Capítulo XII

Aqueles que entrelaçaram seus destinos


  Estava preocupada. Tão preocupada ao ponto de se sujeitar a se esgueirar após as bênçãos de Betelgeuse, o deus da noite, caírem sobre o Império. Sua amada criança não estava bem. Na verdade, duvidava que algum dia a mesma poderia voltar a ser a criança que um dia fora.

  Ela respirou fundo ao ver ao longe a grande estufa do jardim do falecido Imperador. Não ficaria de braços cruzados vendo Alydiana se entregar ao abismo que ameaçava lhe engolir. Não permitiria que a pequena princesa encontra-se o mesmo fim que Charlotte.

  Ela não sofrerá como você, Lotte. Enquanto eu estiver viva, a protegerei com tudo o que tenho, pensou se aproximando das duas figuras escondidas nas sombras.

  — Espero que haja um bom motivo para você solicitar minha presença junto ao Cão de Guarda — Castiel disse com escárnio buscando qualquer sinal de mudança nas feições de Dryon. Mas, ele era como uma tela fantasmagórica que perdera as próprias cores. 

  Castiel bufou e encarou a pessoa que lhe convocou ali. Tamanha foi a surpresa do pesquisador ao encontrar sobre um de seus cadernos de anotações um bilhete com uma letra elegante o convocando para um encontro na calada da noite. Entretanto, maior ainda foi seu espanto ao ver que Dryon recebeu o mesmo convite misterioso. 

  — O que deseja, senhorita LeBlanck? — Dryon perguntou neutro.

  Liliane retirou o capuz que cobria sua face e encarou os homens a sua frente. Sabia que eles eram os únicos com quem poderia dividir suas aflições naquele momento, pois entendia que da forma deles, eles se importavam com a pequena princesa. Então, eram os únicos com quem podia contar para arrancar Alydiana de sua bolha de dor.

  — Gostaria de falar sobre a Princesa — disse os encarando seriamente.

  — Algo aconteceu a Princesa Imperial? — Dryon perguntou preocupado. Castiel o encarou prontamente.

  Pela primeira vez em semanas, o pesquisador viu algo diferente da sombra fúnebre que acompanhava as feições do homem-lobo. "Parece que você tem um novo ponto fraco, lobinho", Castiel pensou sorrindo pequeno.

  — Ela está... — Liliane mordeu o lábio inferior, não sabia bem como definir o estado da princesa. — Ela está... Sobrevivendo — concluiu por fim.

  A menina que antes era como os próprios raios de sol e tinha o olhar tão brilhante quantos os rubis mais raros e valiosos, parecia se extinguir a cada dia que passava.

  — Imagino que a perda de Vossa Majestade Imperial foi um grande choque — Castiel disse endireitando a postura. Também sentia aquela perda.

  Kaesar foi o único que ficou ao seu lado quando aqueles que se diziam sua família lhe deu as costas. Ele foi o único que entendeu o caminho que Castiel estava trilhando e o apoiou. O único que não o viu como uma ameaça ou uma maldição de Haad Gef, o deus dos corrompidos. O único que ficou do seu lado.

  — É claro — a moça concordou prontamente. — Mas além disso é como se a princesa simplesmente tivesse... Desistido — admitiu aflita.

  — O que você quer dizer? — Dryon indagou confuso.

  — É como se toda a vontade de viver dela tivesse sido roubada — a voz dela embargou. — E eu não sei o que fazer. Não sei como ajudá-la!

  Estava desesperada. Liliane sentia seu coração ser esmagado toda vez que via os olhos de Alydiana perdendo gradativamente o brilho da vida. Novamente, ela via a história se repetir diante de seus olhos e, mais uma vez, se sentia impotente em não conseguir ajudar quem tanto lhe era importante.

  Liliane não pode impedir que Charlotte encontra-se o próprio fim e por isso se culpava todos os dias, principalmente quando encarava a face da pequena princesa e reconhecia na menina os belos traços de sua mãe, Charlotte.

  — Você está com medo que a pequena princesa desista da própria vida? — Castiel perguntou e rapidamente teve sua blusa agarrada pelas mãos firmes de Dryon.

  — Não ouse nem ao menos pensar nessa possibilidade, Wendenberg — o homem-lobo disse entredentes. — Nem ao menos cogite tal coisa.

  — Estou apenas verbalizando as preocupações da governanta, lobinho — rebateu. Um vislumbre de confusão dominou os olhos safiras de Dryon e Castiel se amaldiçoou por ter deixado escapar aquele apelido.

  — Vocês não vão ajudar se começarem a se matar aqui — Liliane disse separando os dois. — Chamei vocês para encontrarmos uma forma de ajudar a princesa a seguir em frente — falou firmemente. — Uma forma de fazê-la seguir lutando pela própria vida nesse Império!

