XVII
Aline insistiu em fazer o jantar. Foi a primeira vez que ela pediu para fazer algo do tipo e parecia bastante segura. Thiago tentou ajudar, mas ela quis fazer tudo sozinha, pegou-o pelos ombros e fê-lo sentar na cadeira da cozinha, assim ele ficou assistindo cada passo que ela dava.
Mostrando-se bastante segura, ela catava alguns ingredientes dentro da geladeira, lavava, cortava, picava, refogava com uma habilidade impressionante, enquanto cantarolava uma música que Thi não conseguia compreender totalmente, o sotaque bastante carregado durante a canção fazia-o esforçar-se bastante para entender uma palavra ou outra. Quando Aline estava prestes a pôr a mesa, Jú e Marcus chegaram em casa.
— Que cheiro bom! O que é isso? – Marcus perguntou enquanto preparava a cadeira para sentar.
— Ah, pronto! Dormiu aqui ontem, vai jantar hoje de novo... Traz umas mudas de roupas e mora logo aqui. – Thiago fez graça e o amigo riu fazendo careta.
— Arroz carreteiro. – Ela respondeu.
Júlia correu, apanhou uma colher e enfiou na panela, experimentou e disse:
— Que delícia! Esse trem é muito bom! Mas parece que você fez para 20 pessoas.
— Deixe de ser malina, Praguinha. Gente, que falta de educação! Mainha não te ensinou esse tipo de coisa, não! – Thiago reclamou.
Jú deu de ombros e começou a colocar pratos e talheres sobre a mesa. O jantar dos quatro teve um clima bastante leve, as conversas a respeito do dia de cada um rechearam a noite. Mas o prato sulista que Aline preparou deixou Thiago bastante pensativo e mais convicto sobre a história que Prado contou.
Próximo das 22 horas Marcus decidiu ir embora, Júlia o acompanhou até o portão e esperou até que ele entrasse no carro. Ele colocou a chave na ignição, e Jú ainda esperava sua saída, na calçada, recostada no muro. Marcus deu algumas batidinhas com os dedos sobre o volante enquanto olhava fixamente para o final da rua, pensativo, mordendo o lábio inferior. Levou um susto ao ouvir três batidas na janela do motorista, Júlia lhe sorria do lado de fora. Ele baixou o vidro ainda assustado, sem dizer qualquer palavra.
— O que foi? Não vai embora não? – Jú questionou. Ele passou a mão na nuca, sorriu amarelo. – Esqueceu o caminho de casa? Ou gostou de dormir coladinho com meu irmão?
Marcus abriu a porta e saiu do carro, enfiou as mãos nos bolsos da calça social e balbuciava palavras incompreensíveis entre um sorriso e outro. Júlia arqueava a sobrancelha como se esse movimento a ajudasse a compreender o que aquele homem estava falando. Ele desviava o olhar e apertava os dentes enquanto sorria com os lábios fechados, evidenciando leves covinhas nas bochechas. Jú suspirou soltando um sorriso ainda maior, aproximou-se dele e começou a ajustar sua gravata que estava com o nó frouxo, depois começou a mexer em seu colarinho enquanto falava:
— Eu não entendi um "A" do que você disse, Seco. - A feição dele foi ficando séria, gradualmente. – Mas eu tô te achando muito fofo!
O rapaz retirou as mãos dos bolsos e segurou o rosto de Júlia, levemente, e beijou-a, sem lhe dar chance de defesa. Ela agarrou o colarinho de Marcus e foi aproximando seu corpo ao dele, automaticamente, como se fossem os lados opostos de dois ímãs.
O som estridente da voz de Thiago interrompeu o beijo do casal, que tentou disfarçar o acontecido.
— Oh, Marcus, você esqueceu sua carteira em... cima... do... sofá... O que é que tá acontecendo? - Marcus pigarreou, Thiago olhou desconfiado, para os dois, entregou a carteira. – Deixa pra lá! Jú, não demora entrar porque é meio perigoso aqui fora.
Ela assentiu e quando ficaram a sós novamente, Jú falou:
— Então... O que foi isso?
