XIII
Thiago empalideceu. Um breve silêncio tomou conta do lugar. Ninguém ousava dizer nada. Aline olhava qualquer coisa no chão, buscando respostas ou possíveis soluções para todo seu desespero.
Prado finalmente quebrou o silêncio:
— Ainda não posso afirmar categoricamente que essa moça de Curitiba e sua amiga seja a mesma pessoa.
Os olhos dela cintilaram, o rosto de Thiago se iluminou por um instante, reuniu suas forças e questionou:
— Qual será o procedimento agora?
— Pensei que você já soubesse? – Prado rebateu sorrindo debochado.
— Não é hora pra "fuleragem", cara... O caso é sério e por favor, trate com seriedade. – Thiago falou apertando os dentes com tanta força que sua mandíbula se movia quase que involuntariamente.
— Foi mal, eu só queria quebrar o gelo. – Prado percebeu a tensão e, a partir daquele momento abordou o caso com mais objetividade. – Eu vim até sua casa hoje, num dia de folga porque quero adiantar o processo e evitar surpresas a vocês.
Thiago pediu desculpas ao ver que extrapolou ao emitir duras palavras ao amigo que só queria ajudar. A relação de amizade dos dois começou há 4 anos, em meio a um processo no qual Thiago estava auxiliando Marcus e que o obrigou a ir diversas vezes na delegacia onde Prado trabalhava, criando um vínculo entre os dois. Em incontáveis ocasiões Thiago recorria a Felipe, primeiro nome de Prado, em busca de ajuda ou informações, o amigo, por sua vez, necessitou que Thi prestasse serviços advocatícios para parentes ou conhecidos, já que ele estava despontando no DF como um ótimo advogado em sua área de atuação: Direito Civil. Todos os encontros envolviam trabalho e sempre combinavam de marcar um churrasco, que nunca aconteceu por causa dos ciúmes e exigências de Priscila.
— Vocês vão me levar para lá? – Aline questionou.
— Claro que não! Primeiro temos que ter certeza de que você é a pessoa que eles estão procurando. Você volta para sua família assim que sua identidade for confirmada.
— E como vão saber se eu não me lembro de nada?
— DNA. – Thiago respondeu. Demonstrando desânimo no olhar.
— E se eu não quiser fazer? E se eles forem mesmo minha família e eu não quiser voltar? E se a culpa de eu ter perdido a memória forem deles? E se na verdade ele quiseram se livrar de mim? Como eu vou ter certeza de que eu estarei segura com eles? Eles nem tem uma foto da filha... – Agarrou-se no antebraço de Thiago suplicando – Eu não quero ir, eu estou com um pressentimento ruim.
— Não se preocupe! Eu não vou abandonar você! Eu prometo! – O moço tentou acalmá-la.
— Eu entendo suas preocupações e você tem razão em estar angustiada porque ainda não sabemos com que tipo de gente estamos lidando. Mas as coisas não funcionam assim. Tudo será investigado à fundo... Na verdade os colegas de Curitiba já estão fazendo isso e minha equipe aqui dará todo apoio. A gente não vai simplesmente entregar você de qualquer jeito; ainda mais no seu estado. – Felipe Interveio.
— Como será feita a coleta para os testes? Eles estão em outro Estado. – Thiago mostrava-se mais aflito a cada pergunta, como se sua ficha fosse caindo aos poucos.
— O pai, a mãe e o noivo chegam na quarta-feira, não encontraram passagem aérea para estes dois dias. Daí os testes serão realizados.
— Como assim? Já falaram para a família sobre a Aline? Não era pra investigar tudo direitinho primeiro?
