Capítulo XIII
Aquela que aceitou
— Você não vai mesmo me matar? — a pequena princesa indagou baixinho. Seu corpo estava encolhido sob as cobertas e afundava entre os travesseiros fofinhos, parecia um filhote de gato.
Wolfram a encarava atentamente e mantinha sua mão segurando a da pequena menina. O príncipe não sabia o porquê, mas segurar a mão dela lhe dava uma boa sensação, uma familiaridade há muito perdida.
— Por que eu mataria você? — perguntou. Sua mão foi apertada levemente por ela.
— Porque eu sou a princesa renegada — Alydiana murmurou. — Aquela que nunca deveria ter nascido.
O jovem a encarou surpreso. Sabia que aquele "apelido" era popularmente difundido entre a Corte Imperial e os nobres do Alto Escalão até mesmo os servos se referiram abertamente a filha de Kaesar daquela forma. Contudo, Wolfram nunca cogitou a possibilidade de uma menina que parecia tão frágil e indefesa carregar sobre os próprios ombros o peso de palavras tão cruéis e estivesse a espera da própria morte.
Ele sabia como era viver assim, mas não imaginava que outro alguém dividisse do mesmo fardo.
— Você não é renegada — Wolfram disse erguendo a mão para acariciar os cabelos negros da mais nova. Mas, desistiu na metade do caminho. — Você é a Princesa Imperial, a única filha de Kaesar Melchior Aldrebrahäm. — A encarou seriamente e apertou sua mãozinha. — Você é minha única irmã — murmurou sorrindo pequeno.
— Então, você não vai me matar? — ela insistiu.
Alydiana desejava desesperadamente ouvir a resposta do príncipe-herdeiro. Queria ouvir as palavras saírem da própria boca dele.
Por que ela parece tão atormentada?, Wolfram indagou ao encarar os olhos rubis atormentados.
Talvez porque até o momento a maioria das pessoas desse Império tentaram matá-la, West respondeu em sua mente. E agora que Kaesar morreu, seu futuro é ainda mais sombrio.
O príncipe a encarou atentamente, tentando decifrar tudo o que se passava naquela mente já tão calejada para uma criança tão nova. Mas, no fim, apenas conseguiu se ver refletido nela.
Eles crianças que entendiam as circunstâncias conturbadas de seus nascimentos e estavam lutando dia após dia para sobreviver ao caminho indefinido e doloroso que foram obrigadas a seguir. Porém, diferentemente de Wolfram, Alydiana não possuía o peso da coroa em sua cabeça e muito menos a proteção do trono.
— Não vou matá-la — o príncipe disse por fim. — Não levantarei um dedo contra você — falou firme.
Alydiana lhe encarou por breves segundos tentando enxergar a veracidade de suas palavras e, por fim, ela sorriu minimamente e se entregou exausta ao mundo dos sonhos.
Wolfram continuou a encará-la até os primeiros raios de sol caírem sobre o Império. Via tantas possibilidades para aquela pequena menina.
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Alydiana estava sentada no banco de sua penteadeira enquanto Liliane escovava seus cabelos rebeldes. Os olhos da princesa ainda estavam inchados, seus sentimentos eram uma completa bagunça e seus pensamentos se apresentavam em uma verdadeira cacofonia. Porém, a chama de determinação que brilhava em seus olhos rubis desde que decidiu sobreviver àquele mundo, havia voltado.
A princesa encarou o próprio reflexo no espelho e sorriu pequeno. Seu semblante carregava uma expressão destruída demais para uma simples criança, mas era isso o que significava sobreviver a um mundo que só queria lhe fazer perecer.
— A senhorita parece melhor esta manhã — Liline disse sorrindo enquanto trançava seu cabelo.
Alydiana correspondeu ao sorriso de sua governanta antes de fechar os olhos e aproveitar os cuidados oferecidos pelos dedos habilidosos da mais velha.
— Coloquei uma torta de maçã no forno, esta manhã — a mais velha disse terminando de colocar uma fita azul de cetim como uma tiara. — Irei trazê-la para a senhorita. — Ela depositou um leve carinho sobre os ombros da menina, que segurou suas mãos.
— Obrigada por estar aqui, Nana — disse encontrando os olhos caramelos de Liliane através do espelho.
Os olhos dela marejaram, mas a governanta logo tratou de controlar as próprias emoções e fez questão de manter o sorriso nos lábios. Sua pequena princesa ainda estava ali, perdida dentro das próprias emoções. Mas, ainda estava ali.
Liliane depositou uma leve e impulsivo selar nos cabelos da menina. Juro que irei ajudá-la, senhorita, ela pensou, o plano já está em andamento.
