Prólogo
Tudo era vazio. O mais completo escuro que lhe engolia e lhe cegava.
Tudo era quietude. O mais completo silêncio que deixava sua mente barulhenta e sufocante.
Naquele lugar, não havia nada além do silêncio, do escuro e de sua existência. Ou seria inexistência?
Não havia contagem de horas ou de dias. Não havia luz, som, calor ou frio. Não havia nada além dele no Vazio.
Há muito já havia desistido de tentar encontrar uma saída ou algo que o distraísse. Na verdade, passou a questionar a própria existência pensando que talvez fosse apenas uma consciência qualquer existindo miseravelmente no completo vazio.
Não enxergava a si mesmo e nem ao menos lembrava como era, mas sabia que estava deitado e com os olhos abertos. Sua mente vagou para se questionar de que cor eram os seus olhos. Seriam verdes, azuis ou uma cor mais incomum? Não lembrava. Isso deveria ser algo preocupante?
— Um acordo — uma voz suave ressoou em meio a escuridão, o que o fez acreditar que enfim estava condenado a alucinar até sua consciência definhar. — Quero fazer um acordo — a voz se tornou mais clara e um pequeno globo brilhante apareceu iluminando aquele espaço.
Ele cobriu os olhos com o antebraço e piscou para se acostumar com aquela claridade repentina e ínfima. Há quantos séculos não via a luz? Ela parecia queimar seus globos oculares.
Quando enfim se acostumou, encarou a inesperada aparição. Era uma alma. Fraca e quebrada, mas ainda sim uma alma.
— Quero um acordo — repetiu. Sua voz estava nitidamente cansada, o que o fez concluir que ela provavelmente estava na contagem regressiva para desaparecer e seguir qualquer que seja o seu rumo.
— Um acordo? — perguntou com a voz rouca.
Era estranho utilizar a própria voz após tanto tempo. As vibrações das cordas vocais arranhavam sua garganta e o timbre era estranho aos seus ouvidos.
— Você quer fazer um acordo comigo? — indagou sorrindo incrédulo.
Podia não lembrar de coisas simples como a cor dos seus olhos ou o tom da sua voz, mas nunca esqueceria quem era e o que representava.
— Você quer um acordo com o deus da calamidade e da destruição? — Riu desacreditado. Sua risada também lhe parecia estranha. — Sabe qual o preço a ser pago quando se faz um acordo comigo?
Diante do silêncio, sorriu ladino. Acreditava que aquela era mais uma das almas ingênuas e tolas que vinham a seu encontro sem ao menos saber os princípios básicos de um acordo consigo. Ah, como ele estava enganado.
— Sua alma.
Há sabe-se-lá-quanto-tempo não tinha aquele tipo de interação. Porém, ainda recordava o quão divertido era ver as feições dos seus "contratantes" quando chegava a hora de cobrar o pagamento prometido. Ele se divertia ainda mais quando haviam aqueles que percebiam o quão fúteis eram os pedidos por quais trocaram a própria alma e imploravam por clemência, algo que ele nunca dava.
— Conheço o preço e o acordo — ela disse fraca mas determinada. — Quero um acordo.
— O que eu ganharia com uma alma débil e quebrada? — perguntou interessado.
Sabia que aquela alma não lhe seria de tanta utilidade. Estava tão fragmentada que era impressionante pensar que ela habitava um corpo e que ainda conseguia se aferrar a linha da vida. Almas sem corpos não podiam fazer acordos com os deuses, essa era uma regra clara e era um tabu.
— Sair daqui. — Agora ela havia ganhado sua verdadeira atenção.
Curiosamente, ela não estava completamente errada. Ele poderia sair do Vazio se a consumisse, mas seria um processo doloroso e sem chances reais de sucesso devido a quantidade efêmera de mana que ela oferecia. Além disso, devido a fragmentação daquela alma, demoraria séculos para restaurar seu poder e sua forma original. Mas, para além desses pequenos contratempos, havia algo que estava o intrigando.
Qual era o motivo daquela miserável alma ainda se agarrar a vida e lhe oferecer a própria existência? Por que ela não titubeava diante do que seria o seu fim, sem possibilidades de retorno? O que a motivava a continuar a existir naquele momento?
