Um dia depois
Um dia depois
Eu estava com aquele celular em minhas mãos e queria me livrar dele.
Depois que me despedi de Vanessa, ela disse que eu deveria ligar para ela para sairmos, andarmos pela praia ou admirarmos o penhasco.
Concordei, percebendo que ela tinha uma alma humana, por isso comecei a gostar mais dela.
E ela gostava do meu irmão, realmente gostava.
Agora, eu andava com Gabriel; encontrei com ele em meu caminho de volta para casa.
E ele queria conversar comigo sobre Jason.
Eu não queria ouvir, ainda era recente a nossa briga e ela me magoava profundamente, contudo não pude resistir ouvir falar dele, saber como ele estava, com quem estava.
Pelo jeito Becca Senes conseguiu o que queria afinal.
— Ele não parece estar feliz com ela, só parece... — Gabriel hesitou e me olhou de soslaio.
Eu estava olhando para ele, prestando atenção em cada palavra sua enquanto sentia que estava prestes a vomitar na rua.
Mudei o foco do meu olhar, fixei meus olhos nas rachaduras do chão para que ele não percebesse que eu estava sentindo mais do que eu queria sentir.
— Ele parece que está tentando preencher um espaço vazio — completou, enfim.
— Espaço vazio? Nós não éramos amigos antes de tudo isso, ficamos algumas vezes e fim. Não tem muito mais a acrescentar. Mal havia começado e percebemos que não iria dar certo — expliquei, algo que eu estava fazendo muito recentemente, até mesmo para pessoas que não eram minhas amigas.
— Você é um pouco idiota — Gabriel disse e eu o olhei indignada — é verdade, não tente negar. Além de idiota é orgulhosa até demais.
Bombardeio de elogios súbitos? Era para eu retrucar?
— Isto é... As vezes você não aceita a verdade por ela ser mais difícil do que você esperava, nem tudo é feito para ser perfeito, as pessoas são imperfeitas, quebradas e incompletas, somos feitos de estilhaços encaixados uns nos outros para tentar nos manter firmes.
— Eu sei disso — repliquei depois de cruzar os braços e fazer uma careta.
— Não, você não sabe disso, se você soubesse, não estaria julgando Jason da maneira que o julgou.
Havia algo tão definitivo em sua voz que eu parei no meio da rua e o olhei tentando não demonstrar que eu estava nervosa.
— Você sabe o que aconteceu? — sussurrei, não queria que os vizinhos curiosos ouvissem nossa conversa.
— Não, mas não precisa ser muito inteligente para ver que ele fez algo errado e você o está punindo severamente por isso.
— Talvez eu esteja sendo um pouco exagerada sim, mas só por que ele mentiu para mim.
— Não contar a verdade não é mentir — argumentou ele me olhando com algo que parecia ser uma culpa reprimida.
— É sim, uma hora eu descobriria a verdade. Omitir os fatos é quase tão ruim quanto a própria mentira. Ao menos, dói igual — coloquei uma mão no ombro dele e ele colocou a sua mão em cima da minha, suas bochechas pálidas.
— Eu sou gay, não contei para você antes, isso significa que eu menti? — ele supôs e eu sorri pelo exemplo.
Desta vez ele conseguiu me deixar sem palavras. Se eu dissesse que sim, eu estaria sendo egoísta, aquele era segredo dele e ele o compartilharia com quem quisesse. Se eu dissesse não eu estaria indo contra os meus princípios de brigar com Jason.
Nesta situação eu não sabia como reagir.
— Prefiro não responder — voltei a andar e ele estava logo atrás de mim.
— O que eu quero dizer, Elisabeth, é que você não percebe o que está ao seu redor e logo ignora a possibilidade de uma reavaliação por seu orgulho não permitir que você erre — ele passou um braço ao meu redor, estávamos em minha casa.
Não perguntei, eu sabia que ele iria me ajudar a fazer o almoço. Algo muito mais do que justo depois destes elogios tão indesejados.
— Eu erro e eu sei que eu erro. Sei que as pessoas erram, é só que, depois de tanto tempo, eu pensei que tudo estivesse bem! Que eu estivesse bem! Mas agora eu percebo que no fundo, eu apenas continuo... — faltou-me a palavra correta para me descrever.
— Quebrada? — ele sugeriu.
Esta foi a mesma palavra que a vidente usou para me descrever.
