A Traição
Meu coração batia forte contra meu peito, minhas mãos tremiam, e uma parte de mim, bem lá no fundo, desejava que ela não abrisse aquela porta. Na verdade, não sei muito bem o que pensei naquele momento, pois era fato que em menos de uma semana minha vida inteira já tinha virado de ponta cabeça. Mas isso... O rei de Portugal Dom Sebastião estar a poucos metros de mim... Era o estopim. O que estava acontecendo?
- Só um segundo. –Disse a bruxa, antes de abrir a porta. – Está tudo bem? – Demorei poucos segundos para perceber que ela falava comigo. Assenti rapidamente e ela abriu a porta.
E lá estava ele, o homem mais importante de Portugal, parado nas sombras, com uma postura um tanto formal devido à posição alinhada de seus ombros, mas ao mesmo tempo descontraída, a julgar pelo olhar que lançava a natureza ao redor.
- É uma honra reencontrá-la, Sophia! – Disse Dom Sebastião, beijando uma de suas mãos com elegância. Vendo-o de perto, percebi que ele tinha quase minha altura, era loiro, com cabelos bem curtos e vestia trajes de guerra da corte portuguesa; estavam sujos, contendo alguns traços de sangue pelo tecido.
O dia era seis de Agosto de 1548, ou seja, 48 horas após a suposta morte de Dom Sebastião. Assim que ele se aproximou um pouco mais da cabana, senti uma onda de energia muito forte passar por mim, era uma sensação nova, da qual nunca havia sentido antes. Sophia percebe, vejo a surpresa em seus olhos e ela parecia saber exatamente o que eu estava sentindo, pois exibiu um pequeno sorriso de canto de boca.
- Ele não é mais... Humano? – Eu disse, com as mãos trêmulas, tentado ao máximo não apontar para o homem que estava a minha frente.
- Uau! – Disse Sophia sorridente, sem disfarçar a satisfação. – Parece que não terei muito trabalho em lhe ensinar como usar suas habilidades. – Naquele momento, não entendi direito o que ela quis dizer. Afinal, ela tinha me contado apenas que eu era o último herdeiro, responsável por eliminar Malignus deste mundo; disse também que esse poder vem de uma linhagem de sangue, ou seja, somente tive a posse dele após a morte de meu pai, mas não havia me contado a sensação incrível que era ter meu corpo inteiro ser tomado por uma energia, que parecia vir direto da natureza. Tudo isso apenas com um pequeno passo de Dom Sebastião, que agora, nos encarava receoso.
- Então, o que você é? – Disse diretamente ao rei de Portugal (naquele momento eu ainda o considerava como rei).
Dom Sebastião me encarou, mas quem respondeu foi Sophia.
- Agora, Sebastião está entre as espécies sobrenaturais pertencentes a este mundo... Amaldiçoado pelo sol e presenteado com a imortalidade e uma força sobre-humana. Sua pele é fria como a morte... Acho que você já deve ter percebido que Dom Sebastião é um vampiro.
Eu assenti, mesmo que relutante. Meu coração acelerou e Dom Sebastião olhou em minha direção. Será que ele conseguia ouvir meus batimentos?
Bom, você deve estar se perguntando o que ele, Dom Sebastião, estava fazendo ali naquele lugar. Naquela época, eu não estava entendendo nada, mas antes de continuar, eu vou explicar. Sophia tinha uma grande sorte de poder ter conhecido alguém tão importante como ele, era o que eu pensava. Hoje, percebo que na verdade, Sebastião era quem deveria ter se sentido honrado por estar na presença de Sophia; afinal ela estava nesse mundo há muito tempo, desde a época da Grécia antiga (eu prometi a ela que não faria as contas para descobrir a sua idade, peço também que não o façam). Sophia nascera com um único objetivo; derrotar Malignus, e para mim, ela foi uma das pessoas mais importantes da história, mesmo que hoje não receba quase nenhum reconhecimento por isso. A família real de Portugal há alguns séculos, tomaram algo importante da bruxa. Foi durante a Batalha de Ourique, em que Dom Afonso Henrique se autoproclamou rei de Portugal, que eles roubaram um simples objeto, aparentemente frágil, mas que na realidade era a chave para a obtenção de um grande poder; um poder que só uma bruxa conseguiria extrair, e que seria usado para derrotar Malignus. Esse pequeno objeto foi guardado durante séculos sob o cuidado da família real. A princípio não sabiam de sua importância, mas presenciaram algo assustador, quando descobriram que aquilo poderia ser usado como uma arma ofensiva contra seus inimigos. Sophia pensava que Malignus estava por trás disso, mas recebera uma visita inesperada de Dom Sebastião, pedindo para que ela o transformasse em um ser imortal.
