Meia-hora depois
Meia-horas depois
Acordei com alguém colocando um pedaço de gelo em meu ombro. Ele deslizou até o decote de minha blusa e eu gani me levantando, retirando-o enquanto saltava de um lado para o outro.
Coloquei minha mão na frente do meu coração recuperando-me do susto e olhando para a pessoa na cadeira de Gabriel.
Era Jason.
Ele estava sorrindo com um copo de gelo na mão.
Fechei meus olhos e respirei fundo ainda tentando retomar as batidas do meu coração — ele não queria desacelerar mesmo que eu já não estivesse mais tão assustada.
O sol não estava mais em seu pico, provavelmente eu havia dormido naquela tarde e, possivelmente, deveria ser um dos momentos que eu melhor dormi, pois até mesmo em minha casa eu estava sendo perseguida por uma paranoia constante que eu seria a próxima.
Voltei a sentar na cadeira e retirei os óculos de sol do meu rosto, coloquei-os em minha cabeça, pois não precisava mais deles.
— Eu poderia ter tirado o gelo, você sabe — ele colocou o copo no chão e relaxou na cadeira ao meu lado como se estivesse esperando eu acordar para que pudesse sentar da maneira que queria.
— Muito engraçado, você quase me matou de susto — respondi colocando a mão em cima do meu coração, ele não estava mais disparado, porém pulsava forte em meu peito.
— Eu estava devolvendo o susto — ele apontou e eu me calei.
Ele tinha razão.
— Eu precisava falar com você — comentei olhando para ele, a maneira como seus cabelos estavam bagunçados e havia areia grudada em suas pernas.
Ele deveria ter vindo surfar, lembrei-me que ele surfava, sim, claro, apenas pelo surfe.
“Aquele era um belo dia para surfar. Estava com uma blusa de Will e a minha prancha embaixo do braço sentindo o sol bater em meu corpo e secá-lo da última onda.”
Coloquei a memória de lado e voltei a me concentrar no que eu tinha a falar para Jason, porém ele me interrompeu antes que pudesse começar.
— Eu estava precisando descansar um pouco, estou sufocando em casa — olhou para mim e sem esperar que eu perguntasse, continuou — minha madrasta quer que eu curse uma faculdade no continente e meu pai quer que eu fique para cuidar da oficina. Eles estão brigando o tempo todo.
— E o que você quer fazer? — perguntei olhando para ele e vendo a dúvida em seu olhar. Seus olhos cinzentos estavam um turbilhão de emoções.
Ao contrário do que eu pensava, ele ficou corado e desviou o olhar, limpou a garganta e se levantou. Havia algo que ele não queria me contar e estava tentando evitar o assunto.
Fiquei um pouco magoada, depois de tudo o que já aconteceu, ele era uma das últimas pessoas que eu pudesse esperar guardar um segredo de mim.
— Vamos entrar no mar? — ele perguntou esticando o seu corpo para retirar a sua blusa e ficar apenas com a bermuda.
Neguei com a cabeça e continuei sentada. Não estava tentando dar a ele o tratamento do silêncio, era apenas que eu não queria... eu não tinha boas lembranças do mar.
— Não se preocupe, eu vou estar ali com você — ele acrescentou como se aquele fosse o problema.
— Eu não... — fechei meus olhos tentando ignorar o calafrio que percorreu meu corpo — o mar não gosta de mim.
— Impossível — ele respondeu — não gostar de você.
Olhei para ele piscando várias vezes até conseguir assimilar as suas palavras. Sorri e o perdoei por guardar um segredo de mim.
Ele segurou minha mão e me puxou para fora da cadeira.
— Eu não acho que seja uma boa ideia — tentei voltar a sentar, porém as mãos dele me seguraram pela cintura.
Fiquei olhando para o seu rosto, a maneira intensa como os seus olhos me encaravam que eu quase não percebi que as mãos dele não estavam mais em minha cintura e minha blusa estava sendo levantada.
Olhei para baixo e percebi que ele estava tentando retirar a minha blusa, voltei a olhar para ele e levantei meus braços.
Por que eu não disse não?
— Você quer que eu tire o shorts ou você faz isso? — ele apontou para baixo e eu fiquei vermelha desabotoando-o antes que ele o fizesse e a praia inteira ficasse nos encarando.
Ele retirou os óculos de minha cabeça e me jogou em seu ombro para que eu não fugisse.
Tentei fazê-lo me soltar enquanto ria, porém eu estava lutando para não engolir meus próprios cabelos no processo, então desisti e deixei que ele me levasse até a água.
— Eu vou colocá-la na água agora, tente se comportar — ele abaixou e eu senti o contato da areia com meus dedos, da água com meu tornozelo, e fiquei arrepiada.
Ele segurou minha mão e começou a ir mais fundo.
