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Olhava para a cortina branca filtrando o sol perto da minha cabeça, o vento tênue a balançava tão pouco quanto o meu coração batia, mas eu não tinha um coração, aquilo foi só uma explicação didática de Mariana para eu saber como os fluídos do meu corpo funcionam. Eu não tinha coração, logo eu não tinha sangue,
então não havia calor de mim, só à mim e esse eu sentia.

— O que está fazendo parada aí? — Mariana com o tom irritado que era dela estava na entrada da porta, braço apoiado no batente — Vem logo. — cheio de linhas antigas igual ao tecido da cortina, ela não esperou, já foi embora.

Me levantei da cama e a segui. Mariana já de casaco pegou o maço de cigarros da mesa da cozinha e caminhou com força fazendo vibrar todo o chão de madeira da casa sobre taipas, colocou o pacote na bolsa de carteiro e suspirou.

— Fechou a janela? — perguntou já na porta de saída.

— Sim. — Eu tinha fechado.

Ela não disse nada, mas a boca sempre pressionada como se remoesse ou chupasse uma bala de gengibre. No final era os dois. Saímos e ela trancou a porta à chave, na margem do rio o homem no que chamavam de “voadeira” esperava, ele acenou alegre para nós e Mariana só acenou de volta e percorreu
todo o caminho de taipa até o embarque improvisado.

— Como vai a senhora? — perguntou quando ela sentou no meio do barco de latão.

— Bem.

Eu me sentei na ponta do barco levemente inclinada lugar mais distante do condutor, os homens não daqui não gostam de robôs. Evitei olhar para ele como Mariana me indicou, a outra margem do rio era mais amena uma densa floresta.

— A senhora viu as notícias? — Deu partida no motor a gasolina do barco.

— Não. — Ela suspirou e de dentro da bolsa tirou os óculos redondos, deu uma olhada nas lentes arranhadas, suspirou de novo e descruzou as pernas de silicone e metal colocando-o na base do nariz e ajustando com o dedo médio. A
armação era antiga e antiquada, porém resistente.

— Os — Olhou para mim — robôs tão revoltados.

— Ah. — Ela não fingia interesse.

— É melhor tomar cuidado. — Gritava sobre o som do motor cortando as águas escuras. — A gente já se livrou dos nossos!

Ela deu uma olhadela para ele e não disse mais nada até chegarmos ao ponto do comércio. Bar e mini box era o que os nativos de lá diziam. Alguns homens bebiam nas mesas de plástico com marcas de cerveja enquanto outros jogavam sinuca, a grande televisão de tubo estava sem sinal então muitos apostavam no dominó, quando descemos do barco e subimos o monte onde ficava o mini box, todos eles olharam para Mariana e eu, ela não disse nada, deu o mesmo tratamento do barqueiro a eles. Era domingo, o bar lotado.

— Vamos logo. — incitou já irritada.

Tudo o que eu via ao redor além da floresta era duas casas em campo aberto e inúmeras folhas mortas no chão, porém fora do caminho por onde a estrada de terra passava. Continuávamos a subir o monte, Mariana com o semblante irritadiço e olhar determinado flexionava os joelhos a cada passo e o meu corpo
imitava. Então a ponta metálica torre da antena despontou no horizonte
altamente arboreado, Mariana saiu da estrada para uma trilha quase invisível.

— Pode haver peçonhas. — Informei.

A informação foi ignorada.

— Não deixe insetos entrarem em você. — foi o que ela disse.

A floresta era silenciosa, não tinha nada com os filmes cheios de barulhos, o único som era dos nossos pés pisoteando e afastando o mato.

— Que merda! — Mariana bateu no ombro afastando uma aranha. Venenosa. Nenhuma variação para o medo. Levou a palma da mão à boca. — Caralho. — Sugou e depois tirou uma seringa digital da bolsa, não levantou a manga da camisa, aplicou direto e fez careta. — Caralho —repetiu. Jogou a seringa de
volta na bolsa e continuou pela trilha.

Passamos vinte minutos, trinta e dois segundos e três milésimos na trilha que seguia subindo a serra até chegarmos a torre da antena, não haviam cercas ou guaritas, e a natureza verde subia e se enroscava no ferro pintado de branco e
vermelho.

— Fique aqui. — Ela ordenou com o indicador para o chão. Foi até a escada em escalada da torre, com um pequeno pulo puxou o resto começou a subir enquanto resmungava sobre o mau cuidado.

Ela subia para a plataforma trinta metros acima, na metade do caminho parou e olhou para o horizonte acima das enormes árvores, voltou a subir. Não havia motivos para eu continuar a olha-lá, tudo era seguro e resistente, e caso ela caísse, eu não poderia fazer muita coisa sem as minhas configurações completas.

Me voltei para a floresta que nos cercava, era grande, alta e espessa, notei que a cada estrato havia um microclima e microssistema diferente igual ao que eu li num dos discos de Mariana. Haviam centenas de insetos somente naquele metro quadrado que eu encarava. Absorvia a informação, cada inseto encontrado pelas
minhas lentes era catalogado de acordo com o que aprendi nas ilustrações dos discos.

Ouvi os homens no bar comemorando e os autofalantes narrando o ínicio da partida de futebol. Os jogadores entrando em campo, a torcida gritando. Botafogo e Flamengo. Brasileirão.

— Vamos embora. — Mariana já caminhava na minha frente descendo a trilha, pele fosca, suor seco.

Mariana contava o dinheiro de volta no barco, o ribeirinho ouvia o jogo no rádio do celular enquanto manejava o motor do barco. Ele fazia comentários sobre a partida com ela que a tudo respondia “ahã”.

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