Quatro horas depois

Quatro horas depois

Eu estava sentada e sozinha em uma mesa no canto mais afastado das pessoas que eu pude encontrar.

“Ninguém realmente se importava comigo.”

No entanto eu me importava com os outros.

Escrevia uma mensagem para minha mãe dizendo que eu a amava e eu era uma burra por ter tentado encontrar algo que eu deveria ter deixado morrer.

Eu estava explicando o mais breve possível da ligação entre Vanessa, Scott, William e Melody em toda uma trama intercontinental de tráfico de drogas enquanto tentava não chorar querendo que eu tivesse conversado com ela pessoalmente.

Estava com vergonha de ligar para ela admitindo meu erro.

Agora eu poderia entender o que William estava sentindo.

Agora eu entendia o que era este sentimento de ser incapaz de mudar o curso do destino.

Eu estava com medo de Scott e do que ele poderia planejar para mim.

A primeira sombra que eu avistei na porta do bar me fez encolher na cadeira, tentar colocar as pernas contra meu peito para que eu conseguisse me embalar em meus braços. Era um instinto de carência que eu pensei ter perdido com o tempo.

Não era Scott, não ainda.

Jason entrou e foi diretamente em minha direção. Eu queria pedir para ele ir embora, para que ele corresse daquele lugar antes que ele também estivesse na mira do traficante mercenário.

Foi neste momento que eu tive uma ideia.

Senti os braços dele envolvendo meu corpo em um abraço amigável e reconfortante, apoiei meu rosto contra seu ombro com meus pés esticados no máximo possíveis para me deixar mais alta.

Senti o seu aroma e o puxei para mais perto, inalando mais fundo. Deslizei minha mão no bolso do seu casaco e coloquei meu celular ali.

Ele não era estúpido, perceberia que aquilo era um sinal, que significava algo.

Antes que eu conseguisse me afastar ele segurou meu rosto e me beijou.

Seus lábios contra os meus em um furioso movimento descompassado onde um não conseguia acompanhar o outro.

Era até ridículo.

Então ele o suavizou, passei meus braços pela sua nuca e deixei que ele me beijasse.

Por que eu estava fingindo que eu não gostava dele?

Becca Senes.

Afastei nossos rostos deixando uma mão contra o seu coração e uma contra o meu. Arfei percebendo meus cabelos desarrumados e a minha mão machucada contra seu peito.

Ela parecia não se incomodar em pressionar o seu corpo contra o meu e simplesmente por estar em contato com ele já me fazia perder os sentidos.

— Por favor, pare com isso — ele pediu, sua voz rouca cheia de desejo reprimido. Suas mãos não me deixavam afastar mais.

— Parar com o que? — perguntei olhando ao nosso redor, alguns rostos conhecidos, porém nenhum era o rosto que eu estava temendo ver durante as últimas horas.

— De me afastar. Lise, você tem que entender — ele moldou suas mãos em meu rosto, segurando-o delicadamente com os lábios a poucos centímetros dos meus — tudo o que aconteceu depois que eu conheci você, tudo, valeu a pena. Dos piores aos melhores momentos. Você não pode...

— Você está com Becca — murmurei tentando ser coerente, não conseguindo me esquecer do eco de suas palavras em minha mente e em como elas mexiam com o meu interior.

— Não, ela me quer, mas eu nunca retribuiria o sentimento — seus olhos cinzentos estavam tempestuosos contra os meus. Temi um temporal — por que você não consegue entender algo tão simples?

Eu queria morrer de alegria.

— Você precisa ir agora — eu sussurrei, contudo meus instintos foram mais fortes e eu acabei voltando a beijá-lo pela saudade de ter seu corpo contra o meu.

De estar com ele.

— Eu não consigo tirar você da minha cabeça por nenhum momento — ele alisou meus cabelos, retirando-os da frente de meu rosto enquanto eu falava — eu... eu sinto muito por toda a briga. Foi minha culpa, você só tentou ser um bom amigo para meu irmão.

— Mas é verdade, eu deveria ter contado a verdade.

— Não importa agora — meu coração estava comprimindo o seu tamanho em milhões de vezes — eu só queria que você soubesse... eu não me arrependo de...

— Eu também não — ele me calou com outro beijo.

Alguém limpou a garganta ao nosso lado e eu o empurrei indiscretamente.

Scott estava com um sorriso apreciativo e ao mesmo tempo perigoso nos lábios. Eu não gostei disso.

— Agora você precisa ir — toquei no bolso de seu casaco com casualidade para mostrar que havia algo ali.

Jason me olhou com preocupação, algo em seu semblante me fazia desconfiar que ele talvez soubesse de tudo o que eu havia escrito em minha mensagem no celular, porém ele tinha que ir. Eu não queria que Scott decidisse descontar a sua fúria marginal contra ele.

Rocei meus lábios nos seus dizendo um breve até logo.