“Remei e remei até meus braços doerem. Vi que estava bem longe da praia, porém eu consegui ver que ele havia acordado e estava me procurando, balancei minha mão para ele e berrei seu nome. Ele sorriu para mim, se levantou colocando os óculos e andou na minha direção, parou antes de entrar no mar.”
— Não, por favor — eu pedi resistindo a segui-lo quando senti a água acima de meus joelhos — por favor.
Ele parou e me olhou como se não estivesse acreditando no que eu estava dizendo.
— Eu não vou tentar afogá-la — comentou um pouco ofendido.
Era isso? Ele achava que eu tinha medo do mar somente por causa da noite em que o homem quase me afogou?
Acho que ele não me conhecia tão bem quanto pensava.
— Não é isso — sussurrei sentindo a marola ir e vir em minhas pernas, vi as ondas quebrando mais ao fundo e vi os surfistas em cima delas, afundando por causa delas — eu já quase me afoguei antes daquela noite.
— Como? — ele realmente não sabia, eu via aquilo em seus olhos.
— Eu surfava, peguei uma onda muito grande e perdi o controle da prancha, ela bateu em mim e eu comecei a me afogar. Will me salvou — contei de uma vez para não ter que pensar muito nisso.
— Você se machucou? — ele passou as mãos nos cabelos preocupado, olhando para o mar.
— Só um corte aqui — apontei uma linha que estava perto do meu couro cabeludo que não era muito comprida. Eu nem havia ficado uma cicatriz.
Ele colocou a mão no lugar e eu senti que meu corpo esquentou.
Olhei para a praia, percebi que as pessoas estavam nos olhando, dei um passo para trás e a mão dele escapou do meu rosto.
— As pessoas acham que nós estamos juntos — disse para mudar de assunto ignorando o sol que ainda brilhava sobre nós.
— Fiquei sabendo... ouvi versões da nossa noite que nem eu tinha conhecimento — gostei de como ele disse “nossa noite”, como se fosse algo especial para ele.
Ele colocou uma mão no queixo pensativo.
— Algo relacionado a eu ter sido expulso de sua casa só de cueca — olhou para mim e sorriu ao ver que eu assenti, também já havia ouvido aqui — Gostaria de dizer algo sobre isso?
Comecei a rir dele, logo meu riso transformou-se em uma gargalhada e eu não conseguia parar até que senti uma pequena pontada de dor em minha barriga. Tentei me recompor, mas não consegui.
— Eu ouvi dizer que sua madrasta entrou na minha casa e nos flagrou na cama — complementei limpando as lágrimas de tanto rir.
Ele se aproximou e eu sorri para ele controlando minhas madeixas selvagens por causa do vento gelado.
— Acho melhor voltarmos, está ficando frio — estremeci virando-me para a praia.
— Espera! — ele pediu segurando o meu pulso e me puxou para ficar frente a frente com ele, peito contra peito — só para você perder o seu medo.
E eu soube o que ele ia fazer.
E eu sentia como a água estava gelada.
Olhei para a água atrás dele, deixei que o meu rosto ficasse amedrontado e eu apontei com a minha mão livre para algo que deveria estar fora do alcance dele.
— O que é aquilo? Uma água-viva? — minha mão estava tremendo.
Ele se virou no mesmo minuto deixando o aperto em meu pulso afrouxar.
— Eu não estou vendo... — antes que ele terminasse sua frase, empurrei-o contra o mar.
Ele afundou com facilidade e eu saí correndo, quebrando as ondas com minhas pernas, tentando escapar de uma nova possível vingança.
Não sei quando ele emergiu, só sei que subitamente eu ouvia seus passos e a sua risada. Tentei correr ainda mais rápido, porém eu não consegui, nunca fui uma atleta e minhas habilidades com o mar deixavam a desejar já que fazia anos que eu não me aventurava nele.
Senti os braços dele ao redor de meu corpo e a próxima coisa que vi era que ele se jogou no mar comigo.
Levantei ofegante enquanto ria; estava agachada no mar, agora sentindo como ele estava gélido, porém estava esquentando com o passar do tempo.
Jason estava com metade de seu rosto para fora, seus olhos mostravam que ainda não havia acabado.
— Eu sinto muito — eu disse ainda sorrindo, esperando que ele se aproximasse.
— Você não vai dizer isso quando eu terminar com você — ele sorriu e me afastei, contudo ele já estava perto demais para qualquer passo que eu desse fazer alguma diferença.
— Não, não é sobre isso — gesticulei para a água — sobre as pessoas. Nunca foi minha intenção que eles ficassem falando sobre nós dois. Não era para você ter entrado na minha famosa lista.
Ele me olhou, desta vez sem sorrir e levantou completamente o seu rosto, metade dele estava iluminada pelo sol, a outra metade ofuscada pelas sombras.
— Eu entrei na sua longa lista? — seu tom de voz mostrava como o assunto era sério e eu percebi que talvez a minha suposição sobre ele estar me evitando fosse verdadeira afinal.
Estava na hora de contar a verdade para outra pessoa.
