Capítulo XIV

Aqueles que buscam sobreviver


  — Você tem certeza que essa é uma boa ideia? — Asterion perguntou pelo que devia ser a vigésima vez desde que adentrou o cômodo.

  Alydiana puxou o maldito lenço que enfeitava o colarinho do colete formal que seu irmão usava. Mesmo a contragosto, Asterion continuou parado enquanto sua adorável irmã desmontava todo o trabalho que ele e seu mordomo tiveram para deixá-lo com aquele aspecto que ele gostava de denominar "o perfeito pavão da aristocracia". Sua irmã sorriu triunfante ao conseguir puxar aquele maldito lenço do pescoço de seu irmão.

  A princesa encarou o irmão e enrugou seu lábio inferior, sinal clássico que Asterion aprendeu a ler. Algo estava a desagradando profundamente e ele logo descobriu o que era quando as duas pequenas mãos da menina foram até os fios perfeitamente alinhados de seu cabelo. Ela o bagunçou como se fosse o pelo de um animal que acariciava com agressividade e depois sorriu com o resultado.

  — Bem melhor — Alydiana falou observando o que julgava ser sua obra maestra.

  — Não acho que essa seja a melhor forma de encontrar o futuro Imperador — Asterion disse ao ver pelo canto do olho seu reflexo.

  — Seu irmão. — Os olhos do mais velho encontraram o da irmã. — Antes de ser o Imperador, ele é o seu irmão. — Os olhos rubi o encaravam como se estivessem querendo gravar algo no profundo de seu âmago.

  — Meu irmão, não é? — Ele sorriu e, por um momento, Alydiana viu a expressão em sua face. Uma expressão que nenhuma criança deveria carregar, a de uma alma quebrada.

  — Será apenas um chá matinal entre irmãos — ela disse segurando as mãos do príncipe entre as suas. — Apenas isso.

  — Nunca será apenas isso — Asterion murmurou. — Nunca deixarão que seja apenas isso.

  — Os adultos não devem interferir no relacionamento das crianças — falou o encarando determinada. — Essa luta não é sua. — Alydiana encarou suas mãos unidas a dele, não queria ver o que quer que a expressão do seu irmão transparecesse.

  No fundo do seu âmago, ela desejava que essa guerra realmente não fosse de Asterion. Que ele não almejasse a coroa de Kaesar e a posição pela qual Wolfram havia sido criado para assumir. Não que Alydiana não confiasse na capacidade do segundo príncipe de ser um Imperador tão exímio como seu pai ou o primeiro príncipe, ela apenas temia que o caminho para chegar até o trono resultasse no mesmo final da obra original, um final onde ambos perdiam suas cabeças na guilhotina. Porque mesmo ela sabendo que o futuro ao lado do segundo príncipe lhe traria isso caso ele seguisse pelo caminho da coroa, mesmo assim, Alydiana não deixaria seu lado.

  — Se eu quero proteger minha família, essa luta é minha — Asterion disse. Alydiana cerrou os olhos com força, não se permitiria chorar. — Mesmo que eu não deseje o trono, mais cedo ou mais tarde estarei no centro dessa guerra, isso é inevitável. — A princesa encostou a cabeça em seu peito enquanto as lágrimas silenciosas rolavam por sua face. — E quando isso acontecer, quero que você vá para o mais longe que puder. — Ele apertou suas mãos. — Vá para o outro lado do oceano, procure abrigo até mesmo no Império de Azuryus. Mas, vá para um lugar onde ninguém possa achá-la.

  Seu coração doía. Doía como se estivesse enfrentando a iminência de algo que não pudesse evitar.

  — Está entendendo o que quero dizer, Aly? — ele murmurou. Alydiana assentiu.

  Quando o momento chegasse, deveria partir. Partir para um lugar onde nem mesmo Asterion seria capaz de encontrá-la.


  — Vossa Alteza Imperial, o Segundo Príncipe, Asterion Aldrebrahäm — começou a anunciar um dos guardas do lado de fora da estufa. — E Vossa Alteza Imperial, a única princesa, Alydiana Aldrebrahäm.

  Ele é um dos seguidores da Santa, West disse rindo levemente. Pelo visto, as raízes da influência deles estão mais profundas do que poderíamos imaginar.

  Isso é algo a se pensar depois, Wolfram rebateu e levantou assim que viu o segundo príncipe acompanhando a princesa como uma perfeita escolta.

  — Obrigada pelo generoso convite... — Alydiana disse com uma mensura. — Vossa Majestade Imperial. — O título saiu de sua garganta como um engasgo e ela manteve a mensura respeitosa enquanto agarrava firmemente o tecido de seu vestido.

