XIV
Aline, assustada, agarrou-se a Thiago, que também não conseguia disfarçar o temor, afinal de contas, sua vida que já estava uma verdadeira lambança, agora via-se ainda mais recheada de incertezas. A única coisa que ele tinha convicção era que precisava proteger aquela mulher do que quer que fosse. Um abraço acochado dizia que ele estaria ali disposto a tudo por ela.
As batidas insistentes no portão fizeram Thiago afastar-se do abraço e, após segurar os ombros de Aline, aconselhou-a a se esconder até ter certeza de que não havia perigo para ela. Para a moça, o lugar mais seguro que havia, depois dos braços de Thiago, era o guarda-roupas dele, e para lá seguiu temerosa.
O rapaz não parava de pensar que poderia ser os familiares da tal desaparecida que já vinham atrás de sua amada. Apesar de Prado ter confirmado que os pais da moça só chegariam em dois ou três dias, ele sentia-se inseguro sobre qualquer coisa; esperava pelo pior.
Ao abrir o portão deparou-se com Marcus que não perdeu tempo em tagarelar:
— Eita, velho! Que enrola foi essa? Estava se emperiquitando, era? E o pior é que não deu certo, não! – Riu – Conseguiu ficar mais esculhambado que de costume.
— Eu vi você ontem! E você já tá na minha porta de novo? Se continuar vindo assim, vou pensar que você tá arriando os quatro pneus por minha pessoa. – Devolveu Thiago, aliviado ao ver o amigo, e não a personificação de seus pesadelos em sua frente.
— Eu vim aqui te trazer uma encomenda. – Os olhos arregalados e o sorriso refreado que tentava esconder sua euforia foram suficientes para instigar a curiosidade do amigo, que buscou, com o olhar saber que tal encomenda era essa.
Marcus deu um passo lateralmente à sua direita, revelando uma pequena e doce figura feminina que sorria feito um Lulu da Pomerânia quando está aparando os pelos faciais.
— Praguinha! – Thiago atirou-se nos braços franzinos da irmã mais nova como se ela fosse o conforto que ele precisava naquele momento, e era. – O que você está fazendo aqui? Chegou sem avisar...
— Eu estava com saudade, Thi. E além do mais, você me deixou preocupado com a história de fantasmas por aqui, eu vim exorcizar – riu – e também garantir que aquele outro fantasma insuportável não ronde mais sua casa.
— Tem outro fantasma? – Thiago riu já sabendo a resposta.
— Qual é o ser que atormenta tua vida, tira tua paz e te deixa com cara de quem levou uma voadora na caixa-dos-peito? A "Prisquila", "Prislouca", "Prissicopata" de sua ex-namorada. – Respondeu Marcus.
— O que você está fazendo aqui? Com minha irmãzinha?
— Eu...? Não é obvio? Eu trouxe a menina da rodoviária pra cá. Você sabe que é difícil aparecer ônibus circular por lá e mesmo assim eu não iria deixar a irmã do meu melhor amigo vir sozinha, né?!
— Sei... – Thiago respondeu meio "descabriado". – Quer dizer que você e a Júlia já estavam se falando antes de...
— Uai, posso conversar com ninguém não? – Júlia interrompeu. – Eu liguei para Marcus pra saber como você estava depois que terminou com a "Prisdoida".
— Eu não me lembro de ter falado pra você, pra painho ou pra mainha sobre o fim do namoro...
Marcus levantou a mão direita, desviando o olhar e confessou:
— Fui eu que contei.
Thiago olhou para os dois, cruzou os braços, entortou a cabeça e franziu os lábios:
— Dr. Marcus Ribeiro, vossa senhoria tem a palavra.
— Velho! Não vai nem me convidar para uma xícara de café?
O rapaz soltou os braços, arregalou os olhos e esboçou uma expressão facial de "agora, pofe!". Marcus entendeu na hora e soltou:
— A Júlia já sabe de tudo!
— Tudo o quê? – Rebateu o moço, assustado.
— Tudo, tudo! – Marcus falou, com a sobrancelha arqueada e um sorriso amarelo.
— Eu sei que a tal fantasma que você falou no telefone realmente existe e está morando com você! Então quanto a isso, tá de boa! Vai deixar a gente aqui do lado de fora ainda? Não seria melhor a gente conversar lá dentro? Já que você tá querendo interrogar o "Seco".
— Jú, já te falei um milhão de vezes para não me chamar assim. – Marcus resmungou.
— Até apelidinhos vocês já têm? Desde quando você tá engabelando minha irmã, macho réi?
Júlia arrastou Thiago pelo braço para dentro de casa, enquanto o amigo recolhia a mala da moça. Ela falava da saudade que sentia do irmão e que estava muito feliz por ele ter terminado com sua arqui-inimiga. Júlia tinha um ódio especial por Priscila, pois o rapaz praticamente abandonou a família por causa dos caprichos dela. A irmã morria de ciúmes, e certa feita, em uma das poucas visitas da família a Thiago, Priscila impediu que o então namorado acompanhasse-os em um passeio pela capital para que a levasse ao salão de beleza, foi uma confusão terrível, já que o rapaz cedeu às pirraças, e isso irritou seriamente a irmã.