— Volto em um momento — a governanta falou saindo sorridente.
Alydiana realmente agradecia por Liliane não ter desistido de si durante todos aqueles dias. Se não fosse por ela, não teria conseguido nem ao menos comer o mínimo para manter suas funções vitais durante as últimas semanas. Mesmo quando tentava afastá-la, Liliane continuava a insistir em permanecer ao seu lado.
A princesa encarou mais uma vez o próprio reflexo no espelho e seu olhar capturou o pequeno sinal em sua face. Era uma pequena meia lua, a única característica física que tinha de Kaesar.
— Ah, papai, você não virá hoje para brigarmos pelos doces da Nana, não é? — perguntou baixinho.
A perda de Kaesar ainda era uma dor latente em seu coração, mas, agora, ela enfim aceitou. Alydiana aceitou que seu pai havia ido morar entre as estrelas, mas isso não significava que sua ferida se fecharia em um passe de mágica. Somente o Tempo poderia dizer quando cicatrizará.
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A torta de maçã de Liliane estava tão saborosa quanto todas as outras guloseimas que a mais velha já se propôs a fazer. Entretanto, Alydiana não conseguia saboreá-la em sua totalidade, pois além daqueles momentos lhe lembrarem Kaesar, também lembravam um outro alguém.
— Onde ele está? — perguntou em um murmúrio enquanto brincava com um pedaço de maçã em seu prato.
Quem?, Acrux indagou. Mas, Alydiana sabia que o Montinho sabia muito bem a quem ela se referia.
Onde está o segundo príncipe?, ela tentou verbalizar da forma mais firme que conseguiu, mas, mesmo em pensamento, sua voz vacilou.
Acrux se materializou com suas sombras do outro lado da mesa. Ele ainda estava fraco, a princesa conseguia sentir isso através daquele ligação desconhecida que possuíam, mas, parecia melhor do que no dia anterior.
— Pensei que não se importava com aquele moleque, passarinho — o Montinho disse e, mesmo que as sombras dançassem em sua face impedindo de vislumbrar suas feições, Alydiana sabia que um sorriso provocativo brincava nos lábios dele.
— Só me diga onde ele está — falou em um sussurro.
Seu coração estava pesado. Ela dizia a si mesma que se apenas soubesse onde ele estava, aquela sensação se abrandaria. Se pelo menos tivesse uma noção de onde ele se encontrava naquela gaiola ornamentada de ouro.
— Por favor, Acrux — pediu encarando as duas esferas brilhantes que se destacavam na face coberta de sombras dele. Acrux riu levemente.
— Humanos, sempre são tão tolos — ele disse. —Vomitam palavras cruéis de seus lábios e machucam uns aos outros, para no fim ficarem carregados de sentimentos pesados e conturbados.
Alydiana desviou o olhar para a torta sobre a mesa. Não podia negar que o arrependimento e a culpa queimavam seu peito. Se eu apenas soubesse controlar melhor minha língua, não o teria magoado, pensou pesarosa.
Acrux se aproximou de sua protegida e depositou um leve carinho em seus cabelos. Não é tarde para se arrepender e buscar perdão, mesmo quando as coisas parecem perdidas, ele disse fazendo a porta da sacada abrir em um rompante.
Ele está onde sempre quis estar, passarinho, a voz dele reverberou em sua mente ao mesmo tempo que sua presença no cômodo esvanecia. Perto de você.
De supetão, Alydiana levantou-se da cadeira e correu até a mureta da sacada, onde se agarrou ferozmente enquanto apoiava seu peso e vasculhava o jardim morto. Sua euforia atingiu o nível máximo quando enfim o avistou. Lá estava ele, no mesmo lugar onde ela o viu pela primeira vez. Os cabelos resplandecendo como fios de outro sob os raios solares e os olhas âmbares cheios de carinho a encarando a distância.
Naquele momento, mesmo que estivesse com uma faca em seu pescoço, mesmo que sua decisão marcasse sua sentença na guilhotina, ela não poderia mais negar a si mesma a verdade irrefutável que marcava seu coração. Ele era seu irmão, sua família e alguém que não suportaria perder.
Alydiana Lily Aldrebrahäm, a princesa renegada, amava Asterion Hadrian Aldrebrahäm, aquele que seria apontado como o causador de sua morte.
A princesa engoliu o choro que estava entalado em sua garganta e subiu a mureta com certo esforço. Ela viu a confusão dominar as feições de seu amado irmão e depois sua face ser tomada pelo completo pavor quando enfim compreendeu o que ela faria. O segundo príncipe correu em sua direção e ela saltou com a certeza de que ele a seguraria.