  — Meus cumprimentos, Vossa Majestade — Asterion falou fazendo uma mensura respeitosa. — Peço desculpas por aparecer repentinamente, mas minha irmã não possui uma escolta, sendo assim estou aqui sobre esse propósito. — Ele segurou delicadamente a mão de Alydiana que agarrava a renda delicada do vestido.

  Wolfram encarou avaliativo as duas figuras em sua frente. Haviam alguns rumores a cerca da proximidade do Segundo Príncipe com a Princesa Imperial, muitos servos alegaram ver Asterion ao redor do Palácio Safira, mas logo que os burburinhos começavam logo se dissipavam, pois muitos achavam infundadas as alegações de que alguém da Facção Imperial se envolveria com uma bastarda. Mas, Asterion não só estava declarando que os rumores eram verdadeiros, como demonstrou publicamente que haviam uma relação entre ele e a princesa.

  Qual é o verdadeiro interesse do Segundo Príncipe em Alydiana, era isso o que o Príncipe Herdeiro agora se propunha a descobrir.

  — Fico feliz por ambos terem vindo — Wolfram disse meneando com a mão para que ambos deixassem as mensuras. — Sintam-se livres de desfrutar desse momento sem todas as formalidades.

  — Como desejar, irmão — Asterion falou guiando a irmã para se acomodar.

  O segundo príncipe queria entender qual seria o repentino interesse do herdeiro do trono em Alydiana. Alguém que havia passado a vida inteira afastado de qualquer relação familiar do nada convida a irmã que não foi assumida publicamente para um inocente chá matinal? Não poderia ser apenas isso, Asterion sabia que deveria haver algo a mais por trás daquela fachada. Sempre há interesse escondidos sob a máscara educada e gentil, aprendera isso desde cedo.

  — Não sabia quais eram suas preferências, Alydiana, então pedi que preparassem um pouco de tudo — Wolfram disse gesticulando para as empregadas começaram a servir os pratos.

  — Obrigada — Alydiana disse saboreando lentamente um pouco do chá de lavanda que lhe fora servido. Adorava chá de lavanda, tanto o cheiro como o sabor.

  Ela olhou de esguelha para Asterion e sorriu levemente ao vê-lo encarar com desgosto o que lhe fora servido. Asterion não suportava chás.

  — Poderia servir café ou leite morno para o segundo príncipe, por favor — pediu a jovem que lhe servia. — Ele apreciará.

  — Claro, Vossa Alteza.

  — Você parece conhecer bem os gostos do Segundo Príncipe, não? — Wolfram indagou chamando a atenção dos irmãos.

  — Creio que é normal conhecer os gostos de minha família — Alydiana respondeu o encarando seriamente. O príncipe cerrou os dentes.

  — Aly é bastante atenta mesmo com pouca idade — Asterion disse orgulhoso. — Ela já sabe ler e escrever formalmente, mesmo não tendo um tutor.

  — Realmente é impressionante — Wolfram concordou impressionado.

  — Hunpf, mas isso não é nem a metade do quão incrível minha irmãzinha é — o segundo príncipe continuou a se gabar. — Sabia que ela também sabe desenhar perfeitamente? Ela tem treinado até algumas paisagens mais elaboradas.

  — Não sabia que se interessava pela arte, Alydiana.

  — Não, isso é apenas...

  — Ela é um gênio — Asterion disse empolgado. — Até mesmo canta! Você deveria ouvir, irmão, ela cantarola e...

  — Ah! — Alydiana correu para o colo do irmão e tapou sua boca com as mãos. — Você está exagerando!

  — Sua face está vermelha como as escamas de um dragão escarlate — o princípe falou com a voz abafada e logo caiu na risada ao ver a tonalidade avermelhada ficar ainda mais intensa.

  — Ryon! — a princesa ralhou tímida. Não estava nos seus planos ser alvo dos elogios infundados de um irmão mais velho babão.

  A pequena discussão, se é que isso pode ser chamado de discussão, foi interrompida pelo som da risada de um terceiro ser. Wolfram ria tanto que seus olhos estavam úmidos e suas bochechas rosadas. Asterion e Alydiana encararam o príncipe herdeiro e em seguida trocaram um breve olhar antes de também caírem na gargalhada.

  O riso foi cessando e Wolfram encarou atentamente a face de seus irmãos mais novos. Um sentimento diferente se apossava de seu coração, mas era um sentimento leve e cálido. Talvez assim era como deveria se sentir ter uma família.