- Eu?! – Esbravejou Sophia, quando Sebastião a procurou. – Eu não tenho esse poder, apenas a mordida de um vampiro te dará o que você procura...
- Mas você é imortal! – Retrucou Dom Sebastião.
- Como você sabe de mim? – Respondeu Sophia, com raiva. (Foi por conta desse episódio que ela resolvera morar na floresta e a enfeitiçara para que ninguém, com a exceção de mim; o herdeiro, a achasse).
- Eu sou Dom Sebastião, o rei de Portugal, conheço muita gente... Receio dizer que me custou muito trabalho descobrir a localização de uma bruxa de verdade, então peço...
- Não me importa o seu título, nobre rei. - Disse ela com sarcasmo. - Você é apenas um garoto ingênuo e ambicioso que não faz ideia do preço que é a imortalidade. Agora vá embora.
- Eu sei que você não pode me transformar. Eu só peço para que mande alguém fazer isso. – Suplicou. - Eu tenho algo que acho que vai te interessar. – Ele exibia um olhar ganancioso.
Naquele momento, os dois fizeram um acordo, que seria realizado depois de alguns anos. E foi o que aconteceu na batalha de Alcácer Quibir, na África, em que Dom Sebastião recebera a mordida de um vampiro conhecido de Sophia, que o tornara imortal, e agora, ele estava lá para cumprir a sua parte do trato.
- Por favor, entre, Sebastião. – Disse Sophia, encarando-o nos olhos. – Não queremos que você se queime, não é mesmo? – Ela lançou um breve olhar para o sol, que estava sendo impedido de entrar na floresta, devido as grandes árvores.
- Sim, claro! – Respondeu ele.
E foi naquele momento que Sophia percebeu que havia algo de errado. O lado bom de ser uma bruxa extremamente antiga era que ela reconhecia certos padrões que se repetiam antes de alguém contar uma mentira ou cometer uma traição. Neste caso, ambos iriam acontecer. Sebastião engoliu em seco, quando percebeu o olhar furtivo da bruxa, mas se manteve calmo; afinal tinha convicção de que ela ainda não suspeitara de nada.
Todos entraram. Nós sentamos à mesa ao lado de uma janela com cortinas. Queria poder controlar as batidas frenéticas de meu coração, pois percebi que aquilo estava incomodando o rei de Portugal.
- E então, meu caro rei. – Sophia sentou-se a mesa e manteve os olhares fixos no homem a sua frente. – Trouxe o que nós combinamos?
Eu não estava entendendo nada, olhava de uma pessoa a outra, tentando captar o motivo daquele clima de tensão entre os dois.
- Sim, sim! – Percebi que naquele momento a voz de Dom Sebastião havia falhado um pouco. Mas ele enfiou uma das mãos em seu bolso. "Nossa, essa coisa tão importante cabe em apenas um bolso?", pensei. Aquilo demorou um pouco mais do que o esperado. Eu e Sophia ficamos parados, esperando. Finalmente ele ergueu o braço e mostrou aquilo que antes estava escondido. Era uma... Pedra? Sim, era isso mesmo, só que brilhante; uma cor roxa, viva, fez os meus olhos arderem. Aquilo parecia ser importante. E naquele momento, não sei como, mas era eu quem ouvia as batidas aceleradas de Dom Sebastião; ele estava nervoso, e Sophia percebeu isso também, notei.