  O silêncio pesou entre eles e apenas o vento balançando a copa das árvores se tornou audível. Eles sabiam a frágil situação em que a Princesa Renegada se encontrava desde o próprio nascimento, mas sabiam que tudo piorara após a morte do Imperador, já que assim ela perdera a pouca proteção que ainda recebia. Agora, sem Kaesar, a Corte Imperial não mediria esforços para fazer a pequena princesa desaparecer ou servir aos seus próprios interesses.

  — Vamos pensar em alguma coisa que possa animá-la — Castiel foi o primeiro a se pronunciar. — Não vamos deixar a pequena princesa ceder contra aqueles velhos asquerosos — garantiu.

  Possuía uma dívida que não pode pagar durante a vida de Kaesar, então esperava amenizá-la, pelo menos, garantindo a proteção de sua amada filha.

  — Seremos o escudo dela — Dryon completou firme. — Ninguém encostará um dedo sobre a Princesa Imperial. — Seus olhos brilharam ferozes e Liliane assentiu prontamente.

  Naquele momento, uma assassina se passando por governanta, um homem-lobo e uma raposa de nove caudas firmaram um pacto com a pequena Princesa Imperial de Aldrebrahäm. E a única testemunha de tal ato foi Wolfram Hector Aldrebrahäm, quem estava mascarado pelas sombras do Jardim Secreto do Imperador.


  Desde o dia em que abriu os olhos neste mundo, ele soube que seria o próximo a ter a pesada coroa de ouro e ferro sobre sua cabeça. Soube que seria aquele que guia toda uma vasta nação, onde cada uma de suas ações e decisões pesariam na balança da ascensão ou queda do Império.

  Nunca foi lhe dada outra escolha. O caminho para o trono era o único caminho que conhecia e, para alguns, isso era como uma grande benção dada pelos próprios deuses. Mas, para Wolfram, essa era a única forma que tinha de sobreviver.

  Wolfram cresceu dia após dia sendo lembrado que o seu futuro era ser o próximo Imperador de Aldrebrahäm. Desde o dia em que balbuciou sua primeira palavra foi colocado sentado em uma cadeira de uma mesa de mogno repleta de papéis que reafirmava o que podia ou não fazer, como devia ou não agir, como até mesmo um suspiro seu poderia ser interpretado de forma errônea e levar a queda de uma grande nação.

  Seu caminho foi traçado desde o momento que esteve no ventre de sua mãe e o peso em seus ombros se tornou ainda maior ao ser aquele responsável por ceifar a vida da amada Imperatriz Nestya no dia em que veio ao mundo. Mesmo assim, a morte de seu pai sempre lhe pareceu distante e quase etérea. Entretanto, um dia, simplesmente apareceram em seus aposentos e lhe saudaram como o Novo Imperador, sem mais nem menos.

  Há semanas, os fantasmas de suas obrigações e de seu futuro não tão distante lhe assombravam e roubavam seu sono. Então, Wolfram se permitia ir até o Jardim Secreto do Imperador e ficar cercado por aquilo que um dia Kaesar afirmara ser mais precioso do que os cofres repletos de ouro e pedras preciosos presentes no Palácio Imperial.

  Entretanto, para a sua surpresa, diferente das outras noites não foi apenas a memória de seu pai que serpenteou pela madrugada.

  — Seremos o escudo dela — a voz de Dryon foi guiada até o príncipe pelo vento. — Ninguém encostará um dedo sobre a Princesa Imperial.

  Wolfram afagou o pelo branco e cintilante da doninha que estava confortavelmente deitada ao redor de seu pescoço. Ela suspirou deleitando-se com o carinho.

  — Parece que a Princesa é um assunto frequente até mesmo longe das salas de reuniões — murmurou pensativo.

  Há dias, os nobres da Corte Imperial lhe cobravam uma atitude sobre a posição que a Princesa ocuparia em seu Império. Entretanto, Wolfram não tinha nenhum posicionamento sobre a filha mais nova de Kaesar.

  — O que eu devo fazer com a Princesa, West? — indagou a pequena doninha que acariciou sua bochecha com o focinho carinhosamente.

  Apesar de Kaesar nunca ter feito um anúncio oficial sobre Alydiana ser sua filha e consequentemente a única princesa de Aldrebrahäm em dois séculos, alguns a consideravam como tal e por isso temiam a influência que a mesma poderia ter dentro do Império com o passar dos anos. Por isso, fervorosamente pressionavam o Novo Imperador para tomar uma atitude, antes que fosse tarde demais.

  Porém, sendo sincero, Wolfram não tinha nenhum sentimento pela pequena princesa. Não sentia aversão a mesma e nem tinha nenhum apego a sua existência. Alydiana Lily Aldrebrahäm simplesmente existia e ele aceitava isso. Então, não sabia o que deveria fazer.

  Você deveria visitá-la, a voz de West ressoou em sua mente. Deveria conhecer sua pequena irmã.

