Doze minutos depois

Doze minutos depoia

Não sei por que, mas quando eu o avistei no banco da praça, eu me atirei em seus braços como se aquela fosse a primeira vez que nos encontramos depois de muito tempo.

Era um alívio vê-lo.

— Para que tudo isso? Não consegue mais viver sem mim? — ele perguntou depois de me soltar.

Tinha aquele sorriso no rosto, aquele sorriso que eu não sei se gostava ou achava irritante, acho que um pouco dos dois.

— Seu charme me fascina — revirei meus olhos e me sentei retirando as cartas do bolso, percebendo que eu teria perdido menos tempo se tivesse pedalado em minha bicicleta, porém ela estava quebrada.

— Acho que pode ser o meu beijo, as garotas costumam apreciá-lo.

— Na verdade eu não achei nada demais — olhei para ele com o mesmo olhar de desdém que ele havia me olhado antes.

— Não vou nem responder — ele balançou sua cabeça empurrando meu rosto para o lado enquanto eu ameaçava morder seus dedos.

Ele retirou algo de seu bolso, era o seu celular.

Desbloqueou a tela e me mostrou uma foto, pareciam várias letras riscadas dentro de algo de plástico ou metal, eu não tinha muita certeza.

Parei de brincar e fiquei séria.

Desviei meus olhos. Isso me lembrava uma prisão, alguém sofrendo, não queria saber quem ou por que, apenas não me senti bem olhando para aquilo.

— Isso estava escrito dentro do datilógrafo, foi feito com algo afiado para deixar a marca do lado de dentro e não a parte de fora. Foi pensado — ele voltou a me mostrar a foto e eu a olhei — está escrito...

— Perigo.

Apertei as cartas contra a palma de minha mão e coloquei a outra mão em cima da tela do celular mordendo meus lábios para que eles parassem de tremer.

— Perigo? Ele realmente escreveu isso? — sussurrei com medo das pessoas ouvirem e entenderem a nossa conversa enquanto eu mesma não a entendia.

— Você tem que ler as cartas.

Assenti com a cabeça lentamente, guardando uma no bolso e desdobrando a outra. Ela não era a carta do fax, não começava com “Querida Ellie” e estava manuscrita.

Senti a mão de Jason em meu joelho, ele o afagou tentando me dar forças e eu afastei um pouco a carta para que ele também a lesse.

Inclinou sua cabeça na minha direção.

Pequena Ellie,

Eu acho que o mínimo que eu posso fazer por você é tentar escrever essa carta, escrever uma carta, qualquer coisa que você quiser.

Provavelmente você não vai entender o que está acontecendo comigo, mas eu tenho que tentar fazer você entender a verdade, saber o que aconteceu.

A única verdade que existe. O único acontecimento que importa.

E é tudo minha culpa.

Eu acho que eu vou embora, enfim, isso não é um problema seu, mas pode se tornar. Não sei como começar a pedir perdão por esta confusão, acho que a melhor maneira de fazê-lo é contando o que está acontecendo, algo que há muito tempo você quer.

As pessoas acham que por nossa ilha ser pequena, ela não tem problemas. Eles acham que tudo o que tem aqui é mínimo e desvalorizado. Eles pensam que estão seguros.

Eles estão errados e agora eu conheço o nosso erro.

Conheci uma pessoa que me apresentou algo que eu não esperava que precisasse, porém quando comecei a usar, percebi que não conseguia mais estar longe daquilo.

Se você pensou em drogas está certa, se não pensou, acho que você ainda é inocente demais, minha Ellie...

Há alguns meses, eu soube que o que eu sentia não era mais satisfação, era um vício. Quando eu me afastava, começava a me descontrolar, ficava irado, louco... você já presenciou alguns destes momentos. Acredite, fica ainda pior se você volta a consumir depois do pequeno período de abstinência.

Eu jamais planejei virar um usuário, entretanto acho que ninguém planeja, sempre pensam que são mais fortes do que a vontade, que não ficarão dependentes.

É tudo mentira.

Eu não queria te contar por vergonha do que eu me tornei; você já tinha os seus problemas para cuidar, além de ter que cuidar de mim, porém, mesmo quando eu não merecia, você estava lá.

Sei que nenhum de nossos amigos era viciado, então não desconfie deles, Carrie, Gabriel e Jenny não tem nada a ver com meus problemas atuais com as drogas.

Isso é meu, inteiramente meu.

A parte boa é que eu estava começando a conseguir me controlar, conseguia ser forte e resistir à tentação, afinal eu não queria parar uma clínica de reabilitação. Seria meu fim, então estava tentando me salvar por conta própria.

Eu estava me saindo muito mal em matemática, exatas em geral, então pedi para um garoto de nossa escola, um garoto que eu só conhecia por causa do nome do pai, para que pudesse me ensinar.