“Sim, você está, talvez ainda não tenha percebido, talvez esteja tentando esconder os cacos, porém eu vejo o que pode consertá-la.”
Eu estava tentando esconder os cacos. Por meses eu pensei que esconder os cacos era a melhor solução. Se eu não visse a dor, ela não me alcançaria. Se eu não mostrasse dor, as pessoas não saberiam. Se eu não pensasse em dor, ela iria embora.
Não funcionou.
As pessoas queriam ver a minha dor, ver que eu era humana e sofria assim como todos os outros, tanto quanto os outros.
E eu pensei que eu demonstrava demais meus sentimentos...
— Você acha que eu estou quebrada? — inclinei-me em seus braços sentindo o calor de seu corpo tentar reanimar o meu.
— Sim — ele afagou meu ombro – mas isso não é algo ruim.
— Como isso pode ser bom?
— São pelos cacos que estão faltando que você vai encontrar a pessoa certa — senti o sorriso nos lábios dele enquanto falava, não ousei me mover — Eu acho que você tem medo de gostar de Jason por ele ter visto os trincos, as partes quebradas e as falhas que existem em você.
— Então ele quer me consertar? — indaguei sentindo que era o melhor a fazer, qualquer outra frase poderia ser comprometedora.
Jason está com Becca! Jason está com Becca. Jason está com Becca! Jason está com Becca. Jason está com Becca! Jason está com Becca. Jason está com Becca! Jason está com Becca...
Repeti aquilo em minha mente como um mantra sagrado.
Eu não poderia voltar atrás com o que disse para ele depois de todas as mentiras e desconfianças que foram criadas dentro de mim. Não conseguiria conviver com aquelas perguntas pairando em minha mente sempre que eu estivesse ao seu lado.
Eu não conseguiria confiar nele.
— Não, ele sabe que as peças do seu quebra-cabeça se encaixam nas dele — desde quando Gabriel ficou tão sentimental? Tão profundo?
Não é verdade.
Nós não combinamos!
“Por que você está viva. Você precisa de alguém para juntar as peças do seu quebra-cabeça, alguém que a entenda. Todos precisam de alguém.”
— Como vamos começar o frango? — sorri para ele me dirigindo para a cozinha e recolhendo os ingredientes.
Ele me lançou um olhar descrente e ao mesmo tempo presunçoso. Eu o havia decepcionado e alcançado suas expectativas.
No momento nada importava.
Eu não queria mais pensar em Jason. Doía.
E ele estava com Becca Senes, desde quando ele gostava de garotas arrogantes, idiotas e egoístas?
— Posso pedir um favor? — ele perguntou já temperando o frango em uma receita de ervas e sal com molho de cebola que só ele sabia.
— Claro — respondi lavando o copo que nós usaríamos, havia me esquecido de fazê-lo na noite anterior, afinal era o meu castigo, a limpeza da casa.
— Ninguém além de você, da Jenny e da Carrie sabem sobre eu ser gay. Eu preferiria que isso continuasse desta maneira.
O copo escorregou da minha mão, estraçalhou-se na bancada e eu senti o caco dele rasgando minha pele.
Um líquido escarlate escorria como água pela pia enquanto eu o encarava com choque sem realmente querer acreditar em meus ouvidos e no que eles estavam me falando.
Queria dizer que eu o apoiava e gostava dele da maneira que ele era, do jeito que ele era, não importava se ele gostava de homens ou mulheres.
— Eu só percebi isso depois que eu fiquei com você e pensei que eu preferiria ter ficado com seu irmão. Desculpa — ele riu e olhou para minha mão — Elisabeth! O que você fez?
“Eu não vou sangrar até a morte, fique tranquilo.”
Ele correu para pegar algo para estancar o sangue. Disse que talvez fosse me levar para o médico caso um caco tivesse entrado em minha pele. Disse que talvez eu precisasse tomar alguns pontos.
Pare de falar Gabriel!
Pare de falar!
Apenas pare!
Até mesmo os homens preferiam meu irmão a mim.
Ah.
Ele disse que gostava do meu irmão.
Parecia que eu vivia em um universo paralelo e de repente fui teletransportada para uma realidade desconhecida com pessoas que se pareciam com aquelas que eu conheci, agiam com elas, falavam como elas, mas não eram elas.
Ou será que o problema sou eu?
Como eu nunca percebia nada?
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