— Tudo bem, estou considerando a sua oferta — disse se sentando. — Me diga, o que você quer? — perguntou curioso. — Deseja ter mais algum tempo de vida? Realizar alguma vingança contra um vivo? Matar alguém? Ter um reino? Se banhar em moedas de ouro?
— Proteção — a alma disse com a voz longínqua e debilitada. — Quero que proteja.
A cada momento ela era consumida mais e mais pelo Vazio. Era interessante a determinação que uma alma humana teve para chegar até aquele lugar e ainda se manter consciente e atrelada aquele plano mesmo que isso implicasse sentir uma dor excruciante.
O Vazio era o lugar onde os deuses esquecidos paravam. Ser um deus significava ser imortal e ter sua existência mantida por milhares de anos. Mas, sem orações e sem as crenças de outros seres, seus poderes se debilitavam e quando eram esquecidos paravam no Vazio até enfim sua consciência desvanecer e voltar a compor o universo ou alguém por algum milagre recordar de sua existência e fazer um contrato consigo.
— Proteja o bebê. — Era nítido como aquele era um pedido desesperado. Ele riu atônito.
Poderia até não lembrar de cada ano de sua existência com precisão, mas tinha plena certeza que nunca haviam lhe pedido para proteger algo e muito menos alguém. Chegava a ser irônico fazer aquele tipo de pedido justamente para aquele que deveria propagar a calamidade e a destruição quando atendesse as orações.
— Você quer que eu proteja alguém? — perguntou tentando controlar o riso. — Você está mesmo pedindo para mim proteger alguém? Acredito que a morte lhe deixou um pouco confuso.
— Proteja, proteja, proteja. — a alma repetia como um mantra angustiado. Isso o fez analisar a situação seriamente.
Proteger alguém nunca havia sido sua prioridade ou seu dever. Nunca teve ninguém ou algo que quisesse proteger. Sua existência estava atrelada a catástrofes e aniquilações. Tudo e todos lhe eram descartáveis, eram passageiros e pedir para alguém como ele proteger a vida de outro ser, ultrapassava os limites da insanidade. Entretanto, havia algo naquele pedido aflito mas determinado que o fazia querer saber o que aconteceria caso aceitasse aquele acordo.
— Tudo bem — cedeu sorrindo bem-humorado. — Eu, Alphorthos Crucius, deus da calamidade e da destruição, aceito o seu acordo. — Um suspiro aliviado soou baixinho.
Aquilo seria divertido e difícil, mas ele o faria seu desafio pessoal. Após tantos anos no Vazio, sairia para proteger alguém. Não era deveras intrigante e estimulante?
— Quem eu devo proteger?
— Meu bebê. Proteja o meu bebê — a alma disse antes de se aproximar e ser consumida.
Diferente do esperado, ela era calorosa, mas também era fria. Era como se metade do seu corpo estivesse afundado na neve e a outra metade mergulhada em um vulcão, o que lhe deixou ainda mais curioso sobre aquela alma quebradiça.
Deymon sorriu e deitou se espreguiçando. Tinha uma missão e um desafio.
Havia recebido o pagamento adiantado, então não podia voltar atrás. Mas, ele não queria desistir e nem se arrependia de sua decisão, não era alguém ligado a arrependimentos. Desejava saber qual seria a sensação de conseguir cumprir algo que era tão contra a sua natureza.
Aquele pedido inusitado havia se tornado tentador demais para recusar.
Olá, docinhos.
O último mês do ano chegou e eu decidi iniciar este projeto que há tempos adornava os meus papéis e dançava pelo meu bloco de notas.
Tenho um certo xodó por essa história, pois ela é fruto das inspirações e das emoções que tive ao longo da leitura de várias histórias com uma temática de "ir parar" em mundos de fantasia. E, bem, a cada leitura não pude deixar de pensar como seria se os personagens escolhessem outros caminhos ou se aquelas não eram apenas a versão dos heróis daqueles universos.
Então, decidi contar a história de Vívian, de Alydiana e de tantos outros para que eles não fiquem mais nas sombras e nem sejam esquecidos no tempo.
Espero que gostem ❤
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