  — Vossa Majestade Imperial — a voz de Dryon se fez presente no meio do pequeno jardim em que se encontravam e tamanha foi a surpresa do cavaleiro o príncipe herdeiro junto ao segundo príncipe e a princesa.

  Não, maior ainda foi sua surpresa ao ver todos os três descontraídos com ares infantis e sorrisos leves nos lábios enquanto suas cabeças eram adornadas por coroas de flores. Naquele momento, eles pareciam apenas as crianças que deveriam ser.

  — Dryon! — Alydiana foi a primeira a cumprimentá-lo com um sorriso brilhante. — Eu fiz coroas de flores para os meus irmãos, você quer uma?

  Dryon a encarou demoradamente e sorriu pequeno. Uma imagem se sobrepunha a da pequena princesa, uma lembrança há muito tempo esquecida no fundo de sua memória. Um jovem de cabelos dourados como o sol líquido com uma coroa de flores muito mais bela e valiosa para si do que qualquer coroa de ouro e pedras preciosas que poderia possuir, enquanto desfrutava o sol com uma pequena criatura adormecida com a cabeça em seu colo.

  — Minha filha fez para mim — ele dizia de forma cálida. — Talvez ela faça uma para você, Dryon.

  Ah, Majestade, se você pudesse vê-la agora, Dryon pensou torcendo para que seu pensamento pudesse ser carregado ao Imperador assim como era em vida.

  — Saudações, Vossa Alteza Imperial, Asterion, e adorável princesa, Alydiana. — Ele se aproximou até ficar de joelho na frente da pequena menina. — Creio que já faz um tempo, princesa.

  — Sim. — Alydiana sorriu e colocou sobre os cabelos azuis do cavaleiro uma coroa de camélias.

  — Até que combina com você, Dryon — brincou Asterion com seu sorriso sapeca. — Mas, em mim fica muito melhor.

  — Não me diga que irá fazer uma votação para saber quem ganha em beleza — Wolfram implicou. — Sinto que contra as servas dos quatro palácios você não teria chances contra o Dryon. — Ele sorriu sapeca e logo teve que se defender do ataque de beliscões do irmão mais novo.

  O príncipe herdeiro e o segundo príncipe rolavam pela grama com pétalas pairando ao seu redor e risadas sinceras sendo reveladas do fundo de seus corações. Enquanto isso, Alydiana os observava com um sorriso tênue.

  — O que a preocupa, doce princesa? — Dryon perguntou em um murmúrio, sem desviar os olhos dos irmãos. Eles lembravam tanto seu Imperador.

  — Vou salvá-los, Dryon — Alydiana confidenciou, o que fez o mais velho encará-la de supetão. — Não importa o que custe ou quanto tempo leve, vou salvá-los.

  Seus olhos rubis queimavam como um fogo ardente que consumia até a última cinza. Ali, Dryon concluiu que nenhum dos outros príncipes poderia ser tão parecido com Kaesar quanto a pequena princesa um dia seria.


  — Então, como foi sua maravilhosa primeira experiência familiar? — West perguntou assim que Wolfram cruzou o patamar da porta de seu quarto.

  — Você estava lá — o príncipe disse largando o corpo em uma poltrona.

  — Mas, meus olhos viram apenas o que você queria que vissem — o homem disse se esgueirando para perto do príncipe. — Quero saber como estava aqui. — Encostou o indicador sobre o coração de Wolfram, que estapeou sua mão para longe. — Você me trata tão diferente quando assumo essa forma que chega a ser cruel — lamuriou-se falsamente West.

  — Como se você ligasse.

  O homem sorriu com escárnio e sentou no braço da poltrona. Realmente não poderia se importar menos com a forma como era tratado.

  — Ainda não respondeu minha pergunta, Alteza — cantarolou.

  — Foi diferente do que eu imaginei que seria — Wolfram falou se deixando relaxar no estofado. — Asterion também esteve lá.

  — A cópia de Kaesar? — O príncipe o encarou friamente. — Bem, não se pode negar a semelhança entre eles, não? — Wolfram se encaminhou para o lavabo.

  West sorriu de lado. O herdeiro sempre se manteve alheio a como o segundo príncipe era chamado, nunca esboçou qualquer reação aquele tipo de título nem a forma como era dito. Mas, algo havia mudado em uma única manhã.

  — O que poderia tê-lo feito mudar tão abruptamente, Vossa Alteza? — perguntou ao cômodo vazio.

  Seus olhos estavam injetados com o mais puro frenesi. Precisava descobrir o que poderia ter mexido com o coração de gelo de Wolfram Aldrebraham.

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