A profecia
Sim, eu corri para o mais longe daquele lugar. Certamente não sabia para onde ir, mas estava prestes a conhecer uma das pessoas mais importantes desta história. Naquela época, eu era um completo ignorante. Quando digo ignorante, estou me referindo ao fato de não conhecer o verdadeiro mundo em que vivo e suas variedades. Até aquela noite, em que meus pais morreram, eu era um simples garoto de 17 anos que não fazia ideia do que a humanidade ainda iria passar. Essa é a parte boa de ter mais de 500 anos. No entanto, naquele momento eu desconhecia tudo, inclusive de seres sobrenaturais que diziam saber de coisas das quais ainda não aconteceram, como ocorrem com as profecias. Era com isso que iria me deparar em poucos minutos. Eu não estava mais no vilarejo. Ao contrário dele, me encontrava em um lugar mais espaçoso e movimentado, mas não sabia dizer onde era. Havia muitas carruagens, pessoas andando de um lado para o outro. Parei de correr.
Olhei ao redor. Ninguém me seguiu, mas o fato de não conhecer uma pessoa sequer naquele lugar me fez desconfiar de qualquer um que me olhasse por mais de três segundos. Pensando bem, é de se desconfiar de qualquer estranho que te olhe por mais de três segundos. Caminhei para longe daquele local, longe das casas, dos cavalos e pessoas. Estava em um campo aberto. Um gramado verde se estendia até o limite do horizonte, junto com uma floresta de grandes árvores espaçadas umas das outras. Adentrei um pouco mais. Quando ultrapassei a primeira árvore, todo aquele som que antes eu ouvia da cidade movimentada, se cessara. Era como se aquele ambiente fosse à prova de qualquer barulho externo. Olhei para trás para me certificar de que, ao longe, eu conseguiria ver os cavalos e pessoas se movimentando, e segui adiante. Tudo era muito silencioso, como se não houvesse vida ali. Mas isso seria muito difícil, pois o espaço ao redor estava em perfeita harmonia; as flores chamativas, as árvores grandes e esbeltas, um... Riacho?
Estava ouvindo um barulho de água correr, segui o som e logo me deparei no meio daquela floresta imensa, uma pequena abertura que levava para um gramado muito bem aparado, um rio e a sua frente um casebre de madeira. Naquele momento, pensei em todas as possibilidades que tinha, mas não encontrei outra opção senão pedir ajuda a um desconhecido. Sorrateiramente, me aproximei daquela casa. De perto, vi que era um lugar bem antigo, talvez abandonado, o que abalou minhas expectativas, mas prossegui mesmo assim. As janelas eram opacas, estavam rachadas. Subi os degraus que levavam para a porta de entrada. Pensei que o piso fosse ceder; apenas rangeu. Bati na porta. Ela se abriu com o pequeno impacto de minha mão, pois estava destrancada. Lá dentro era totalmente diferente da parte de fora. Ao contrário da imagem devastadora que tinha visto antes, o interior do casebre era bem mais aconchegante, havia uma mesa de madeira na parte esquerda da entrada e a direita uma cadeira de balanço ao lado de um sofá. Entre eles se estendia um pequeno corredor, mas não consegui ver além porque estava tudo escuro. Entrei, acanhado, e disse uma frase inovadora na época, porém desgastada com o tempo, o que a torna clichê nos dias atuais. "Olá, tem alguém aqui?" Não houve resposta, eu dei um passo à frente, a madeira rangeu forte. Eu achei melhor ir embora. Quando me virei para sair, dei de frente com uma garota da metade de meu tamanho, segurando uma quantidade significativa de lenha nos braços. Ela gritou, nós trombamos, eu me afastei, a garota caiu junto com a lenha. Eu tentei me explicar, ela sorriu e me mandou esperar, fiquei aliviado. Depois disso, não me lembro muito claramente das coisas, pois recebi uma paulada na cabeça que me deixara inconsciente por algumas horas.
Mais uma vez me encontrava desmaiado no chão. Só que desta vez era diferente, pois estava amarrado, sentia uma forte dor de cabeça. Encontrava-me deitado em um chão duro, ao lado de uma fogueira a qual não tinha visto que ficava entre o sofá e a cadeira de balanço. Acordei sendo cutucado por uma longa e fina barra de ferro.
- O que... Houve? – Perguntei sonolento, enquanto piscava diversas vezes e enxergava uma garota de forma embaçada.
- Quem te mandou aqui? – Perguntou a garota, com uma voz firme. Ela havia colocado a barra de ferro na fogueira e me encarava de forma estranha.
- O que vai fazer com isso? – Perguntei indicando com um gesto de cabeça a barra que estava no fogo. Foi uma pergunta óbvia, eu sei, mas a última coisa que queria no momento era ser torturado com uma barra quente de ferro.