— É por isso que preferi vir pessoalmente te contar tudo isso. – Felipe esfregava as mãos. – Eu entrei em contato com o pessoal de Curitiba ontem, faltando poucas horas para o fim do meu plantão, trocamos as informações necessárias e daríamos continuidade às investigações em conjunto até chegar a um denominador comum. Só que quando eu já estava trocando de roupa para voltar para casa eles me ligaram informando que a família já estava providenciando a viagem para cá. Eu questionei o motivo de tanta pressa em avisar à família sobre a existência da Alin... sua amiga e eles disseram que já estavam desesperançados em encontrar vestígios da moça por conta do tempo que já havia decorrido desde o real desaparecimento e o único modo de saber se ela – apontou para Aline – é quem eles pensam ser, é através dos testes de DNA. A questão é que a depender do resultado, eles já descartam o caso para se concentrarem em outro ou mudam os rumos da investigação. E cá entre nós, é conveniente, pois os parentes podem reconhecer ou não a desaparecida em questão.
Thiago concordou balançando a cabeça, já Aline se negava a acreditar, a confiar; por algum motivo ela se sentia incomodada.
— Quer dizer então que se o resultado disser que sou essa moça aí, eles vão me levar? – Ela questionou.
— É isso aí! – Confirmou Felipe Prado. – Digamos que suas condições de saúde não te favorecem nenhum pouco.
— Juridicamente, você provavelmente seria julgada como inapta para tomar certas decisões, Aline, infelizmente.
— Bom... minha missão aqui hoje está cumprida. Vou curtir o restante de minha merecida folga. Só assim também para eu conhecer sua casa, né parça?! Depois de me tirar de tempo as várias vezes que quis assar uma carninha aqui e tomar uma geladinha com um bom amigo. Mas nem um cafezinho você me oferece, né?! – Felipe riu sozinho. – É, parece que minha visita foi desagradável.
— Não, velho! Não entenda mal! Só foi tudo meio repentino. Espera só um pouquinho que vou trazer seu cafezinho. – Thiago rebateu.
— Ah, não! Só tentei descontrair um pouco. Fica para a próxima. Eu vou indo.
Aline olhando para o nada murmurava:
— Não está certo! Alguma coisa não encaixa!
— O quê? – Thiago indagou.
— A foto! Era pra ter um foto e não um desenho. Por que eles não têm uma foto? E outra coisa: Você disse – olhou diretamente para Prado – que essa moça morava com o noivo e que ela desapareceu há uns 70 dias, mas só registraram queixa há uns 15 dias. Tem algo muito errado aí, não tem?
— Setenta e três dias de desaparecida, para ser mais exato. – Felipe explanou. – Suas perguntas são pertinentes, eu também questionei isso e os colegas da delegacia de lá que estão estudando o caso disseram que o noivo estava em São Paulo quando tudo aconteceu, em uma viagem de negócios de 3 meses, ou seja, tem um álibi. Inclusive interrompeu a viagem assim que soube do ocorrido. Sobre o retrato-falado, a explicação dada é que ela saiu de casa meses atrás, contra a vontade da família; pode-se dizer que foi um momento bastante conturbado, o pai disse aos policiais que não têm registros fotográficos dela porque num momento de fúria apagou todas as fotos, queimou objetos pessoais, fez um verdadeiro escarcéu.
— E o noivo? – Disse ela. – Ele não tem fotos? Mesmo viajando não era para saber dela? Eles não se falavam por telefone? Como ela desaparece e ele não percebe?
— O celular dele estragou e ela não tinha nenhuma rede social, segundo eles.
— Investiga isso mais à fundo, velho, por favor. Aline tem toda razão em desconfiar e é nossa vida que está em jogo. – Thiago disse.
Felipe Prado assentiu antes de se despedir dos dois:
— Pode deixar! Qualquer novidade eu te aviso.
*
O clima da casa mudou. Aline estava tensa. Sua cabeça estava cheia de perguntas e sabia que Thiago não tinha as respostas. Pensou em fugir com seu amor para qualquer lugar onde não pudessem ser encontrados, mas no fundo ela sabia que precisava encarar a realidade e ainda tinha esperança de não ser a tal desaparecida.
Ele, apreensivo, não sabia o que dizer e pensava em fugir para bem longe com ela, mas não abriu a boca para dizer nada, afinal de contas era muito errado. Então torcia que a moça desaparecida fosse outra pessoa, e não o seu mais novo amor.
O apetite de ambos sumiu, ficaram na sala, calados, esperando um milagre acontecer. Até que ouviram batidas no portão.
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