XV

As meninas dividiram a cama de Thiago, ele dormiu novamente no sofá, já estava praticamente habituado ao móvel. A presença de Júlia distraiu Aline a ponto de fazer com que ela já não se preocupasse tanto com a história contada por Prado. Thiago, que já não tinha segurança em deixar a moça sozinha por medo de a possível família chegar a qualquer momento e levá-la para longe dele, estava mais tranquilo por saber que nos dias subsequentes sua amada teria companhia e que ele seria avisado imediatamente se qualquer coisa incomum acontecesse.

Todas segundas-feiras são "barril" para Thiago, mas essa foi especial por alguns motivos específicos: Ele não tirava Aline da cabeça, e isso o deixou mais aluado que o normal, sua sorte é que Marcus estava todo serelepe com a chegada de Júlia e ficou colado nele o dia inteiro perguntando por ela e tentando convencer o amigo a convidá-lo para o jantar, então acabou por salvar Thiago de diversas situações possivelmente constrangedoras; outro motivo foi a volta do poderoso chefão. Doutor Arnaldo foi obrigado a viajar com a amante por um final de semana inteiro, debaixo de chantagens, o que o desagradou muito, o velho barrigudo estava enfezado e descontando sua raiva em todo mundo, e como de costume, seu bode expiatório era o doutor Thiago, ninguém nunca soube o motivo, talvez por ele ser o "bonzinho" da turma acabava sendo o escolhido pelo chefão para engolir sapos e fazer favores que não tinham nada a ver com o trabalho. Foi um dia daqueles!

Para Júlia foi uma festa, estava radiante com a mais nova amiga, afinal ela sempre sonhou em ter uma irmã. Ela fez maquiagem na moça, aparou as pontas de seu cabelo, inventou penteados, brincaram de desfile de moda no quintal, assistiram a coreografias de grupos de k-pop e arriscaram uns passinhos, cortaram algumas camisetas velhas de Thiago para fazer vestidos. Aline estava amando a brincadeira, tudo para ela era novidade, mas vez por outra lembrava-se do que Felipe Prado falara no dia anterior e desligava-se um pouco do momento. Júlia, em contrapartida, inventava algo para distraí-la, e no fim das contas, acabaram dando uma faxina na casa inteira, que não era grande e nem tinha muitos móveis, e deixaram o quartinho da bagunça nos trinques.

Enquanto lanchavam, ao redor das 15 horas, Júlia teve a ideia de comprar um colchão de casal para colocar no antigo quarto da bagunça, que agora estava limpinho, e tirar o irmão do sofá, que era muito pequeno para seus 1,84 m de altura. Dentre as poucas coisas que Thiago havia feito para a irmã caçula, estava um cartão de crédito adicional, cujo limite não era lá essas coisas, mas ela conseguia organizar suas coisas, pagar cursinhos, comprar algumas coisas para sua mãe, mas evitava gastos excessivos, pois segundo ela, não queria ser uma Priscila número dois.

Jú então com o cartão de crédito na mão, arrastou Aline para o Centro Comercial atrás de um colchão barato. Sempre que ia visitar o irmão, Jú passeava pelas lojas de Taguatinga, pois para ela era um hobby bater perna para olhar vitrines enquanto chupava dindin, assim, conhecia a Avenida Comercial como a palma de sua mão. Pechincharam bastante até encontrar uma loja que fazia entrega sem cobrar pelo serviço e o colchão era de qualidade razoável e preço justo.

Assim que saíram da loja em direção à parada de ônibus para voltar para casa esbarraram, literalmente, em Priscila. A loira, platinadíssima, estava sozinha, cheia de sacolas penduradas nos braços, um scarpin azul, que combinava com a bolsa de mão que trazia entre as sacolas de compras, um microvestido bege de manguinhas curtas e um ódio latejante no olhar ao reconhecer as duas moças.

A louca, praticamente jogou as compras no chão e pulou sobre Aline com tudo, arranhando a coitada. Júlia, sem pestanejar, agarrou com força os cabelos de sua inimiga mortal, tentando arrancá-la de cima da moça que não conseguia se defender dos avanços raivosos da loira. As três rolaram pela calçada, sacolas caíram no asfalto, as pessoas gritavam ao redor, chinelas voaram dos pés, uma arenga amuada. O pau quebrou feio, ninguém se atreveu a separar a briga, até a polícia chegar e resolver a situação, ali mesmo na calçada. Alguns policiais escoltaram Júlia e Aline até entrarem no circular, enquanto um outro acompanhou Priscila até seu carro, esta seguia aos berros.

As meninas chegaram em casa arranhadas, sujas, cheias de hematomas com partes de suas roupas rasgadas.

— Eu ligo para meu irmão e conto o que aconteceu?

— Melhor esperar ele chegar.

— Tá certa! Capaz que ele largue o serviço antes de terminar o expediente, né?!

— É! E nem foi tão grave assim. – Aline falou observando os arranhões pelos braços.

— Aquela bruxa ficou bem pior que a gente. – Júlia riu, desembaraçando os cabelos da amiga com os dedos.