- Algum problema... ? - Perguntou a bruxa.
- N...Nenhum! – Gaguejou o homem.
- Então me entregue logo! – Os olhos de Sophia pareceram exibir um brilho intenso e cativante.
Dom Sebastião a obedeceu, e lhe entregou a pedra. Mas no momento em que ela tocou a sua mão; Sophia sentiu... Uma onda de energia invadiu o seu corpo. Ela estava tendo uma visão; algo que já aconteceu... Era Dom Sebastião, conversando com seres estranhamente familiares. Aquilo a assustou, pois não era um ser qualquer, mas sim os Maledictus Eres, ou como Sophia os chamava "servos da escuridão". Havia outros, mas ela não o reconheceu. Pareciam poderosos... Eles estavam fazendo um acordo, ela ouviu o seu nome ser pronunciado...
- Sophia? – Eu a chamei, pois ela ficara olhando para a pedra durante uns cinco segundos.
Ela piscou duas vezes, mas não foi para mim que olhou. Então, segurou um dos braços de Dom Sebastião com força e abriu as cortinas. A luz do sol entrou, mas não totalmente. Ela colocou o braço do homem na luz do sol, mas ele não queimou.
- Eu sabia! – Vociferou ela, lançando olhares ameaçadores a ele. – Você não devia ter feito isso! Nós tínhamos um acordo.
Eu sei que pode parecer estranho um vampiro não queimar a luz do sol, mas havia um único jeito de isso acontecer. As pessoas que Sophia não reconheceu em sua visão eram o motivo de Dom Sebastião não queimar sob o sol, pois, mesmo sem ter consciência disso, Sebastião ingenuamente fizera um acordo com a família mais poderosa da Europa; era composta por vampiros e perdurou durante séculos. Mais tarde eu revelarei o nome já conhecido desta família.
- E eu o cumpri. Trouxe a pedra até você. – Respondeu Dom Sebastião, escondendo a vergonha de sua traição.
- Você pode ser rei, mas não tem nada de nobre! – Disse Sophia se aproximando de Sebastião. – Quem mais sabe que estou aqui?
Aquela pergunta se perdeu no ar, quando todos naquele ambiente, inclusive eu, ouvimos o som de seis corações distantes se aproximarem aos poucos daquele local. Sim, seis pessoas vinham em nossa direção.
- Sophia, eu não tive escolha, eu priorizei o que era melhor para mim. O que você teria feito?
Sophia o encarou, sentia muita raiva. Em sua cidade natal, na Grécia Antiga, ela aprendera a importância da palavra e da confiança. Apesar de a vida ter lhe ensinado que se deve confiar em poucas pessoas nesse mundo, ela ainda tinha esperança. E apesar de já ter sofrido bastante, a palavra não cumprida era uma das poucas coisas que irritavam a bruxa.
- Eu teria cumprido o nosso combinado!
- E agora... Vai me matar? – Perguntou Dom Sebastião, desafiando-a. Uma parte dentro dele queria lutar, pela primeira vez, como vampiro.
- Prefiro não sujar as mãos! – Responde ela, com indiferença. – Entretanto...
Naquele momento Sophia avançou contra Sebastião e, com as duas mãos, pressionou os dois lados de sua bochecha e o encarou nos olhos...Olhos perdidos, desiludidos, um tanto inocente e com um toque de culpa. O homem tentou usar a sua força de vampiro, que apesar de fisicamente ser muito superior a de qualquer bruxa ou bruxo, não conseguia, ao menos, se equiparar com a força sobrenatural da magia... E não era qualquer magia, pois Sophia estava canalizando a energia daquela floresta há semanas.
- O que você... Está fazendo comigo? – Sebastião tentava se soltar das mãos da mulher, mas não conseguiu.