Ela pareceu confusa com a pergunta. Olhou para a barra e depois para mim, repetidas vezes.
- O que! – Disse ela, me encarando. – Você acha que vou te torturar? – Ela riu surpresa. – Não seja tolo! Lógico que... –Ela parou de falar por um momento, percebendo que poderia estar perdendo uma grande chance de me fazer falar. – Lógico que vou te torturar se não me disser o que eu quero saber. – Enfatizou, de um jeito dramático e nada convincente.
Eu ri, pela primeira vez em algum tempo.
- Sei...! – Respondi com ironia. – Olha, eu não vim aqui por nenhum motivo específico, eu estava perdido na floresta...
- Mentira! – Indagou, mexendo as sobrancelhas tentando parecer ameaçadora; não conseguiu. Ela era boa, ao contrário de Elvira, que apesar de eu não ter visto, consegui pressentir por minha audição, o ódio que lançara a Artur quando o ameaçou. – Ninguém entra nesta floresta há décadas. Eu mesma cuidei disso, como conseguiu? Quem é você?
- Do que você está falando? Eu só vim pra cá por que... – Ele fez uma pausa. Ela levantou as sobrancelhas, apreensiva. – Porque eu estou fugindo de alguém...
Pela primeira vez, a garota baixou a guarda, deixou a barra de ferro encostada na parede perto a um vaso e se sentou ao chão, apoiando as costas na cadeira de balanço, como se quisesse que eu prosseguisse a história. Consegui ver em seu olhar que ela não me achava mais uma ameaça, o que me fez presumir que ela provavelmente se esquecera de que eu estava no chão amarrado.
- Meu pai e minha mãe foram mortos há dois dias por duas pessoas que eu nunca vi na vida. Fiquei inconsciente por 48 horas e quando acordei, me deparei com outras duas pessoas, em que, uma delas parecia me conhecer muito bem, mas eu não. Era como se tudo aquilo tivesse sido...
- Apagado de sua memória... – Completou a garota, com os olhos vidrados no fogo da lareira, de forma pensativa.
- Você sabe o que aconteceu comigo? – Perguntei, em um tom alto e surpreso.
Ela se levantou da cadeira de forma rápida. Eu ia lhe fazer outra pergunta, mas ela pedira silêncio com uma das mãos. A garota andava de um lado para o outro.
- Um garoto órfão perdido na floresta, encontra uma cabana desconhecida. Você entrou na floresta, conseguiu entrar... – Ela conversava sozinha, como se eu não estivesse ali naquele momento. – Ele encarou um dos servos da escuridão de perto. Sangue derramado. Ativação da maldição hereditária. Vaso... Uma leve brisa entrou pela porta entreaberta da casa, a barra de ferro que fora esquentada pelo fogo há poucos minutos se locomoveu alguns centímetros para o lado e a ponta, que ainda estava quente, encostou-se ao vaso ao lado que se estilhaçou em milhares de pedaços e a garota despertou de seus pensamentos.
Eu a olhei completamente assustado e sem entender uma única palavra. A mão dela tremia apontada para o vaso que se partira. Seu olhar expressava incredulidade, direcionando-o a mim e aos pedaços de porcelana espalhados pelo tapete.
- A profecia... É real.
Até hoje me pergunto se realmente alguém chegou a escrever uma profecia tão detalhista ao ponto de especificar que o vaso se quebraria em determinado momento. Também não sei se o vaso foi apenas uma coincidência, porque afinal ela parecia saber que ele iria se quebrar, ou tudo pareceu fazer sentido após ele ter se quebrado. Bom, não saberei. A única coisa que posso afirmar com prontidão é que depois de algum tempo eu cheguei a perguntar o motivo de ela ter colocado aquela barra de ferro na fogueira, e ela me respondeu "eu não me lembro de ter feito isso".
- Do que você está falando? – Queria poder dizer que estava assustado, mas depois de tudo o que aconteceu não me surpreenderia tão facilmente.
A garota me olhava de um jeito diferente agora. Era como se ela soubesse quem eu era mesmo sem me conhecer. Pela primeira vez, eu a reparei de perto. Ela era bonita, uma beleza peculiar jamais vista por mim outra vez em mais de 500 anos. Seu rosto era preenchido por sardas, um cabelo volumoso e ondulado de cor preta. Suas orelhas eram estreitas, assim como o nariz, que era levemente inclinado para cima. Ela tinha um olho preto e uma pele esbranquiçada.
- Ah, desculpe. – Disse ela, retomando a consciência. – Acabei me esquecendo de te desamarrar. – Ela o fez de um jeito atrapalhado. Suas mãos pararam de tremer, mas ainda estava agitada. – Está bem. -Disse ela. - Eu vou te contar tudo...
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