  — Que diferença isso faria? — Wolfram perguntou encarando a lua que resplandecia no céu noturno.

  Nunca saberá se não for até ela, West replicou resvalando sua cauda peluda sobre a pontinha do nariz de Wolfram.

  — Nunca saberei? — Wolfram sorriu pequeno. — O que me espera se eu for até você, Alydiana Lily Aldrebrahäm?


  Alydiana estava exausta. Entretanto, isso não impediu com que ela acordasse no meio da noite sentindo uma presença invadindo em seu quarto. Sua pele formigava a sentir a presença do invasor. Era diferente dos outros que apareciam durante a madrugada, era mais poderosa e de alguma forma estranhamente familiar.

  A menina colocou a mão sob o travesseiro e segurou firmemente a adaga escondida, aquele era um presente valioso de Asterion. 

  Segundo seu irmão, ele torcia ferrenhamente para que ela nunca precisasse usar aquela arma, mas, ele afirmou ferozmente que caso aparecesse a oportunidade, Alydiana deveria guiar a lâmina afiada diretamente ao coração de seu oponente sem ao menos pestanejar. Naquele dia, a menina riu das palavras exageradas do irmão, pois acreditava que não precisaria daquilo tendo em vista a presença constante do Montinho de Sombras. Entretanto, sentia em seu âmago que daquela vez o Montinho havia consumido mais energia do que conseguiria repor e apenas uma linha tênue a ligava a existência dele.

  Naquele momento, Alydiana estava, pela primeira vez em muito tempo, por conta própria. E isso lhe era assustador.

  A princesa esperou que o invasor se aproximasse da lateral de sua cama. Quando sentiu aquela presença próximo o bastante, levantou em um rompante e direcionou a cegas a adaga em direção ao intruso, que facilmente desviou de seu ataque e a dominou a segurando pelo pulso.

  Alydiana tentou se soltar e fugir do forte aperto que lhe prendia, mas era como se uma forte e pesada corrente lhe segurasse no lugar. É irônico saber que quando finalmente decido lutar por mim, vou morrer, pensou ainda se debatendo.

  — Poderia ao menos me dizer o nome do cretino que conseguiu me matar? — perguntou ácida e, pela primeira vez, encarou aquele que invadiu seus aposentos.

  Seu assassino possuía olhos que lembravam as mais puras gemas de lápis-lazúli, os cabelos rebeldes e escuros como a noite e as feições eram... Eram as de uma criança perdida. Alydiana o encarou minuciosamente por longos segundos e percebeu que ele fazia o mesmo consigo.

  — Quem é você? — perguntou em um murmúrio.

  — Wolfram — o invasor respondeu prontamente.

  — Wolfram? — indagou curiosa o analisando cuidadosamente para saber a veracidade de sua resposta. — Como o príncipe herdeiro?

  Por um momento, ela engoliu em seco com a possibilidade dele ser o bendito protagonista do livro que leu em sua vida anterior. Porém logo descartou tal hipótese, pois qual era a possibilidade do futuro Imperador estar justamente nos aposentos da Princesa Renegada? Era bem mais crível que fosse apenas uma coincidência ele possuir o mesmo nome que o príncipe ou acreditar que o mesmo mentia.

  — Só Wolfram — ele disse soltando seu pulso e segurando sua mão suavemente. 

  Alydiana encarou sua pequena mão sobre a mão calejada do jovem e sentiu aquela familiaridade se tornar mais presente. Ela voltou a encarar os olhos lápis-lazúli e, mesmo que pudesse ser uma loucura de sua mente cansada e de seu coração ferido, por um breve momento, a menina reconheceu a aura de Kaesar na presença dele.

  — Acho... — Wolfram começou, mas rapidamente meneou com a cabeça e voltou a lhe encarar decidido. — Sou seu irmão mais velho, Wolfram.

  A princesa o encarou sem conseguir esboçar qualquer reação que não fosse deixar finas lágrimas escorrerem de seus olhos rubis, que voltavam a ganhar vida. O príncipe não soube o que fazer a não ser continuar a segurar a frágil e trêmula mãozinha entre as suas.

  Naquele noite silenciosa, quando um futuro Imperador foi confundido com um assassino e uma pequena princesa finalmente viu a face daquele que deveria ser o protagonista daquela história, o Destino deles se conectaram de tal forma que nem mesmo os deuses poderiam prever ou impedir.

Olá, docinhos!

Primeiramente, gostaria de me desculpar pela demora nas atualizações de "Esquecida no Tempo". O semestre foi deveras corrido, mas prometo tentar atualizar com mais frequência 🙏

Então, o que estão achando da história? Esperavam que Wolfram fosse até nossa princesa? 

Qual a aposta de vocês para os próximos acontecimentos?

Espero que estejam gostando e que continuem acompanhando

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