Ele me ensinou, Jason Wright é o seu nome, o filho do senhor Gutcher, o ex-amigo do papai. Ele é uma pessoa legal, o pai dele também. Se você os conhecesse, concordaria comigo.

Com o passar do tempo, eu percebi que não importava o quanto eu me dedicasse a essa vida normal que eu estava tentando levar, era tudo uma mentira, uma farsa. Aquele William que você conheceu e amou, morreu.

Ele se foi.

Eu sinto muito, mas ele... eu não sou mais aquela pessoa.

Então começaram a surgir as cartas.

Elas apareceram em sequência, sempre com um número para contato que não estava cadastrado em lugar algum – não procure, já queimei este papel.

Um datilógrafo e um fax apareceram em meu quarto logo em seguida e eu soube, então, que tinha que responder as mensagens.

Eles eram dele.

Não, espero que você não conheça a pessoa que estou falando, e se conhecer, afaste-se antes que termine como eu, perdido no próprio sangue; lutando uma batalha perdida.

Eu estava com uma dívida com o traficante que eu conheci por causa desta pessoa, e ele queria que eu a saudasse. Eu não tenho esse dinheiro Ellie.

Entendeu agora o meu problema?

Não precisa rasgar a carta ou me xingar; qualquer coisa que um dia você for falar eu já sei, e, mesmo assim, eu não queria que você ficasse sabendo disso. Eu nunca quis envolvê-la.

O traficante queria segredo, disse que eu tinha que conseguir o dinheiro para ele o mais rápido possível, até setembro. Tenho dois meses para conseguir todo este dinheiro.

É muito dinheiro. Tanto dinheiro que nem mesmo eu sei quanto eu consumi, porém jamais iria contra a sua palavra, não queria morrer pela sua arma.

Isso é um segredo, nunca contei para você por pensar que eu conseguiria ser a primeira pessoa a fazer aparecer dinheiro sem ter que trabalhar ou qualquer outra coisa.

Vendi algumas poucas coisas que eu sei que você jamais perceberia, ou que mamãe não sentiria falta... isso foi apenas o começo, paguei uma parte, porém faltava o restante.

Aquele restante que eu não conseguia dinheiro.

Então eles me disseram que se eu trabalhasse como traficante deles, deixariam a dívida passar e eu poderia usar o meu “salário” para comprar drogas.

A princípio pareceu um bom plano, até eu olhar de perto e perceber o quanto deveria me envergonhar do que eu estava fazendo fazer.

A droga me transformou em um monstro.

Não poderia sair, eles não deixariam.

Eu não estava com boas alternativas.

Ellie, pequena e esperta Ellie, se eu fosse um pouco mais como você não estaria com tantos problemas quanto estou hoje, pois eu não posso negar ou saudar a dívida deles.

Eu simplesmente não posso e não consigo. Nenhum dos dois.

Eu não poderia contar a você sobre isso, provavelmente o traficante iria querer que você entrasse neste mundo e eu não teria como negar. Você é minha irmã, não poderia levá-la ao covil do lobo como oferenda pela minha vida.

Isso não vale a pena ser comentado, mas ele é uma pessoa que você jamais iria querer cruzar o caminho, fique longe dele, ele é um homem persuasivo e perigoso.

Não quero colocar você em perigo, o quanto menos você souber, melhor, entretanto eu não posso não falar sobre isso, pois se algum dia eu tiver que ir embora de repente, você tem que saber a verdade – e eu sei que você vai descobrir esta carta se preciso.

Eu confio em você mais do que confio em mim mesmo. Você jamais me abandonou e eu posso acabar sendo a pior pessoa que você já conheceu.

Eu sou fraco. Sou tão fraco que eu não consigo mais lidar com os meus próprios problemas.

Eu vou terminar com Melody, não sei quando, mas eu vou. Ela merece alguém que possa ser sincero com ela e a coloque antes de qualquer coisa. E neste momento eu... eu não sou mais a mesma pessoa que um dia você conheceu, eu mudei.

Dizem que a verdade muda os homens. Dizem que quando você fica ciente da verdade, você pode acabar preferindo a mentira, por ser mais fácil de lidar.

A verdade é que você não muda por causa da verdade, você muda quando percebe que nem mesmo a verdade pode salvá-lo. Sou um caso perdido. Um caso drogado, egoísta e fraco, perdido. Não mereço ser salvo.

Agora eu estou envergonhado e não tenho coragem de contar a você aquilo que você merece saber.

Eu tenho medo de fazê-la me odiar para sempre, porém seria mais fácil, assim você poderia parar de falar comigo e não sofreria tanto, não iria querer se envolver neste meu problema.

Se você não me amasse, poderia ser mais feliz.