E Asterion a segurou para nunca mais soltar.
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— Você não vai parar de chorar? — ele perguntou com a voz trêmula.
— Você também não para — ela retrucou apertando o enlace ao redor do irmão.
Após a comoção e o susto de ver sua adorável irmãzinha se jogar da sacada, Asterion conseguiu, com muito esforço (Alydiana não queria soltá-lo), levá-la de volta para dentro e agora ele se encontrava sentado no chão do quarto dela com a pequena sentada entre suas pernas enquanto o abraçava desesperadamente. Desde que adentraram o cômodo, a menina não o largou mais e o príncipe não se afastou. A par da verdade, ele a puxou para mais perto de si.
— Me desculpa — Alydiana murmurou com a voz abafada pelo ombro do irmão. — Me desculpa por tudo o que eu disse. — Ela se afastou apenas o suficiente para encarar os olhos âmbares dele. — Não era verdade.
As lágrimas jorravam como cascatas de seus olhos doloridos, mas ela não conseguia controlá-las. Era como se os sentimentos simplesmente trasbordassem em uma enxurrada que não podia ser contida.
— Eu sinto muito por tê-lo magoado. Sinto muito mesmo, Ryon — disse apertando a blusa dele entre suas mãos trêmulas.
Asterion a puxou novamente para seu abraço e depositou um longo selar na testa da irmã. Ele também não conseguia conter os sentimentos turbulentos que rugiam para serem libertados.
— Nunca mais farei isso, Ryon. Nunca mais, prometo — ela falou chorosa.
— Tudo bem, Aly — ele murmurou. — Me desculpe por não ter insistido em ficar ao seu lado. — Isso não irá se repetir, completou em pensamento.
— Não foi sua culpa.
Alydiana sabia que Asterion estava sofrendo tanto quanto ela, mas, por estar tão afogada nos próprios sentimentos, não conseguiu enxergar que seu irmão também estava enfrentando a perda de alguém que amava e ainda acabara o magoando com sua atitude.
— Você não fez nada de errado — a princesa disso. Ele tentou retrucar, mas a menina foi mais rápida. — Vamos parar com isso. — Alydiana se afastou apenas o suficiente para voltar a encara-lo nos olhos. — Se continuarmos, vamos desidratar de tanto chorar, Ryon. — O príncipe riu levemente e enxugou lágrimas finas que escapavam dos olhos da irmã.
Ela sentido falta do irmão, tal como a Lua sentia falta das estrelas. Alydiana sorriu verdadeiramente e depositou um demorado selar na testa dele. Asterion foi pego de surpresa pela atitude inusitada, mas não deixou de sorrir diante do ato.
Batidas na porta soaram pelo cômodo e ambos encaram assustados a madeira de carvalho que os separavam do visitante.
— Senhorita, posso entrar? — a voz de Liliane soou, o que fez Alydiana voltar a relaxar.
Asterion tentou se desvencilhar da irmã para levantar e se esconder, tal como sempre fazia quando a governanta da mesma aparecia. Entretanto, Alydiana o manteve no lugar e eles se entreolharam. O príncipe por fim cedeu e assentiu levemente.
— Pode entrar, Nana.
Liliane adentrou o cômodo calmamente e, ao contrário do que suas altezas pensavam, ela não esboçou nenhuma surpresa com a presença do segundo príncipe. Apenas o saudou educadamente como se o visse regulamente nos aposentos de sua protegida.
— Uma carta endereçada a senhorita chegou até o Palácio Safira — a mais velha disse se aproximando lentamente até os irmãos e estendeu o envelope na direção da mais nova.
Alydiana se encontrava imóvel encarando o Selo Imperial brilhar como um sinal de alerta lacrando as palavras contidas naquele papel. Da última vez, as notícias que receberam em um envelope semelhante àquele foram desestabilizadoras. Então, ela tinha receio do que poderia haver ali.
Asterion percebeu a leve mudança nas feições da irmã e segurou sua mão. A princesa o encarou e ele lhe deu um sorriso tranquilizador junto a um leve aperto em sua mão. Eu estou aqui, tentou transmitir em seu olhar. Alydiana sorriu pequeno e assentiu.
A princesa pegou o envelope e rompeu o lacre. E, bem, as palavras contidas naquela correspondência corresponderam a suas expectativas e mudaram o rumo do seu Destino. Mas, ninguém sabia se seria para melhor ou para pior.
Olá, docinhos!
O que acham que o Wolfram está planejando para sua pequena irmã?
Gostaram da reconciliação do Asterion e da Alyidiana?
Espero que estejam gostando e que continuem acompanhando ❤
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