- Eu sei muito bem o motivo de você ter escolhido virar um imortal e optado por tamanho poder... – Dizia ela, seriamente. – Você queria governar eternamente. Pois bem, receio que isso não vai mais acontecer. – Ela ainda estava com as mãos em seu rosto. Eu consegui ver, nas veias de seus braços, um fluxo intenso de sangue percorrer até a ponta de seus dedos e depois para o rosto do rei. Aquelas finas linhas se espalhavam pelo rosto do homem... – Quando você voltar, ninguém mais te reconhecerá, vão te chamar de impostor e aclamar a volta de um rei que morreu na guerra, cujo corpo nunca será encontrado, pois ele; ele está bem aqui a minha frente e viverá eternamente para ver o trono português ser sucedido por outras pessoas.
Ela retirou as mãos de Dom Sebastião. Ele estava completamente diferente, seu rosto um pouco mais envelhecido, um nariz pontudo, suas bochechas que antes eram volumosas, agora estavam secas, dando para ver o contorno dos ossos. Ele a olhou com raiva, queria chama-la de bruxa, mas sabia que isso não iria ofendê-la. Tudo o que havia sido dito era verdade, Sebastião planejava uma volta. Há relatos históricos de que algumas pessoas tentaram se passar pelo rei, o que não se sabe é que uma delas realmente era o verdadeiro Dom Sebastião, só que em outra aparência. Sophia não se sentia confortável fazendo isso, mas aquele era o preço que se tinha que pagar por quebrar uma promessa.
- Espero que você morra na tarde de hoje! – Disse Sebastião, se referindo às pessoas que se aproximavam da casa. Encarava seus olhos com raiva, mas mantinha certa distância.
- E eu espero que você viva a eternidade. – Respondeu Sophia, com repúdio.
Pode não parecer, mas as palavras ditas por ambos eram totalmente sinceras. Acontece que, na visão de Sebastião, que possuía uma vida curta, a morte era algo indesejável e bastante temida. Já para Sophia, que estava nesse mundo há séculos, a imortalidade era algo desejável ao pior inimigo; na verdade ela ansiava pela morte, ou ao menos pelo privilégio de envelhecer. Então, mesmo que sem intenção, o que foi dito por ambos amenizou a tensão naquele lugar, e Sebastião, não mais com tanta raiva, se aproximou da porta.
- Adeus Sophia!
Os olhos dela estavam cheios de lágrimas e esperança. Não havia se dado conta, mas o motivo de um dos herdeiros, no caso eu, estar ao seu lado naquele momento, significava que o seu fim estava próximo. E isso a animou.
- Adeus, Dom Sebastião!
Ele abriu a porta e correu, desaparecendo na imensidão da floresta.
- O que tudo isso significa? O que é essa pedra e por que ele te traiu, e mais... Por que ele não queimou no sol? Achei que vampiros não andassem sob a luz...
- É uma longa história e eu vou te contar tudo, mas agora... – Ela me encarou de um jeito estranho; era como se sentisse medo, mas ao mesmo tempo eu conseguia ver um pouco de felicidade em seus olhos, um brilho de esperança como nunca vira antes. – Temos que lidar com uma coisa. – Ela fez uma breve pausa, suspirou, e completou. – Terrivelmente perigosa.
Naquele momento ela baixou os olhos, como se não quisesse me encarar ao ter dito essas palavras. Lembro-me exatamente do que pensei "eu perdi meus pais, não tenho mais família, não há ninguém para lamentar a minha perda, então eu não tenho nada a perder". Eu me endireitei e assenti prontamente; mesmo tendo consciência de não ter experiência em combate. Sophia levantou a cabeça e me olhou surpresa. Ela era bem mais baixa que eu. Aproximou-se de mim, colocou a mão em meu ombro esquerdo. Consegui sentir um pouco da energia de seu poder; era incrível aquela sensação, pois com apenas um toque eu sentia uma vibração intensa. Eu olhei para baixo não sabendo o que esperar, e ela disse, com um sorriso meigo.