Estamos em perigo Ellie, a ilha é a causa da nossa desgraça. Descobriram que aqui existe uma erva tão forte que apenas na primeira tragada o vício já é evidente. Ela, literalmente, pode destruir seu cérebro.

E eu, o seu brilhante irmão, está viciado nisso, além... esqueça.

Estão extraindo esta erva da ilha, usando-a e vendendo-a para o continente. A demanda é grande, porém a ilha é o mercado consumidor mais agressivo! Se você soubesse da realidade...

Eu os ajudei. Eu ajudei por causa de minhas aulas de química e biologia. Ajudei-os a conseguirem compactar e vender o pó em capsulas. E eu, também, deixei-me levar pela vontade.

Quando dizem que depois de experimentar a primeira droga as outras vem por consequência... eu pensei que era um mito, mas depois de um tempo você almeja por mais, mais, mais, e não se satisfaz com aquilo que antigamente consumia. Começava a rondar algo mais pesado.

O que eu me tornei?

Eu não sabia, mas os ricos do continente estão mais interessados nos pequenos detalhes da ilha do que qualquer morador. Eles estão bancando a produção das drogas. Tudo isso para nos enganar, fingir que estão nos ajudando para se aproveitarem de nos no final!

Se alguém descobrir este meu segredo, alguém que não deve, estamos perdidos. Eles vão me matar, vão te matar por pensar que você sabia de tudo. Quando se trata de dinheiro, não existem amigos.

Essas pessoas com quem eu estou me envolvendo, querendo e não querendo, não tem medo de puxar o gatilho.

Fique longe do caminho dele. Eu estou tentando sair, mas não consigo.

E eu acho que eles não pararão apenas com a droga, precisarão de pessoas para a extração. Tome cuidado, não se iluda como o seu tolo irmão o fez.

Então agora você já sabe.

Para piorar eu acho que estou envolvido com Vanessa – aquela garota que eu nunca quis que você começasse a conversar por ser interesseira e antipática.

Acho que pelo fato de ela não me amar como Melody, a companhia dela é tolerável.

Eu estou precisando de companhia, mas não suportaria destruir a vida de outra pessoa com o que eu me tornei. Não quero que ela chore ou se preocupe comigo, não mereço este tempo perdido de mais ninguém, por isso que ela é a pessoa ideal.

O problema é que eu posso estar gostando dela um pouco mais do que o necessário para um relacionamento físico pelo fato de eu não ter que gostar dela.

Quem diria, não é?

Sou exatamente um hipócrita, não a julgarei se você pensar assim de mim.

Ellie, o que eu estou fazendo comigo mesmo?

Eu queria poder contar tudo isso para você, mas acho que não vai ser bom, você não precisa ouvir isso, não merece mais ter que aguentar os meus problemas.

Viva a sua vida.

Eu sinto muito, por tudo o que eu já fiz e pela distância que eu criei entre nós, acredite, preciso de você mais do que nunca precisei antes.

No entanto você não pode me ajudar. Desta vez, o seu grande e infinito amor por mim não pode me salvar do tráfico.

Eu sinto muito por tudo, mas ainda dá tempo.

Eu posso voltar a ser decente, posso não sentir mais isso por Vanessa, posso voltar para Melody, posso encontrar uma brecha e sair desta vida.

Eu tenho tempo Ellie, só não desista de mim, por favor.

27/07

— Você não tinha tanto tempo quanto achava, seu miserável — murmurei soltando a carta ao perceber que Jason estava segurando-a do outro lado de tão absorto nela que não me ouviu.

Julho.

Dois meses antes de ele morrer.

Levantei-me e passei os braços ao redor de minha cintura ainda pensando na carta.

Como eu conseguia ouvir a sua voz dentro de minha cabeça. Como se eu pudesse ouvi-lo narrando-a para mim.

Ele já sabia o que estava fazendo, o quão bagunçada estava a sua vida, porém ele não sabia que iria morrer.

Ele foi morto.

Agora eu tenho uma prova.

E o que é a minha grande prova contra a palavra do desta pessoa misteriosa que eu não sei quem é?

Ninguém acreditaria em mim e eu estaria em ainda mais perigo. William era tolo, ele não poderia imaginar que ele era imune ao vício das drogas.

Ele era curioso e inconsequente.

Um idiota completo.

— Lise... — vir-me-ei, não sabia o motivo, porém soube que Jason estava falando comigo com aquele novo apelido.

Carros de polícia passaram por nós, estavam apressados, buzinavam, as luzes estavam acesas.

Iam em direção a minha casa.

Não fiquei para ouvir o que Jason tinha a dizer, corri na direção do carro da polícia lembrando-me da vez em que o policial chegou em nossa casa dizendo que William havia se matado.

“Ele morreu, William pulou do penhasco”.

Eu não iria suportar outra perda.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top