do que fora feito com ela, não disse uma palavra sequer, que pudesse piorar aquela horrível sensação. Mas conseguiu ver, no último brilho dos olhos de Andrew, que ele estava sofrendo. E então retirou a espada de seu peito e seu corpo caiu no chão sem vida.
Helena tremia, pois agora ela conhecia a verdadeira face da morte.
- O que você fez comigo? - Perguntou a guerreira, entredentes, mas ao mesmo tempo assustada.
- Apenas abri os seus olhos. Agora volte para seu mestre e diga, que se ele quiser a pedra e o herdeiro, que venha pessoalmente! – Os olhos da Bruxa estavam firmes, enquanto observava a mulher se afastar, poupando a vida dela.
- Não! – Gritou Elvira, ignorando a presença da bruxa.
Helena se virou para encarar a mulher, mas ela não estava mais lá, pois uma grande loba veio em sua direção. A guerreira tentou se esquivar, mas o ataque fora rápido demais para suas habilidades. A loba abocanhou seu pescoço e a matou sem hesitação. Sangue escorreu pelos seus dentes afiados e o corpo de Helena, uma das guerreiras mais temidas e odiadas, caiu sem importância sobre a grama gélida úmida.
- Por que você fez isso? – Indagou Sophia.
Elvira andou em sua direção furiosa.
- Você sabe quantas vidas ela tirou?
Sophia pensou em responder alguma coisa, mas ambas tiveram suas atenções voltadas para um grupo de desconhecidos que se aproximaram do local. Na verdade, foram essas pessoas as responsáveis por transformar Dom Sebastião, ou seja, foi com elas que o antigo rei de Portugal havia traído a confiança de Sophia. E lá estavam eles, um grupo de cinco vampiros; os mais temidos e respeitados de toda a Europa... A família Habsburgo.
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