ESPECIAL DE CINCO ANOS: Muitos anos depois

Muitos anos depois


Haviam muitos ruídos bem distantes de Elisabeth. Ruídos que a distraíam da intensa luz a sua frente, porém nenhum deles conseguia mantê-la longe da mesma. Sua atração por ela era mais forte do que qualquer outra coisa que ela já havia sentido antes.

Mesmo um pouco hesitante, ela seguiu o seu caminho, hipnotizada por algo que não fazia ideia do que era.

Ela caminhou, sem rumo, sem contar o tempo que gastava e sem pensar se saberia voltar para o início de sua jornada. Nada disso a importava naquele momento. Tudo o que ela queria era saber o que havia de tão brilhante no final daquela estrada.

Os barulhos, de repente, cessaram, e ela olhou ao seu redor, vendo que tudo havia se transformado na intensa luz branca que agora a cegava.

Ela não conseguia mais ver suas mãos pálidas e enrugadas, ou seus sapatos ortopédicos que a ajudariam a lidar com sua joanete, ou até mesmo reclamar de sua prejudicada visão.

Não, ela não se sentia mais tão velha.

Ela não se sentia mais.

Ela não sentia mais nada.

E em apenas um minuto, ela viu toda sua vida bem diante de seus olhos. Do final até o início.

Ela assistiu todos os momentos que se prometeu jamais esquecer. O nascimento de seus netos. O casamento de seus filhos. A formatura de seus filhos. A morte de seus pais. Sua mudança para o continente. Seu casamento com Jason. Seu primeiro dia na delegacia. Seu embate com Andrei. Seu primeiro encontro com Jason. Seus momentos preciosos com seus amigos. E William.

E como se ela o tivesse chamado, William estava bem a sua frente, com o mesmo jeito criança-adolescente que ela havia visto pela última vez.

Ainda estava com sua franja ridícula, sua blusa vermelha, sua bermuda azul, o machuado em seu joelho e o cadarço desamarrado. Tudo o que ela se lembrava. No entanto o que realmente a chocou foram os detalhes que ela não se lembrava. Como o nariz dele era mais redondo que o dela. Como seus dentes eram mais alinhados. Como suas sobrancelhas eram mais grossas. Como seus olhos eram mais transparentes.

Ele estendeu a mão na direção dela e ela a pegou, vendo que havia rejuvenecido para a idade que ele a havia deixado.

Ela tomou sua mão com ternura, segurando-a com força e sentindo a maciez e o carinho se espalharem por sua pele.

Ele era mais real do que ela.

— Você está aqui — ela sussurrou, sentindo sua garganta se amarrar com todas as palavras que ela não seria capaz de pronunciar.

— Eu te prometi que iria esperar — ele deu se ombros, guiando-a por um caminho que vagarosamente aparecia ao redor deles.

Era um campo infinito, cheio de pessoas andando, conversando e esperando. O verde do campo estava colorido com flores, bancos e árvores. E acima deles, havia apenas uma luz branca, que desaparecia ao horizonte, um local que pessoas também desapareciam.

— Você me esperou por todos estes anos? — ela indagou, olhando ao seu redor quando eles escolheram um banco para se sentarem.

Era confortável, porém algo a dizia que ela deveria seguir em frente, até o horizonte. Contudo ela conseguiu resistir aquela vontade, porque William estava ali com ela.

Talvez não tivesse nem carne, nem osso, mas ele estava ali e aquilo era a única coisa que lhe importava.

— Não esperei muito. Tem pessoas que esperam mais — ele voltou a falar, vislumbrando algo que ela não conseguia enxergar. Ainda — mamãe e papai lhe mandaram oi. Eles queriam te esperar, porém eles já estavam cansados e queriam descansar.

— Você encontrou com eles? — ela colocou a mão sobre o seu peito, sentindo-o doer.

— Eu encontro com todos, até você — ele sorriu, fechando seus olhos.

— Não vai me perguntar nada? Sobre mim? Sobre minha vida? — ela se sentiu um pouco ofendida pela suposta indiferença dele.

— Temos tempo, Ellie. Finalmente temos todo o tempo do mundo — ele passou o braço pelos ombros dela, puxando-a para perto e beijando sua cabeça — e eu sei. Eu sei de tudo sobre você. Sei dos seus filhos, netos, amigos e até do seu emprego.

— Mas como, Will? — ela o olhou, aceitando o abraço e se apoiando nele.

— Eu nunca te deixei, nunca deixei de acompanhar todos os seus passos, nunca me permiti fechar os olhos enquanto você não fechasse os seus — ele respondeu com seriedade — eu sempre estive com você.