— Ela vai ter que usar peruca. – Aline gargalhou. – Você quase deixou a megera careca!

— Não acredito! – Júlia exclamou cobrindo a boca com as mãos. – Você xingou! Deve ser a primeira vez na vida que você xinga alguém.

As duas riram da situação e Júlia até se sentiu feliz por ter colocado todo ódio acumulado por Priscila para fora através dos puxavancos de cabelos e unhadas nas costas de sua arquirrival, e ficou se gabando da situação, relatando o ocorrido para Aline, contando sua versão dos fatos, como se ela não tivesse presenciado ou participado do quebra-quebra. A moça ria de Júlia e vez por outra gemia de dor.

Elas demoraram algum tempo na cozinha conversando, esqueceram-se até de tomar banho e cuidar dos ferimentos. O caminhão de entregas da loja trouxe o colchão e colocaram no quarto vago. As meninas forraram-no com um lençol e deitaram-se sobre ele, ainda sujas narravam o evento, e a cada novo relato acrescentavam um pontinho de inverdade para amaciar seus egos. Parecia que as duas já se conheciam há décadas. Ao anoitecer acabaram dormindo sobre o colchão novo, descabeladas, com as roupas sujas, e com pequenos ferimentos expostos.

Marcus amolou tanto o amigo que conseguiu ser convidado para o jantar, com a condição de que ele compraria comida para os quatro. A janta? Pizza! Marcus teve a brilhante ideia de passar em sua pizzaria favorita e comprar as pizzas para o jantar, mesmo sabendo que chegariam frias à casa, por conta da distância percorrida e do trânsito naquele horário. Thiago por fora mostrava-se chateado por ter que levar o amigo para perto da irmã mais uma vez, por dentro estava feliz por ganhar carona para casa. Durante o trajeto Thi cogitou ligar para a irmã a fim de avisar que não preparasse janta, mas fora impedido pelo amigo:

— Quero fazer uma surpresa para elas!

— Que surpresa? Que vai ter pizza fria para a janta? – Questionou Thiago.

— Claro que não! Eu sou a surpresa!

— Ah, vá!

— Tem mais uma coisa. – Continuou. – Eu vou dormir na sua casa hoje.

— O quê? Mas nem vê! Não tem nem lógica você dormir na minha casa. Nesses anos todos você nunca quis sequer me visitar, agora que minha irmã tá aqui, fala em dormir lá em casa? Pode tirar o cavalinho da chuva! Primeiro que nem tem lugar pra você.

— Velho, a Prislouca estava na jogada, né?! Não tinha condições de encostar em você! E eu trouxe cobertores e um colchonete no porta-malas.

— Você é inacreditável! Se encostar em minha irmã eu te mato!

Ao chegar em casa perceberam que tudo estava limpinho e cheiroso, mas estranharam o silêncio. Os dois conheciam Júlia muito bem e por isso ficaram preocupados e perambularam pela casa em busca das meninas. O quarto da bagunça era um cômodo pouco visitado, sendo, portanto, o último lugar a ser revistado. Quando finalmente Marcus abriu a porta do quarto deparou-se com as meninas moribundas sobre o colchão e subentendeu que estavam inconscientes pelo estado deplorável que se encontravam, perdeu a cor e gritou:

— Thiago, corre aqui, rápido!

Com o grito as moças acordaram assustadas, mas não pronunciaram qualquer palavra. Thiago veio desesperado, pensando no pior quando observou o modo como elas estavam.

— O que aconteceu?

Júlia, ainda variada de sono explicava a situação enquanto Thiago passava a mão, assanhando os cabelos desesperadamente, e Marcus buscava conforto recostando-se no batente da porta, tentando controlar a respiração e desacelerar seus batimentos cardíacos. Aline observava-os com cara de preocupação e Júlia ria entre uma frase e outra.

Antes da irmã terminar de contar o desfecho da história, Thiago arrancou a chave do carro do cós da calça de Marcus e rumou para o portão feito um búfalo furioso. Aline seguiu correndo atrás, pedindo-o para esperá-la, sendo, no entanto, ignorada. Quando finalmente o alcançou, agarrou seu braço e falou:

— Não vá! Tá tudo bem! Nós estamos bem! Deixa passar dessa vez.

— Como assim, deixa passar? Não dá pra deixar passar, Aline! Olha como vocês estão! Ela tentou te agredir no shopping e eu deixei passar, agora não dá mais! Eu não posso deixar como está!

— Fica calmo, não foi nada!

— Vocês estão cheias de hematomas, o que ela pode tentar fazer depois?

— E o que você vai fazer agora? Não há nada que você possa fazer! Foi apenas um desentendimento. Não irá se repetir.

Thiago, descontente, passava a mão no rosto tentando manter a calma, soltou-se das mãos de Aline, chutou o portão e agachou-se por alguns minutos. Ao sentir-se mais calmo, voltou para dentro de casa acompanhado da moça, quando presenciaram Marcus berrando ao telefone, ameaçando Priscila de todas as formas possíveis se ela voltasse a encostar um dedo em Júlia novamente.

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