PRIMEIRA HISTÓRIA

Bolo de milho

          Enquanto dirigia, seu olhar permanecia fixo na estrada e ele não trocava uma palavra sequer com a esposa. Ela, por sua vez, observava suas mãos miúdas, que beliscavam nervosamente a barra do vestido florido.

Imersa em pensamentos sobre sua infância, ela admirava a paisagem que rapidamente se transformava em borrões esverdeados das árvores que delimitavam a estrada. Seu corpo franzino combinava com o rosto delicado, belos olhos castanhos claros e lábios finos, que, naquele dia, pareciam mais finos que o normal, como se tentassem esconder as palavras que sua alma guardava. Ocasionalmente, desviava os olhos timidamente para o marido, olhando-o como se fosse a primeira vez que o via: um homem corpulento, com as têmporas molhadas de suor e a pele macilenta. Ela se questionava do porquê estava casada com ele, dado que eram tão diferentes, e ela sempre jurou nunca ser submissa. Baixou os olhos, envergonhada. No entanto, ela o amava, apesar de tudo.

― De que você tem vontade de comer, Rosa? ― Ele quebrou o silêncio, tirando-a de seus pensamentos.

― O quê, Nelson?

― Bolo de milho, você sabe? Com aquela calda de chocolate!

Enquanto ela continuava a observar as árvores e os morros, ficou em silêncio. Sabia que ele estava sugerindo que ela fizesse um bolo quando chegassem em casa. Apesar de não estar se sentindo bem, tinha a sensação de que acabaria cedendo aos desejos do marido.

Árvores, morros, árvores, morros...

― Assim que chegarmos em casa, eu vou fazer. ― Ela disse finalmente.

Após sua resposta, fechou os olhos, tentando aliviar a sensação incômoda de refluxo estomacal que aumentava. Respirou profundamente, engolindo o ácido que subia até a garganta, queimando sua traqueia.

O restante da viagem foi em silêncio, e Rosa agradeceu por não ter que conversar durante o trajeto, mesmo que Nelson parecesse nunca ter assunto quando dirigia em sua companhia.

Uma hora e meia depois, estavam em casa. Ele, na sala, segurando o controle remoto com uma mão e uma lata de cerveja com a outra. Ela, na cozinha, lavando os utensílios que usara no preparo do bolo, que assava no forno. O aroma adocicado se espalhava pela casa, tornando-a acolhedora por um instante. Tempo suficiente para o bolo terminar de assar.

Rosa retirou o bolo do forno e o colocou sobre o balcão de granito, esperando que esfriasse antes de desenformar. Preparou a calda, suspirando baixinho. Lágrimas escapavam de seus olhos cansados e marcados.

Marcados. Feridos. Machucados...

― Está pronto o bolo ou você ainda precisa debulhar as espigas? ― Ele brincou, rindo alto.

― Pode esperar esfriar ou você quer queimar a língua? ― Ela pensou, enquanto montava o bolo no prato e regava-o lentamente com a calda.

― Estou quase terminando. Vou levar para a mesa, caso você queira se servir.

― Está difícil trazer aqui? Eu preciso te ensinar até a cortar uma fatia e te servir? O que um homem precisa fazer para comer um simples bolo, implorar?

Rosa jogou a panela da calda na pia com força. Pegou um prato e uma faca, cortando uma fatia generosa e colocando-a no prato. Segurava a faca tão forte que os nós de seus dedos pareciam prestes a furar a pele.

― Eu já estou trazendo a sua fatia de bolo, amor.

"Calma, Rosa... calma..." ― Eram seus pensamentos.

As palavras saíram quase roucas. Rosa mal conseguia largar a faca. Seu corpo tremia, a respiração ofegante a fazia inalar o ar com dificuldade.

― Finalmente! Faça algo útil e me traga outra latinha, já que você está aí mesmo!

― Pode deixar, meu amor...

As lágrimas já não estavam contidas, escorrendo livremente pelo seu rosto. Ela sabia que tinha atingido seu limite. Foi então que ouviu o som do celular, tirando-a daquele transe.

Ela foi até a pia, largando a faca. Abriu a geladeira, pegou outra lata e se dirigiu até a sala.

― Aqui está. Quem estava no telefone?

― Frederico. Ele queria avisar que não poderá vir no Dia das Mães. Vai precisar trabalhar.

― Logo no meu dia? Ah, droga...

― OK, começa! Nosso filho precisa trabalhar! ― Ele exclamou, já irritado.

― Não precisa gritar, Nelson. É o meu dia, afinal. Sinto falta dele!

Ela queria chorar compulsivamente, mas segurou suas lágrimas o quanto pôde.

― E daí? Eu não posso falar um pouco mais alto sem você fazer um drama? Quer chorar? Eu te dou motivo para chorar! É só pedir!