Ao pisar os pés dentro de casa, Júlia procurou desesperadamente pela fantasma, assim como fez Marcus na primeira oportunidade que teve de conhecer a moça. Os dois amigos achavam graça de sua busca desenfreada. Só que diferente de Marcus, Júlia não procurou apenas pelos dos cômodos da casa, como também saiu curiando toda a mobília. Quando finalmente abriu as portas do guarda-roupas, Jú solta um gritinho seguido de um sorriso de satisfação pessoal, e exclama aos demais:
— Que fofa! Posso ficar com ela?
Aline, com feição amedrontada, ainda sem entender direito a situação sai, estabanada, de dentro do guarda-roupas e corre para os braços de Thiago, seu porto seguro.
— Hei, tá tudo bem! – O rapaz tenta acalmá-la enquanto afaga seus cabelos em um abraço. – Essa doidinha aí é minha irmã, a Júlia que você viu na fotografia, lembra? O Marcus você conheceu ontem... Ele veio trazê-la.
Aline, acanhada, olha à sua volta e percebe que está em família e, portanto, não corre risco de ser arrebatada de "seu" lar. Vagarosamente solta-se de Thiago e permite que a curiosidade de Júlia seja sanada.
— Uau! Você é muito linda, mulher! Tem razão do meu irmão ter largado a Bruxa do Mar Morto por tua causa! Qualquer um faria o mesmo.
— Júlia! Não foi assim que aconteceu! – O moço, quase rangendo os dentes, arregalou os olhos para a irmã. – Aline, não liga pra ela, tá.
Aline permitiu que um sorriso envergonhado despontasse em seus lábios, e timidamente falou:
— Vocês se parecem... um pouco. Falam do mesmo jeito... Você também é muito bonita, Júlia... Eu não sou bonita – olhou para as próprias mãos cheias de pequenos hematomas, unhas encardidas e disformes – como você. Mas você se parece um pouco com ele também. – Apontou para Marcus e riu.
— Como assim? Você é a mulher mais bonita que já vi na vida! E olha que não elogio mulher nenhuma, viu. E... você me acha parecida com o "Seco", por quê?
— Vocês são engraçados. – Respondeu.
— Você quis dizer que fazemos um casal bonito. – Completou, Marcus.
— É! Os dois gaiatos, cheios de segredinhos têm muito o que explicar e já podem começar. E já adianto que não gostei nada dessa história de casal. Minha irmã não merece uma praga dessas como companheiro. – Thiago disse sentando-se no sofá. – Desde quando vocês estão de papinho pelas minhas costas? Júlia, esse cara tá pegando uma senhora praticamente idosa! É furada! Sai fora!
— Nós somos só amigos, Thi. – Júlia rebateu, sorrindo.
— É! E não precisa falar essas coisas desnecessárias na frente das meninas... É constrangedor! Não profira inverdades.
— Tá! Inverdades... Sei! Para de arrodeio e desembucha logo. – Thiago, apesar de não confiar plenamente na fidelidade de Marcus para com as mulheres, sabia que ele era uma boa pessoa, e no fundo torcia que o casal deslanchasse, mas não poderia entregar a irmã de mão beijada.
Júlia tomou a palavra:
— Uai, a gente já conversa faz alguns anos. Você nunca está disponível pra gente, sempre nos deixou de fora de sua vida, mas eu sou tua família e me preocupo contigo, então o "Seco" sempre me informa tudo o que acontece. Eu já queria vir passar uns dias aqui, e depois que ele me contou que você terminou com a "Prisquila", eu pensei que seria bom eu estar por perto para garantir que você não voltaria atrás... E ontem ele disse que conheceu a fantas... Aline e me deixou ainda mais curiosa. Além do mais a bruxa "espritou" de ciúme ontem no shopping – gargalhou – então eu corri, fiz as malas, comprei a primeira passagem de ônibus e vim te ajudar. Mesmo porque não é bem-visto um rapaz e uma moça morando juntos, sozinhos. Mainha te mataria se soubesse. Um namoro de não sei quantos anos com a louca e ela nunca permitiu que vocês morassem juntos, antes do casamento. Imagina com uma moça que ninguém nunca viu. E antes que pergunte... Assim que eu resolvi viajar pra cá, o Marcus se ofereceu para ir me buscar de carro, eu jamais negaria uma carona.
— Ela fala igual a você. – Aline falou baixinho para Thiago, que devolveu com um sorriso inocente.
— Eu ainda preciso de tempo para digerir essa amizade secreta de vocês. Mas antes de qualquer coisa eu quero que vocês saibam dos últimos acontecimentos.
Thiago então começou a contar toda a história que Prado havia exposto há poucas horas e ao fim completou:
— A gente ainda está meio fora do chão, e não sabemos nada sobre essa tal família. Se Aline for quem eles estão procurando... Eu ainda não sei como vou lidar com isso tudo, então você chegou na hora certa, "Praguinha". "Marco réi", eu sei que posso contar contigo pra tudo, né macho?
Após toda a conversa, Júlia percebeu que ainda não havia almoço pronto, apesar de já estar próximo da hora da refeição, então arrastou todo mundo para a cozinha e distribuiu afazeres. Ela trouxe um pouco de luz e estabilidade para a casa e ainda prometeu ao irmão que o ajudaria a proteger sua amada. A casa ficou um pouco mais barulhenta, contudo ganhou mais vida; Jú dedicou-se também a melhorar a autoestima de Aline: fez suas unhas, tratou seu cabelo, deu-lhe algumas peças de roupas, ensinou-lhe a dançar "piseiro" e começou a contar detalhes da infância de Thiago.
No meio da turbulência surgiu uma amiga, uma irmã, uma aliada, uma confidente.
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