Capítulo 4
Escrever, para muitos, é alcançar a imortalidade. É existir na cabeça de alguém, mesmo depois de muito tempo esticado num caixão ou mesmo quando reduzido ao pó. Enquanto houver uma mente humana em funcionamento no universo o escritor pode ser lido, suas palavras ficam guardadas em potência entre o espaço das páginas à espera que alguém tire o livro da estante, ou quem sabe de uma caixa empoeirada e, nesse momento, mesmo anos depois, décadas após, quem sabe séculos, o morto volta a falar. Volta a falar com alguém de gerações à frente, com alguém que encara o mundo de uma forma que, muito provavelmente, o escritor não compreenderia, tamanha a diferença. Quem sabe o escritor de hoje possa ser lido em outro planeta um dia, Marte, talvez avançando até uma barreira interplanetária. Mesmo com essa disparidade temporal e geográfica, autor e leitor trocam experiências, o morto fala e o vivo escuta. Talvez não precisássemos ir tão longe: o escritor pode permanecer vivo na leitura de seus familiares. Ler e reler um livro, quantas vezes forem necessárias para acomodar a saudade e ouvir de novo o ente querido que nunca mais falará por sua própria boca. Como é linda a experiência de se eternizar. "Escreveremos porque não queremos morrer. Esta é a razão profunda do ato de escrever" – disse um famoso e renomado escritor português, vencedor do Prêmio Nobel uma vez, em entrevista.
Confesso que essa ideia de ser eterno em palavras para um ateu como eu é bastante atraente. Já que não espero nada após, existir não em espírito, mas em palavras, ao menos, é realmente muito interessante. A mente humana, mesmo a mais cética, é programada para não aceitar sua finitude, portanto, qualquer ideia de pós-morte se torna sedutora. O cérebro humano evoluiu para apegar-se a qualquer evento sobrenatural – diriam os neurocientistas. No entanto, a análise fria e profunda é que, quando o meu mundo pessoal acabar, após a minha morte, qualquer coisa vai ser indiferente. Posso estar sendo lido, posso não estar sendo lido, simplesmente não vou existir para ver e saber o que está acontecendo, o que estão fazendo com a minha obra. Não ficarei orgulhoso, feliz, pela simples explicação de que não estarei observando de fora. O não existir após a morte é igual para todos, tanto para Sócrates, Platão, Shakespeare, Nietzsche, Machado de Assis, Fernando Pessoa e seus heterônimos (até eles morreram) quanto para o funcionário público, o padeiro, o empresário, o motorista de ônibus e para o escritor do livro que não existe. O pós-morte é igual à pré-concepção: indiferente. Antes de ser concebido eu não estava preocupado em nascer, após a morte será exatamente igual, não estarei preocupado com meu nome. Então, em termos práticos e objetivos, ser eterno em palavras não vale de muita coisa. Em verdade, ser eterno em palavras vale como um conforto apenas para se sentir eterno enquanto se vive. O escritor terá o trunfo, no leito de morte, de acreditar que ficará pelo mundo em suas letras e só, um momento apenas, um conforto para a vida, não para a morte. Um afago quente no ego. Mas é só isso e disso não ultrapassa. A eternidade do escritor ateu tem validade de uma vida apenas. Essa dura realidade me traz menos vontade ainda de prosseguir com a ideia infeliz desse livro. Não há por que se esmerar em prosseguir o livro que não existe. Apenas algo extremamente interessante, instigante, excitante poderia me fazer voltar a escrever.
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