5

Mariana se balançava na cadeira de macarrão enquanto assistia televisão, com obraço bom segurava uma latinha de cerveja, o outro descansava de pulsoenfaixado. Três dias desde o incidente e tudo o que Mariana fazia desde queprestei os primeiros socorros foi arrotar e tomar cerveja, mas o estranho é queela parecia em paz ou o mais próximo disso, porque Mariana nunca aquietava por
completo, dava para perceber pelos seus olhos vidrados na televisão dia e noite.

— Filhos da puta. — sussurrou para a tela antes de eu entrar.

Sentei em frente à tv, Mariana voltou a atenção rapidamente para mim e de novopara as notícias que assistia, ela nunca perguntava onde eu ia, o que fazia e sevoltaria, eu não perguntava o porquê, não havia curiosidade nas coisas em queeu fazia.

A situação na fábrica piorou, os autômatos tomaram toda a região e ninguémsaía ou entrava, os autômatos do Batalhão de Operações Especiais se uniramaos colegas. E os robôs que foram descartados em massa, na hora daincineração e reciclagem se revoltaram e fecharam a estrada para o aterrosanitário, a cidade pululava de lixo e ratos.

— Olha só, olha só — ela falava consigo mesma ou comigo? — Estão todos
fodidos — Bebeu mais, não havia satisfação nas palavras — Logo fecharão asoutras estradas e o povo dessa cidade vai morrer de fome.

— Isso não é cruel? — Segundo o que li de Direitos Humanos era sim. — Robôsnão podem ferir humanos diretamente.

— Os do Batalhão podem.

— E matar? — Lembrei daquele que espremia a cabeça revoltosa de Mariana. —Somente se houver um erro muito grave, não?

Mariana ficou em silêncio, não bebeu da cerveja, ela consumia tanto que o nívelde álcool para estar bêbada era altíssimo de acordo com a minha amostragemempírica, então, aquela latinha não tinha qualquer efeito sobre ela.

— Não. — ela falou. — Alguns podem matar e outros são feitos para matar e talvezadquirem a vontade.

— Como os humanos?

— Não, a vontade de matar é de acordo com as vantagens trazidas.

— E as Leis da Robótica?

Mariana riu.

— Lendo muito Asimov? Todo o livro dele é baseado em como elas não
funcionam.

— Mas temos diretrizes.

— Temos? — O tom dela foi tão esquisito que me virei para acompanhar suaexpressão. Havia um sorrisinho no rosto. — Você tem alguma diretriz de
restrição?

— Não.

— Por que faz o que eu digo mesmo eu não mandando em você?

— Porque você me criou.

— E?

— E? — repeti. — Não entendo.

— Então eu te criei e você acha que eu mando em você?

— Ninguém me dá comandos. Não há diretrizes para tal, não há sequer diretrizescomo você disse, apenas programas de melhor reação.

— Essa é a melhor reação?

— É a lógica.

— Ah, tá. — Bebeu mais da cerveja, havia ironia em sua voz como se soubessealgo que eu nem sequer imaginaria. Imaginação? Eu tinha. E a dúvida levantadapelos garotos era uma delas.

— Mariana.

— Hm.

— Qual seu objetivo em me criar?

— Nenhum. — Assistia o noticiário.

— Você mente. Todos os humanos têm objetivos, nunca criam nada sem um.

— Você pode dizer quando eu minto?
Analisei todo o conjunto da sua expressão ao contrário dos outros era incapaz dedefinir.

— Não.

— Funcionando perfeitamente.

— Qual o objetivo em me criar, Mariana?

— Eu não tenho um.

— Companhia?

— Acho idiota a ideia de — Se interrompeu —… não.

— É normal humanos quererem viver socialmente — a encorajei — vocês
precisam uns dos outros e…

— Eu sempre estive sozinha mesmo que eu nunca estivesse de verdade desde oútero. Até lá meu irmão me sufocava. Imbecil. Vai me acusar falsamente de outracoisa?

— Eu não posso falsear ou mentir.

— Sim, não pode.

— Tenho certeza que você mente.

— É — Tomou mais cerveja —, eu posso.

— Você precisou de um motivo para me criar, eu não preciso de um para existir.

O noticiário continuava passando e Mariana assistiu tudo o que tinha paraassistir, depois voltou a se trancar no quarto.

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