— Não existe uma lista, isso foi invenção das pessoas. Eu não fiquei com nenhum daqueles garotos — suspirei desviando meu olhar do dele, afinal eu sabia que este era o momento em que ele iria me julgar.
— Eu suspeitei — ele disse para a minha surpresa. Quando eu o olhei ele deu de ombros — a princípio pensei que era verdade. Quando você me chamou para ir à sua casa de noite e entrar pela janela, pensei que, bem, você sabe... – ele ficou vermelho nas bochechas e passou uma mão nos cabelos molhados – então quando eu percebi que existia mesmo um fax, soube que eu estava errado.
Fiquei corada. Era óbvio que ele pensaria o pior. Por que eu não pensei naquilo antes de fazer a tal proposta?
— Quando nós começamos a conversar mais, eu soube que você não faria nada que os garotos comentavam — ele sorriu tentando se desculpar.
— O que eles comentavam? — fiquei curiosa, pois nunca tinha ouvido nenhuma das histórias, não queria saber, apenas concordava com qualquer invenção.
— Nada que mereça ser repetido – ele ficou ainda mais vermelho e eu, por consequência, também.
Não estava acreditando no que estava acontecendo.
— Só queria que você soubesse que eu não queria que você fosse mais um da lista — comecei a me virar para sair.
— Eu fui o único? — a pergunta dele me fez parar.
Virei para olhá-lo, mas ele continuava no mesmo lugar que eu o havia deixado.
— Eu já tinha beijado outros garotos antes de você.
— Você sabe do que eu estou falando – ele levantou uma sobrancelha para mim.
— Foi — respondi quase sem escolha, sua sobrancelha me intimidou um pouco.
— Bom saber que eu sou especial — ele sorriu e pegou o meu rosto.
Não sei por que eu deixei, mas não tentei impedi-lo quando ele aproximou nossos rostos mesmo que parte de mim dissesse que eu deveria me afastar antes que isso nos machucasse.
Eu queria ser egoísta, não queria deixar este momento passar.
A vida me ensinou que as vezes o dia seguinte não era melhor do que o anterior.
— As pessoas vão pensar que eu estava mentindo quando disse que somos apenas amigos — disse antes que ele encostasse seus lábios nos meus.
— Você disse isso? — ele perguntou um pouco surpreso afastando seu rosto e sorrindo daquela maneira que eu não desgostava.
— Disse, foi isso o que nós combinamos quando você foi dormir em casa, lembra? — aquela conversa era uma das conversas mais estranhas que eu já tinha tido em toda a minha vida.
— Eu disse que você era minha, quando me perguntaram — ele afagou minhas bochechas com seus polegares e não deixou de me olhar nos olhos, mesmo quando o meu olhar chocado foi visível — Eu não queria que alguém pensasse que você ainda estava disponível.
— Posso perguntar por que eu não estaria disponível?
— Eu não sou muito bom em dividir.
Ele beijou meus lábios. Tinha gosto de sal. Eu não me importei.
Se eu já não estivesse quase sentada, tive certeza que minhas pernas estariam bambas.
As mãos dele me envolveram, trouxeram-me para perto e por mais que fosse perto, eu sabia que ele pensava que ainda poderia estar mais perto. E eu não me importei.
Eu amava o mar, sua frieza, sua inconstância. Eu amava a sua cor, sua intensidade, sua profundidade. Amava como antes, amava diferente.
Eu estava perdida. Não tinha mais como negar. Eu estava me apaixonando por aquele garoto. Não importava a mentira que eu dissesse para mim mesma, eu estava apaixonada por ele.
E agora nós dois estávamos condenados a maldição de William sobre o amor.
Eu poderia já saber como nós dois acabaríamos, mas, pela primeira vez, eu senti que poderia valer a pena. Senti que isso não seria algo alheio em nossas vidas, que era um pouco a mais.
Estava disposta a arriscar meu coração por ele.
Não sei o porquê.
Não queria saber o porquê.
Eu só sabia que eu nunca tinha sentido tanta vontade de querer estar com uma pessoa como agora. De querer uma pessoa como eu o quero.
“Não adianta se forçar a amar, o único amor que vai salvá-la de si mesma é o amor voluntário.”
Oh não! Será que isso poderia se tornar amor?
As palavras da vidente reverberavam em minha mente e eu me distanciei de Jason, vendo que o brilho nos olhos dele poderia ser o mesmo que ele encontrava nos meus.
Ele estava mesmo me ajudando com toda a recuperação pós-Will, porém eu não tinha certeza se era sobre isso o que a mulher estava falando.
Eu poderia ter entendido errado.
Ou não.
— Eu não deveria ter feito isso, não é? — ele perguntou limpando o seu rosto das gotas de água que escorriam dele — você disse que não queria algo ocasional. Eu estraguei tudo, não é?
Ri dele e me aproximei, roubei um beijo de seus lábios.
— Acredite em mim, você não fez nada errado.
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