Congelada, olhava para ele, incapaz de entender o que tinha feito com sua vida. Onde estava a mulher que adorava ler, desenhar e sonhava em viajar pelo mundo? Nem mesmo seu único filho, que morava em outro estado, parecia se importar com ela. Ele se formou e, tendo a oportunidade, saiu de casa sem olhar para trás.

Rosa costumava dizer que amava seu marido, mas para ouvir isso, tinha que pedir, implorar.

― Em que me tornei, meu Deus? ― Pensou, olhando para ele.

― Vai ficar parada aí como uma estátua?

― O bolo está bom? ― Ignorou a pergunta dele, enxugando as lágrimas com o avental.

― Está ótimo! Ficou fofinho, bem do jeito que eu queria.

― Você não vai nem agradecer?

Ela sussurrou.

Ele olhou para ela, com desdém.

Rosa repetiu a pergunta, se aproximando dele.

― Você não fez mais do que sua obrigação. Quem comprou os ingredientes? E o gás? Quer que eu te agradeça também? Oh, meu amorzinho! Muito obrigado, meu amor! Isso é o suficiente para você? ― Ele falou debochado, quase por cima dela.

― Sério? Precisa responder assim?

Mal conseguiu terminar a frase, pois recebeu um soco na boca.

Sentiu tudo rodar, seu corpo foi lançado contra a parede e ela caiu no chão encerado. O gosto de sangue invadiu sua boca, manchando a parede branca da sala e sujando seu vestido florido e seu avental bordado com cuidado.

Rosa tentava permanecer consciente, sabendo que se desmaiasse, levaria ainda mais golpes.

"Não desmaie, por favor! Não desmaie, Rosa!" ― Era o pensamento angustiante e desesperado dela.

A sala girava como um caleidoscópio e o sangue preenchia sua garganta com um gosto metálico, junto ao salgado das lágrimas.

Segurou o grito com a mão na boca, tentando se equilibrar, levantando-se e indo para o banheiro.

― Olha a bagunça que você me fez criar! Que mulher você se tornou?! Fico enjoado de estar na mesma casa que você, Rosa! Deixe a casa perfeita, entendeu? E agora, suma daqui e me deixe em paz!

Ela ouvia a voz dele vindo da sala, como se estivesse em transe, enquanto ligava o chuveiro e se despiu.

― Que tipo de mulher me tornei? Se é que ainda posso me considerar uma. Sou um estilhaço de mulher... ― Sussurrou.

Ficou embaixo do chuveiro por um longo período. A água corria, lavando seu corpo marcado.

Ela se deitou no box, encolhida em posição fetal, permitindo que a água morna caísse sobre ela, sem ânimo para sair.

Água morna... corpo frio... dor...

Quando acordou, percebeu que tinha desmaiado por quase meia hora.

Levantou-se com dificuldade, apoiando-se nas paredes azuis e caramelo do box. Segurou-se na pia, enrolada na toalha. Observou sua imagem embaçada no espelho e suspirou fundo. Ela não passava disso mesmo, uma versão embaçada do que costumava ser. Passou os dedos enrugados pelo excesso de água em seus lábios inchados, contendo a vontade de chorar.

― Chega de lágrimas, Rosa... ― Ela sussurrou.

Abriu a porta do banheiro devagar e tentou ouvir qualquer barulho vindo da sala.

Nada.

Apenas a voz da âncora do telejornal noticiando o clima.

Ela sorriu, apesar da dor.

Sorriu como não fazia há muito tempo.

"Não vai chover..."

Foi para o quarto, secou o cabelo, aplicou maquiagem, escolheu uma roupa bonita, calçou seu melhor sapato e tentou esconder os hematomas com corretivo.

Pegou sua mala, juntando tudo o que havia comprado com seu próprio dinheiro, deixando para trás apenas o que o marido lhe havia dado.

Observou as fotos coladas no espelho da penteadeira e escolheu uma.

Ela e seu filho.

Beijou a fotografia e a guardou na mala.

Olhou ao redor do quarto, sem sentir culpa por deixar tudo aquilo para trás. Fechou as janelas, limpou a cozinha, a sujeira de sangue na parede e no chão, colocou as roupas sujas na máquina, retirou o lixo de casa.

Certificou-se de que tudo estava no lugar.

Estava satisfeita. Tudo perfeitamente organizado, como Nelson sempre exigia dela.

Olhou para ele no sofá. Seu corpo jogado no assento.

Imóvel.

Ela arrumou o marido, cobrindo-o com uma manta.

Ele estava morto.

Morreu pelo próprio veneno.

Morreu para ela.

Pegou o que restava do bolo, incluindo o prato, jogou em um saco de lixo e o descartou na lixeira.

"Eu te pedi para agradecer, Nelson. Você nunca ouviu. Adeus!"

Saiu com sua mala até o ponto de ônibus, sem olhar para trás.

Sorria na escuridão da noite.

Finalmente, estava livre...


FIM

(1485 palavras)

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