VIII
Thiago não esperava encontrá-la ali, na verdade, a conversa com Priscila fez uma bagunça tão grande em sua cabeça que ele havia esquecido totalmente do ocorrido. Mas a moça estava ali em sua casa, em sua cabeça, e inevitavelmente em seu coração e ele tinha plena consciência de que não era uma paixão, não era coisa de pele; ele queria protegê-la, guardá-la de todo mal... ele sentir-se-ia inteiramente feliz em vê-la sorrir todos os dias, isto seria suficiente.
Uma completa desconhecida, sem nome, sem endereço e sem memórias estava transformando todo o seu ser. Ela, ao mesmo tempo que o trazia para a realidade e fazia-o refletir sobre tudo que jogou fora em prol dos outros, conseguia fazer com que ele sentisse estar vivendo em outra dimensão, fora de si. Ela era a gravidade que colava os pés dele ao chão e asas que fazia-o voar pelos ares.
— Thiago... – a voz trêmula dela trouxe-o de volta para a realidade.
— O-oi... o que foi?
— Você está bem?
— Estou! Por quê?
— No telefone... Priscila... é a sua namorada, não é?! Eu estou atrapalhando vocês?
— Não se preocupe! Nós terminamos antes de você aparecer aqui. Na verdade, eu deveria ter terminado esse namoro bem antes. É como se ela tivesse me enfeitiçado, sabe?!
— Ah... então eu não vou precisar sair da sua casa?
— Não – ele riu esfregando as mãos.
Ela atentou para as mãos dele, mas desviou o olhar assim que percebeu que seus olhos corriam involuntariamente na direção dos antebraços de Thiago, fazendo seu coração acelerar mais uma vez. Não era a primeira vez que ele expunha o próprio corpo nu a ela, ainda que desta vez estivesse enrolado na toalha de banho, deixava-a sem reação. Percebendo as ações um tanto desconexas da moça, Thiago riu de canto, pegou nos ombros dela, virou-a de costas para ele e conduziu-a até o sofá, na sala; após deixá-la sentada, bagunçou os cabelos dela ao acariciá-los e partiu para o quarto a fim de colocar uma roupa descente.
No sofá, ela repetia o gesto da mão dele em sua cabeça e sorria. Ela estava feliz! Do quarto, ele não resistiu e abriu a porta para apreciá-la mais uma vez e sorriu ao vê-la feliz. Ele se sentiu completo pela primeira vez.
Após o jantar, depois de inúmeras tentativas, Thiago conseguiu convencê-la a dormir na cama, e ela realmente dormiu. Já ele ficou no sofá, que apesar de pequeno não o impediu de ter um sono tranquilo.
*
O primeiro sábado fora de sua rotina como acessório de Priscila se iniciava e Thiago finalmente poderia fazer qualquer coisa que quisesse, o problema é que ele não sabia mais o que queria; o botão reset foi acionado, mas ele necessitava de uma reprogramação.
Seu relógio biológico funcionava direitinho, mesmo nos fins de semana, com raras exceções. Após abrir os olhos e observar o teto por uns 5 minutos tentando entender onde estava e que dia era, visualizou a moça sem nome em sua mente e sorriu. Como diria Marcus: K.O! Levantou-se para preparar o melhor café-da-manhã possível e fazê-la sorrir.
Enquanto ele preparava os beijus que ela tanto gostava de saborear montava um pequeno cronograma na cabeça: depois do café ir comprar mais algumas peças de roupa com ela, levá-la ao Parque da Cidade para fazer um piquenique, talvez correr de kart, almoçar em um dos quiosques do Conjunto Nacional, assistir a um filme no Pátio Brasil... Neste ínterim ela escolhia dentre as roupas de Thiago uma que não ficasse tão folgada nela e pudesse passar o dia confortavelmente.
A mesa estava posta e Thiago a postos, com um lindo sorriso ensaiado. Ela entrou na cozinha ainda tímida, vestida com uma camisa de botões e a calça azul que ele usava para malhar, sua timidez transmitia uma fofura descomunal, mas aquela roupa enorme deixava isso ainda mais evidente, era como se uma criança estivesse brincando de vestir as roupas do pai. O sorriso dele ficou ainda mais acentuado ao vê-la usando suas roupas. Ela ficaria linda usando um vestido de baile com uma coroa de princesa na cabeça, mas ele preferia vê-la usando suas próprias roupas porque aquilo provava que ela ainda estava vivendo sob seu teto, sob sua proteção.
Mesmo que mil coisas pairassem sobre a cabeça de Thiago ele ainda não sabia puxar assunto com a moça então permaneceu em silêncio durante o café-da-manhã, até que ela quebrou o silêncio com a frase:
— Escolha um nome para mim.
Ele ficou pálido, não sabia o que dizer, não estava preparado para isso.
— Bom... – disse ele – você já tem um nome, só não sabemos qual, ainda.
— Eu sei que tenho um nome, mas você poderia escolher um outro para mim, até sabermos qual é o meu nome de verdade.
— Por que isso? Não seria melhor esperarmos até descobrir tua identidade? – Questionou ele.
— É que não quero ser alguém sem nome para você. Um nome vai me transformar em alguém especial em sua vida.
— Você não imagina como já é especial para mim – resmungou alto.
Ela o olhou fixamente. Ele pigarreou, bateu as pontas dos dedos na mesa, coçou a nuca e disse:
— Não seria melhor você mesma escolher um nome provisório?
Ela mordeu os lábios demonstrando certo descontentamento.
— Deixa-me pensar – Thiago disse após arrepender-se da resposta anterior – em um nome que combine contigo...: Bárbara... Alessandra... hm... Marina... Patrícia...
— Não! Patrícia lembra o nome de sua namorada.
— Ex! – Riu.
Ele observou atentamente os traços bem definidos do rosto dela, o brilho dos olhos amendoados, sua pele morena, seus longos cabelos ligeiramente encaracolados, seus lábios redondos, uma beleza excepcional não caberia qualquer nome. Deu uma breve olhada no celular, pesquisou qualquer coisa no site de buscas e depois de alguns minutos disse:
— Aline!
Ela riu satisfeita.
— Eu gostei, sou Aline agora!
— Sabe o que significa? – Thiago questionou.
— O quê?
— Na verdade não há um significado claro e isso reflete um pouco sua história, pelo menos até onde conheço – riu. – Mas ouça alguns: protetora nobre, pequena nobre, reluzente, resplandecente, graciosa, adorável, bela, atraente... Você é tudo isso!
— Sou?
— Existe até uma música com seu nome, sabia?
Ela riu e negou com a cabeça. Ele riu de volta ao perceber que estava agradando.
— "E eu chamei, chamei Aline, estou aqui! E eu chorei, chorei um mar só por ti" – cantou alto.
Ela sorriu. Ele sorriu. Ela se sentiu feliz. Ele se sentiu completo.
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