- Você não. – Realmente ela estava recusando a minha ajuda? Sim, eu sabia que eu não era grande coisa, mas seis pessoas se aproximavam daquela casa, qualquer ajuda tinha de ser bem vinda. Foi o que pensei naquele momento. – Pois ainda não está pronto. Mas posso afirmar que logo você estará... Você possui algo diferente dos outros herdeiros que conheci, consigo ver isso em seus olhos. Um dia você se tornará um grande homem.
- E como você pode ter tanta certeza? – Respondi confuso e ao mesmo tempo irritado por ela ter rejeitado a minha ajuda.
Ela deu de ombros, e respondeu:
- Porque sou uma bruxa! – Ela sorriu. Eu cruzei os braços, me sentia contrariado, mas hoje vejo que Sophia não fora apenas isso. Ela era aquela típica pessoa que só se encontra uma vez no mundo, e estar ao lado dela foi um dos maiores prazeres que desfrutei dessa minha longa existência.
Sophia endireitou seus ombros. Seu olhar estava extremamente sério. A expressão dócil e meiga perdeu espaço para um olhar sombrio e ameaçador. Ela andou e parou em frente à porta.
- Fique aqui! – Disse para mim, sem olhar para trás.
Logicamente eu não a obedeci, mas infelizmente me deparei com um feitiço em que ela lançara na pequena cabana, que me impedira de sair daquele lugar. Bom, pelo menos por algum tempo... Sophia desceu os pequenos degraus da cabana, e quando vi quem eram aquelas pessoas que estavam lá, eu tive que controlar um ataque de fúria; senti minhas mãos tremerem e meu coração disparar contra meu peito. Foi naquele instante em que tentei sair do casebre.
Sophia encarou seis pares de olhos frios, sem esperanças, que traziam apenas a escuridão. Dois deles se aproximaram. Uma mulher e um homem, enganosamente elegantes; a mulher vestia um vestido azul e segurava uma faca; o homem usava um terno junto a um chapéu. Ambos aparentavam ter seus 32 anos de idade. Pensei que nunca fosse vê-los novamente, mas lá estavam eles, as duas pessoas que mataram os meus pais.
- Ora, ora... – Disse o homem de terno, aproximando-se um pouco a frente dos demais. – Confesso que quando Sebastião me disse que estaria aqui, eu não acreditei. – Ele parou de andar e a encarou. Estava a uma distância segura para evitar qualquer ataque da bruxa. – E agora, além de levarmos o último herdeiro para o nosso mestre, vamos eliminar você, a descendente direta de Palas Atena, deste mundo. – Ele parou de falar para olhar em seu relógio de bolso, e com uma sutil indicada de cabeça, fez com que dois dos Maledictus Eres tomassem à dianteira. – Depois que matá-la, encontrem a pedra e capturem o garoto! – Ordenou.
Sophia fechou os olhos por um momento. Estava se conectando com a natureza, e devido a sua experiência exorbitante, o que para o resto dos bruxos do mundo necessitariam de minutos ou talvez horas, ela fazia em apenas um segundo e meio. "Servos da Escuridão" era como ela os chamava, apesar de a tradução correta ser "Amaldiçoados". Eles eram seres extremamente fortes, se alimentavam do medo, desesperança e solidão. Precisaria usar muita força para derrotá-los, mas sabia que mesmo assim, não seria capaz de fazer isso sozinha. Tinha de usar algo além de sua força herdada da deusa.
Abriu os olhos. Apenas dois se aproximavam de si, ela se certificou de que os outros permaneceriam parados. O vento soprou forte, um dos servos corria a frente do outro, exibindo uma grande espada flamejante. Ela olhou para aquele metal afiado que vinha em sua direção. Permaneceu parada. Eu gritei de dentro da casa, mas ninguém me ouviu. "Será que o feitiço era a prova de som?". A lâmina aproximou de seus olhos; Sophia sentiu o calor do fogo esquentar suas bochechas, e então, há milímetros de distância do corte fatal, a bruxa esquivou-se para o lado; seus longos cabelos esvoaçaram após um giro sutil de cintura. Abaixou-se rapidamente para não ser atingida e com a palma da mão aberta, lançou o seu braço contra o abdômen do servo e aquela foi a primeira vez em que vi apenas um vislumbre de seu grandioso poder. Aquele sutil movimento com as mãos causou um impacto tão grande que o vento promovido por ele foi capaz de rachar uma das janelas da cabana. O homem foi lançado contra o tronco de uma árvore distante e o outro que corria em sua direção caiu no chão devido à força gerada pelo vento.