Ele foi embora, não queria ter ido, porém foi embora e não ousou olhar para trás.

Sentei-me à mesa a frente de Scott e esperei até que ele tivesse terminado de ler uma nova mensagem que existia em seu celular, provavelmente uma demanda ou uma encomenda.

— Então — eu comentei depois de ter passado alguns segundos demorados.

— Agora você quer conversar comigo? — ele apoiou seus braços na mesa e se inclinou na minha direção, eu recuei — o que você quer saber?

— Você matou o meu irmão? Por que você estava com Melody? Como conheceu Vanessa? Por que você o estava ameaçando? Por que você não deixou que ele vivesse normalmente? — sua mão levantou e eu parei de falar retomando meu fôlego perdido.

Eu esperava que Jason tivesse lido e entendido a mensagem que eu havia escrito.

— São muitas perguntas — ele assentiu com a cabeça concordando consigo mesmo — e eu não vejo motivos para responder nenhuma delas.

— Por que estamos aqui então? — cruzei meus braços tentando parecer mais intimidadora, algo que eu acho que não funcionou, afinal ele sorriu.

— Eu queria saber até onde você iria por respostas.

— Até o final — respondi sem pensar, era a verdade, por William eu iria até o final.

— Isso é muito tocante. Sabendo toda a história como eu sei — ele sorriu para mim, um sorriso presunçoso.

Eu odiava o fato de a cada frase que ele pronunciava um novo sorriso brotava de seus lábios.

— Qual história? — arrumei meu cabelo que estava caindo em meu olho fitando-o friamente.

— Aquela que você não saberá a menos que eu conte.

Eu o odiava.

— Será que com você tudo tem que se basear em negócios? — questionei indignada com ele, enojada com sua maneira de lidar com a vida.

— Claro, por que eu faria algo sem me beneficiar?

— Isso se chama favor — expliquei.

— Desconheço esta palavra — ele levantou uma sobrancelha — o quanto vale a história que eu tenho para contar?

— Diga o seu preço — tentei utilizar uma expressão imparcial, não tentar mostrar que eu nunca havia barganhado em minha vida.

— Você poderia pagar a dívida de Melody.

Só isso?

— O quanto ela deve? — eu não estava disposta a perdoar aquela... garota, porém isso não significava que eu achava que ela tinha alguma chance de sobreviver com uma dívida para com Scott.

Meu irmão não sobreviveu.

— Mais de mil — seu rosto me mostrou que aquela não era uma quantia exorbitante para ele, porém para qualquer outra pessoa, seria.

Eu não tinha mil, não tinha nem a metade daquilo.

— E se eu oferecesse os dados do seu celular? — questionei batendo meus cílios.

Se fosse Jason, ele teria percebido que eu deletei alguns arquivos, contatos e até mesmo notas importantes, havia documentos comprometedores em minha posse.

Não que eu pudesse usá-los, o pai de Scott tinha influências demais dentro da ilha para que eu conseguisse prendê-lo ou algo do gênero.

— Quais dados do meu celular? — ele indagou com calma.

— Pode olhar, vai notar algumas informações faltando.

Ele desviou seu olhar do meu e digitou algo.

Imediatamente seus dedos traçaram linhas em cima da tela do aparelho celular e ele estava ficando vermelho por perceber que não iria me desmascarar em um blefe malfeito.

Eu poderia não saber jogar, porém eu não iria arriscar-me por nada, com nada.

— Garotinha esperta — ele digitou algo no celular, o bloqueou e me entregou — teste a senha — eu testei William e foi negada — você tinha dez tentativas — ele alisou a sua barba recém-feita — agora apenas nove. Uma dica: é um nome.

Disso eu já suspeitava por isso testei Melody.

Negado.

Vanessa. Negado.

Jenny. Negado.

Carrie. Negado.

Gabriel. Negado.

Jason. Negado.

— Não é tão difícil quanto aparenta ser — ele caçoou de mim e eu tentei Scott. Também foi negado — você realmente não consegue ser tão inteligente na hora da prática quanto na teoria, não é?

Ele fez menção a pegar o celular e eu o afastei de sua mão. Ainda tinha uma tentativa de um nome antes que ele o tomasse de vez.

— A minha senha é o nome da pessoa que eu tenho que lidar, normalmente é um cliente que não paga outras vezes um encontro que eu não posso esquecer — ele riu — neste caso é um pouco dos dois, mas, principalmente, pode-se dizer que a minha senha é uma pessoa que sabe mais do que deve e ninguém pode saber mais do que deve sem pagar o preço.

Engoli a seco e meus dedos deslizaram pela tela com um tremor que eu desejava que o garoto inescrupuloso a minha frente não visse, contudo ele viu e isso o satisfez.

Eu estava presa em sua armadilha.

Eu entrei em sua armadilha por vontade própria.

A senha era E-L-I-S-A-B-E-T-H.

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