— Precisa ficar mais claro? Eu estou perdidamente apaixonado por você! Já tentei de tudo para não pensar em você, para não querer estar com você, mas cada vez que respiro longe de você meus pulmões doem de saudade sua.
— Não seria o coração? – Riu.
— Cada parte de mim sofre na tua ausência. Cada pedacinho meu clama por um pouquinho mais de você. Por isso que eu demorei tanto dentro do carro, eu não queria ir embora. Eu não quero ir embora e ficar um segundo longe de você. Eu sei que eu nunca falei nada parecido durante todo esse tempo que nos conhecemos, mas só agora eu caí na real, por isso que fiz tanta besteira esses últimos dias e estou profundamente arrependido, porque eu deveria ter me declarado antes.
— Eu nunca te vi falar tanto.
— Vou resumir então: Júlia, eu te amo!
Ela atirou-se ao pescoço de Marcus e beijou-o, ele abraçou sua cintura, todo derretido, ao perceber que seu amor estava sendo correspondido.
*
O dia raiou e por mais que Thiago quisesse ele não poderia faltar por dois dias consecutivos. Uma mistura de arrependimento por ter faltado no dia anterior e alívio por ter conseguido passar um dia inteiro ao lado dela, sob o risco de não haver outra oportunidade como aquela, tomou conta dele. Antes de sair encheu a irmã de recomendações:
— Não abra a porta para ninguém, não fale com ninguém, não saiam de casa, por favor. Qualquer coisa estranha que venha acontecer, me ligue imediatamente, certo?
Júlia já sabia de tudo isso de cor, apesar da família viver em uma cidadezinha do interior, vez por outra ouvia-se casos de assaltos, por isso passou a vida inteira ouvindo tais frases da boca de sua mãe, sempre que precisava sair para ir ao mercado e deixá-la sozinha em casa; mas agora todos esses cuidados referiam-se a Aline. Claro que o irmão se preocupava, e muito, com ela, mas aquele era o dia D e até mesmo Júlia tinha medo de chegar uma ruma de gente e levar a moça à força para sabe-se lá onde.
De hora em hora Thiago enviava mensagens para a irmã a fim de certificar que estava tudo dentro da normalidade. Não conseguiu comer direito, o almoço não desceu, apesar do esforço. A tarde lenta arrastou-se e ele não conseguiu manter-se sentado sobre a cadeira; pensou em uma série de desculpas para sair mais cedo, mas nenhuma era suficientemente convincente, ele não era bom em mentir, e já havia gasto praticamente todo seu vocabulário de desculpas, sobraram algumas esfarrapadas e vagabundas que não ludibriariam ninguém. Restou-lhe apenas esperar o tempo passar.
E o tempo passou, ele quis voltar correndo para casa, então pediu a Marcus que lhe desse carona, que resistiu num primeiro momento alegando estar fedido e que não daria para encontrar Júlia naquele estado. Thiago choramingou e ele acabou cedendo.
Por sorte o trânsito fluiu bem e não demorou muito para chegarem a casa. Marcus apenas deixou o amigo e foi embora. Thiago entrou procurando por Aline desesperadamente e a encontrou sentada no quintal, no chão. Ele se jogou abraçando-a pelas costas, aliviado de vê-la ali.
Ela estava tensa, preocupada; beijou suavemente os lábios dele e acariciou-lhe o rosto.
— Vai ficar tudo bem! – Disse ele.
— O Prado veio aqui. Eu estava te esperando para irmos à DP. – Aline respondeu com voz baixa.
— Como assim, ele veio? Que horas? Eu falei para a Jú me ligar se algo acontecesse e falei para não atender ninguém.
— Ela não queria te preocupar... Nós sabíamos que isso iria acontecer. Não há como evitar, Thi. Eu só quero que você esteja do meu lado... Por favor.
— O Felipe veio sozinho? Tinha mais alguém com ele?
— Ele estava só. Jú abriu a porta porque ele é policial... não briga com ela.
— Eu não vou brigar... Eu não vou brigar... – suspirou.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top