Todos no local se surpreenderam com tamanha força da bruxa. Sim, eles sabiam quem estavam enfrentando, conheciam sua fama; mas talvez a surpresa de todos fosse pelo motivo de terem presenciado a filha da deusa em ação e não apenas as histórias contadas sobre ela. Da pequena janela rachada, eu consegui ver que a espada flamejante estava no chão, exatamente entre Sophia e o servo caído. Mais uma vez eu gritei inutilmente, enquanto o homem se arrastava em busca da lamina, que por sinal, estava se mexendo para longe dele. Sophia ergueu o braço e a espada flamejante correu para suas mãos; segurou-a firmemente e a atravessou o peito do Maledictus Eres com a lâmina. Ele cuspiu sangue preto e a última coisa que viu foram os olhos frios de Sophia. Logo depois, desapareceu na forma de fumaça.
O homem de terno e a mulher de vestido azul trocaram olhares sérios entre si. Após aquela cena, dois dos servos deram um passo para trás.
- Só podem estar de brincadeira! – Disse o homem, revirando os olhos.
A mulher de vestido azul exibiu um sorriso sarcástico.
- Parece que agora sou eu quem vai ter que lutar!
Sophia a encarou. Já tinha ouvido falar daquela mulher antes; nunca imaginou que um dia fosse lutar contra ela. Essa mulher havia estado presente em quase todas as guerras travadas pelos homens; ela tem um vício impulsivo em destruir tudo o que toca, além de um gosto peculiar pela morte; era uma máquina de guerra. Foi essa mulher que matara os meus pais, e agora caminhava na direção de Sophia, com o intuito de fazer o mesmo com ela. Havia um sorriso em seu rosto e seu olhar... Aquele olhar de satisfação em estar prestes a fazer a única coisa que lhe dava prazer na vida. A mulher vestia um traje de luta por baixo de seu vestido azul, e por isso o arrancou de seu corpo enquanto andava, arremessando-o para o alto; como se jogasse para longe de si aquela falsa personalidade meiga que tinha de ser mostrada externamente aos outros. Mas não agora, pois agora ela podia ser o que estava em sua essência. Sophia olhou para aquela mulher dos pés a cabeça; vestia calças largas e uma regata; ambas pretas. Havia um cinto um pouco acima de sua cintura, onde se localizavam três facas; retirou duas. O vento balançou seus cabelos; fazia frio e durante algum tempo todos se mantiveram em silêncio. Sophia sabia que ela era extremamente rápida, portanto não podia se deixar distrair por nada, e também não poderia mais fechar os olhos para canalizar energia, pois uma simples hesitada...
Antes que eu me desse conta, a mulher arremessara uma das facas de sua mão na direção de Sophia, que agora tinha três fios de cabelo a menos. A faca atravessou a janela a centímetros de meu rosto e perfurou a parede logo atrás. A bruxa se desequilibrou para o lado, e a guerreira foi em sua direção na tentativa de um golpe fatal. Com uma das mãos, conseguiu desviar a faca de seu pescoço; e com a outra, tentou lançar o mesmo feitiço que havia jogado o último servo para bem longe. Mas foi impedida, pois a mulher agarrara seu punho com força. Ela era extremamente forte; sua força se equiparava a de um vampiro. Sophia teve seu braço torcido e foi arremessada para longe, caindo nos degraus de sua cabana. Antes que pudesse se levantar, sentiu a ponta de uma lamina se aproximar de seu coração. Ela rapidamente impediu e isso resultou em um corte profundo em suas mãos, que agora seguravam com força a faca que quase lhe tirara a vida. A guerreira tentou puxá-la, mas as mãos de Sophia estavam repletas de magia; que era mais forte do que qualquer outra coisa; a lâmina se desfez em líquido e com a palma da mão, a bruxa pressionou a garganta da guerreira, que agora sufocava, e a jogou para trás.
