11
Protestos eram o que mais passavam nos canais de televisão, nacionais e
internacionais. Centenas de pessoas se evadiram dos morros, todos os líderesdo crime organizado estavam desaparecidos e não somente foragidos como decostume, algumas pessoas faziam comentários na internet com o intuito de ser
engraçados e esses apareciam na televisão de como os robôs acabaram com ocrime organizado em um dia o que a polícia não conseguiu fazer em anos.
Eu não entendia a graça e pelo visto nem Mariana que continuava enfurnada noseu quarto xingando objetos inanimados.
Mas ninguém estava satisfeito do crime organizado ter acabado, as pessoasevadidas montaram acampamento em frente à prefeitura e outras protestavam.
A área do morro foi cercada por barricadas policiais que guardavam armas delongo e médio alcance. Todo dia discutia-se a invasão no rádio e programas derodas de conversa e todo dia helicópteros de emissoras sobrevoavam a área em
uma distância segura e todos eles mostravam a mesma coisa: ruas vazias,nenhum sinal de qualquer robô.
Então o presidente assinou o decreto proibindo a fabricação e venda de
autômatos no país o que gerou a revolta de inúmeros economistas e internautas.
— Você disse que robôs eram caros, muita gente não pode comprar. Afetarátanto a Economia assim?
— Muita gente não pode comprar um carro novo todo ano, mas compra. É muitofácil tirar um andróide no carnê das Casas Bahia.
— Por quê?
— Status.
— Status? Para a hierarquia social?
— Se sentir incluído, sei lá, não sou socióloga.
— E isso é ruim para vocês, humanos?
— Depende.
— Depende de quê?
— De quem compra e de quem vende.
Humanos não eram fascinantes, mesmo Mariana que me criou e com quem euconvivia era apenas mais um amontoado complexo de gordura, carbono e água.
Antes eu achava que todos os humanos eram como ela, estava enganada, elesnão entendiam de engenharia robótica como ela, afinal, se eles são nossoscriadores suponhava-se que todos deveriam saber, mas quando vi que um dos
problemas dos moradores da vila era que não conseguiam consertar um ferro depassar roupa, minha suposição caiu por terra. Eles deveriam ser separados por
habilidades, todos os robôs conseguiam fazer qualquer coisa se programados,humanos não.
A televisão ficava ligada toda hora, Mariana deixava a porta do seu quartoescancarada para ouvir as notícias, ela trabalhava sem parar e sem tirar os olhos
do que fazia. Eu ficava vendo as notícias ou andando pela mata fechadaexplorando novos lugares, na volta de uma dessas minhas andanças encontreiMariana jogada ao chão, a mão ferida sobre uma garrafa quebrada e o rosto sobreuma poça de bile.
— Não, não… — Ela disse ao ver meus pés. — Me deixe aqui…
Ela sabia que a mão sangrava, a deixei ali. Ela comeu nada hoje e nem ontem. Trinta e dois minutos depois ela se levantou, a mão com sangue coagulado e aboca molhada, as poças de cerveja, sangue e bile viraram uma, Mariana fritouum ovo para jantar. E de noite delirava de febre, eu fiquei ao seu lado, fiz canja de
galinha que ela vomitou em mim junto do que não foi jogado pra fora com ovo, adei inúmeros lençóis e vigiei seus sonhos delirantes.
— O legado do homem é sua imortalidade — falava enquanto dormia — Hipócrita
do caralho. Você nunca será imortal, Matheus. Nunca!
Ela falava muito durante o sono, seu rosto encharcado de suor e o corpo
encolhido abaixo dos lençóis, fui até a bolsa dela procurar a seringa digital, nãoestava lá, fui até a gaveta, o cilindro rolou quando a abri, estava no rosto dohomem, o presidente da Ecorp, irmão gêmeo de Mariana: Matheus Souza. Sorriaao lado da irmã taciturna e de uma terceira pessoa desconhecida. Peguei aseringa, o visor mostrava que estava vazia há quase um ano, guardei de volta.
Na manhã seguinte levei a televisão ao quarto de Mariana para que ela pudesseassistir as notícias e xingá-las. Ela via a tudo calada, mas sua aparência estavabem melhor e a temperatura do seu corpo normalizou. Os repórteres diziam queas insistentes investidas da polícia falharam e que os moradores remanescentesafirmavam sofrer violência sob a suspeita de que seriam robôs disfarçadosquando os andróides revoltosos não tinham a capacidade de aparentar humanidade, houve inúmeras mortes todas de moradores e as autoridades
afirmavam ser os robôs os responsáveis.
Mariana comia pouco e, naquele dia, parou com o álcool. Na mesma tarde, apolícia tentaria outra investida, a televisão cobriu tudo, essa obteve sucesso edepois nada mais foi dito até a noite. Não haviam mais robôs lá, encontraramapenas túneis que levavam para inúmeros lugares diferentes do morro, nãoencontraram todas as armas e nenhum dos traficantes, só as drogas. Os quatropoliciais humanos continuavam desaparecidos.
Enquanto Mariana lia um caderno escolar cheio de cálculos, os repórteresvazaram que a balística dos corpos dos moradores depois das investidascorrespondiam aos fuzis dos traficantes e os dos traficantes correspondiam aosda polícia.
— Isso quer dizer algo, não?
— Nada que ninguém não saiba. — Mariana passou para a próxima página.
Três dias depois ela estava de pé com a saúde estável e sem se embebedar,
sentamos para ver o escândalo de deputados por conta de documentos vazadosna Operação Formatar, como chamaram a caça aos robôs, ninguém sabia dizercomo os documentos chegaram à impressa, sabiam apenas que eles seriamdestruídos na delegacia do comando, então sumiram e foram jogados na internet
junto com a gravação do delegado discutindo com um dos deputados.
— O imbecil levou os destroços de um robô para a delegacia — Mariana bebeumais Coca-Cola. — E deixou ele como prêmio na sala merece um prêmio pelaburrice.
— Um robô fez tudo isso?
— Sim.
— Como você sabe? — A gravação era exibida.
— Tá vendo a altura que é gravado? O robô tá pendurado com a cabeça
pendendo.
— Então não teria filmado o chão? Os homens perceberiam se ele levantasse acabeça.
— Porque a câmera extra de segurança tá no peito, invisível. Eu que projetei.
— Por que ele gravaria a conversa?
— Vai saber? — Deu de ombros e bebeu mais Coca-Cola. — Você tem algumateoria?
— Não.
— Eu tenho, ele no seu sistema de segurança deve ter ouvido algo que feriria suacomunidade, então filmou visando protegê-la.
Eu não precisava de mais explicações, a gravação mostrava que os homens
nelas planejavam culpar os autômatos por atitudes da operação cometidos poreles.
— Robôs não podem mentir — Mariana disse e então sussurrou para as bolhas degás antes de as beber: — E nem acobertar mentiras alheias.
— Se o senso de comunidade deles é tão forte, por que não voltaram para buscaresse robô que ainda funcionava? — perguntei, a teoria de Mariana não era firme.
— Porque eles estão o tempo todo conectados à internet, o software dele irá paraa nuvem, o corpo não é importante, pode ser substituído. Ele deve ter se upadologo depois de espalhar as provas.
— Isso não tem sentido.
— Por que não? — Arrotou.
— Robôs são indissociáveis do hardware.
— Fala isso baseada nas suas experiências?
— É impossível se dissociar. — Cada parte do meu estava tão uniformementeespalhada quanto os meus componentes físicos.
— Pra todos os outros robôs não, pra você sim.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top