Ela sorriu, sentindo lágrimas banharem suas bochechas e a realidade do que ele lhe falou a atingir. Ela as vezes se sentia solitária, sozinha e esquecida, porém havia sempre um pequeno calor em seu coração lhe lembrando de William e de todas as pessoas que a amavam — e talvez este calor fosse William, acomodado dentro de seu peito.

— Então, como foi? — ele indagou e ela o olhou, sem saber o que responder — como foi a sua vida?

Ela refletiu, sentindo o peso do passado mais leve, deixando-a. Os momentos ruins se diluindo em distantes pesadelos enquanto os bons se concentravam em suas veias.

— Foi difícil, mas foi inesquecível — ela suspirou — queria apenas que você estivesse ao meu lado para poder presenciar tudo.

— Eu também — ele plantou mais um beijo na testa dela.

— E como foi? — ela devolveu a pergunta — me esperar por quase sessenta anos?

— Como um longo sonho do qual eu jamais acordei — ele respondeu — alguns dias eram mais reais que outros, porém eu aprendi um jogo que me ajudava a passar o tempo.

Ela sorriu, olhando para onde William olhava e percebendo que ali, a luz branca não estava mais tão intensa e haviam imagens se formando. Silhuetas. Pessoas. Jason.

Ele estava sentado ao lado dela na cama da qual ela jamais acordou. Chorando pela perda de sua esposa, da mãe de seus filhos, de sua companheira e melhor amiga.

Ao lado dele estavam seus filhos: Harvey, Mathew e Dolores.

— O nome do jogo é: "o que eles vão fazer agora?" E nós começamos a conversar sobre o que eles devem fazer — ele explicou, assim como ele a havia explicado a Teoria dos Desejos e todas as suas loucas ideias.

— Qual a diferença entre isso e observar enquanto eu ainda estava lá? — ela questionou, porém, dentro de sua mente, ela já estava criando os próximos passos de Jason.

— Aqui não temos voz. Somos meros espectadores da vida de quem amamos e não podemos fazer nada para mudar o que está acontecendo lá — ele esclareceu — o quanto mais tempo passamos analisando as escolhas de uma pessoa, melhor.

— E como isso pode ser bom? — ela sussurrou, sentindo sua alma doer ao ver Jason tão desolado.

— Porque isso significa que eles estão vivos. E é apenas isso o que podemos desejar a eles. Uma longa e boa vida.

Ela parou para cogitar, pesando os argumentos dele com as convicções dela.

Ela estava prestes a recusar o jogo quando percebeu que Jason havia parado de chorar, pois Gabi, sua neta de seis meses, estava rindo e chamando-o para pegá-la em seus braços.

Ele engoliu suas lágrimas, estendendo seus braços e a embalando ali, voltando a sorrir, a amar e a viver.

Novamente William tinha razão.

— Eu acho que Gabi vai começar a chorar a qualquer momento — ela comentou, capturando a atenção de William e percebendo que ele estava chorando.

— Acho que Harvey vai chorar primeiro — ele a corrigiu e os dois sorriram.

Ela deixou algumas lágrimas escorrerem por seus olhos, sabendo que mesmo ali, tão perto, ainda estava longe demais. Tudo o que ela mais queria era poder compartilhar estes momentos com sua família. Com Jason.

Então era assim que William se sentiu por tantos anos? Um mero espectador no espetáculo da vida dos outros?

— Eu... eu gostaria de esperar por Jason, se você não se importar — ela pediu.

— Não esperava menos. Mal consigo me aguentar de emoção ao pensar que posso revê-lo e fui eu quem os juntou — ele sorriu, tão feliz consigo mesmo que ele não conseguia esconder o orgulho daquela pequena ação sua — e fique tranquila, aonde estamos não existem monstros para assustá-la.

— Não tenho mais medo de monstros — ela murmurou — tenho medo de pessoas e como elas se tornam monstros.

— Bem, eu ainda estou aqui para protegê-la. E você sabe que minha regra ainda é válida, não sabe? É só dizer aos monstros que você me ama que eles irão embora — ele a abraçou mais forte com a voz rouca de emoção.

— Obrigada, Will — ela fechou seus olhos, sentindo que aquele poderia ser o seu primeiro momento de pura e plena paz em anos.

— Boa noite, Ellie.

E no final das contas, os anos se passam e algumas coisas não mudam, pois o primeiro pensamento que cruzou sua mente quando ela adormeceu foi: Meu irmão me ama.


A/N:

DEPOIS DE 5 ANOS <3 Eu estava com ideia deste especial por muito tempo, porém só agora consegui algo que eu gostasse. Não é para ser algo muito longo ou impactante, porém para mim Estilhaços sempre foi uma história sobre a Elisabeth e o William (Jason que me perdoe hahaha)

Espero que vocês gostem mesmo

Foi escrito de coração

Um beijo <3 

E lembrem-se: amar vale o risco <3333333

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