Sophia andou em direção ao homem de terno, que não hesitou. Ele permaneceu parado, com uma expressão confiante no rosto. A bruxa passou ao lado da guerreira desacordada no chão. Parou a frente do homem. Ele a olhou, surpreso pela baixa estatura da mulher.
- Sugiro que vá embora! Você perdeu a luta de hoje. Eu não os subestimo, mas vocês sabem que não podem lutar contra mim. E avise a Malignus que...
Sophia parou de falar por um instante; parecia engasgada com alguma coisa. O homem exibiu um enorme sorriso de satisfação em seu rosto e disse:
- Helena é a minha melhor guerreira. Você achou mesmo que tinha a derrotado?
Sophia permanecera imóvel, olhou nos olhos daquele homem, enquanto simultaneamente as suas duas pernas cederam, caindo de joelhos no chão. Sentiu um gélido pedaço de metal perfurar suas costas e quando olhou para baixo, trêmula, viu que uma espada havia atravessado o seu peito; era a espada flamejante. Suas mãos começaram a tremer, ela engasgou-se com o sangue, mas ainda restava vida em seus olhos. Fora atacada pelas costas; sabia que devia ter matado Helena, enquanto ela estava inconsciente, mas seu código de honra não a permitiu, e isso lhe custou à vida.
- Uma pena. – Disse o homem com sarcasmo, enquanto erguia o queixo da bruxa para captar o último brilho de vida em seus olhos. Atrás dele, Sophia podia avistar a chegada de novos Maledictus Eres no local. – Parece que não vamos precisar de reforços, pessoal. As habilidades dessa semideusa bruxa foram superestimadas. Agora quero que me escute bem. – Disse, olhando para Sophia. - Toda a sua vida foi um desperdício, você nasceu com um único objetivo e vagou por esse mundo durante séculos. Tudo foi... Em vão, pois agora você morrerá sem ao menos ter tido a chance de enfrentar o nosso Mestre! Sua mãe sentiria vergonha de sua filha fracassada Você a desonrou. – E foi assim que aconteceu... Antes de perder a consciência, Sophia conseguiu ouvir cada palavra, e cada palavra doera-lhe mais em seu peito do que a facada que recebera. Ela se sentiu morta por dentro antes mesmo de partir. Era como se a dor não tivesse mais importância, como se quisesse sentir aquela dor física para assim aliviar a angústia de seus pensamentos. Não havia motivo daquelas palavras; os olhos de Sophia se encheram de lágrimas, que ela tentou inutilmente esconder, sentiu a magia sair de seu corpo, e seus olhos se fecharam; já não estavam mais conscientes.
Helena então, após girar a espada no coração da bruxa para se certificar de sua morte, retirou-a de seu peito e deixou que o corpo sem vida de Sophia caísse aos seus pés. Ela se aproximou do homem, que antes estava sorridente, mas agora via que algo o preocupava.
- Algum problema?
- Sim...Estou sentindo a presença de mais alguém neste lugar. – Ele se virou, mas a floresta estava vazia. Então fechou os olhos e concentrou-se em suas narinas. Era um cheiro forte e doce; conseguia farejar um sentimento de fúria misturado com bravura e certa antipatia a quase todos os outros seres que existiam. Nesse momento ele se lembrou de quem era, pois só conhecia uma pessoa com essas peculiaridades. Seu olhar não estava nada satisfeito e naquele momento percebeu que os reforços que chamou não haviam sido em vão. – Elvira!
E aí, o que está achando dessa história? Deixe seu voto e um comentário. Assim saberei como estou me saindo (:
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