Capítulo VIII
Aqueles que unem seus corações
— Como tem sido as visitas do seu irmão? — Kaesar perguntou a fazendo se engasgar com o bombom de chocolate.
Naquela manhã, seu adorável pai apareceu como todas as outras vezes, de surpresa. Mas, não era como se ela tivesse algum compromisso na sua agenda inexistente e não lotada. Sendo assim, não se incomodava com as visitas fora de hora e, convenientemente, Kaesar parou de visitá-la perto do horário que Asterion costumava aparecer e até mesmo Liliane evitava ir até o seu quarto nesses horários, o que a fez concluir que as visitas de seu irmão não era um segredo tão bem guardado quanto preferia que fosse.
Veja bem, Alydiana não era tola e sabia muito bem a intensidade do burburinho que poderia surgir na Corte Imperial caso soubesse que o Segundo Príncipe e a Princesa Renegada estivessem se encontrando. Sem contar nas consequências que isso poderia causar para ambos os lados. E, ao contrário do que imaginou que faria caso um dia seu caminho cruzasse com o de Asterion (correr, correr pra bem longe dele, de preferência pro outro lado do Continente), ela não o fez. Na verdade, aguardava ansiosamente as visitas do irmão, algo que não admitiria em voz alta.
— Papai sabe tudo — resmungou com um bico emburrado. Kaesar riu levemente e apertou a pontinha de seu nariz.
— Nada envolvendo uma certa menina travessa me escapa — ele disse sorrindo carinhoso enquanto limpava a boca suja da filha. — Mas, como está sendo?
Alydiana notou o rápido vislumbre da nítida preocupação dele em seus olhos dourados. Kaesar estava realmente interessado em sua resposta e, por um momento, ela seriamente pensou em contar a ele. Simplesmente contar tudo, desde seu renascimento naquele mundo até a forma como morreria se continuasse dentro dos limites da Corte Imperial. Porquê Kaesar parecia que a compreenderia e, mesmo que não entendesse tudo o que dissesse, ele acreditaria em si.
Era a certeza que ela tinha dentro do seu coração.
— Ele é insiustente — respondeu franzindo a testa ao tropeçar nas palavras. — E balhulento. — Fez uma leve careta ao lembrar de como o irmão parecia uma máquina de disparo rápido a metralhando com notícias sobre o seu dia e curiosidades aleatórias. — Mas, é divertido.
Um pequeno sorriso despontou em seus lábios ao lembrar da figura animada de Asterion enquanto narrava alguma de suas histórias e a forma como seus olhos pareciam brilhar.
Se Kaesar era considerado o próprio Sol do Império, Asterion era todas as estrelas no céu noturno.
— Fico feliz em saber disso. — O Imperador sorriu e Alydiana viu que ele estava nitidamente aliviado com sua resposta, o que a deixou em alerta iminente.
Sabia que seu pai nunca dava um ponto sem nó, muito menos, deixava pontas soltas. Então, havia algo por trás daquele sorriso, era como se uma grande preocupação tivesse deixado seus ombros. Alydiana só não sabia o que era, ainda.
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— Está esfriando, Lily. — O Imperador colocou seu manto, que estava deploravelmente desprezado ao seu lado sobre os ombros da pequena princesa.
Naquele dia, como todos os outros há quinze torturantes dias, Kaesar acordou cedo para a reunião com alguns emissários, nobres e o próprio Imperador do Império Azuryus. Para ele, as negociações de paz eram terrivelmente mais longas e trabalhosas do que as declarações de guerra, mas, por obrigação e por insistência de Dryon, se vestiu a caráter e manteve-se na postura de O Grande Imperador. Isso até conseguir uma brecha para fugir e passar algum tempo com seu potinho de paz, que lhe encarava com os olhos rubis analíticos.
Essa menina travessa sempre parece estar curiosa, pensou sorrindo divertido ao ver pequenas ruguinhas no canto dos olhos da filha.
— Você que escolheu comer aqui — ela disse acusatória com o dedo gordinho em riste, o que provocou uma risada em seu pai.
Por acreditar que um pouco de ar fresco faria bem tanto para si mesmo, que estava desde às quatro da manhã enfurnado em uma sala de reuniões, como para a filha, que por mais curiosa que fosse parecia ser uma apreciadora voraz de se manter dentro do próprio quarto, Kaesar decidiu fazer um piquenique na pequena sacada e a senhorita LeBlanck, eficiente como sempre quando se tratava da pequena princesa, rapidamente realizou todos os preparativos.
Antes de se retirar a governanta fez questão de estipular um limite de doces para a formiguinha a qual servia ingerir. Segundo a mesma, quando Alydiana comia mais do que duas fatias de bolo, ou o equivalente a isso em outros doces, ficava com dor no estômago e, como ela insistia em comer mais do que aguentava quando o assunto era açúcar, Liliane sempre tinha que determinar uma quantidade exata do que ela poderia ou não ingerir.
Devo prestar mais atenção nisso, Kaesar pensou ao ver a pequena princesa em um empasse entre comer ou não outro bombom de chocolate.
Alydiana estava em um depate acalorado consigo mesma quando o pai a puxou para o seu colo e a envolveu em seus braços como se estivesse a embalando, tal como fazia quando ela era um bebê. Não que a princesa fosse deixar de ser seu bebê quando estivesse velhinha.
— Minha doce Lily sempre será meu bebezinho — murmurou aspirando o cheirinho de morangos no cabelo dela.
— Não sou bebê — a pequena retrucou erguendo a face para encará-lo. — Liliane disse que já sou uma galotinha grande. — Ela esticou os bracinhos para comprovar isso e Kaesar teve que morder a língua para não gargalhar.
— Bem, você sempre será minha bebezinha. — Ele fez cócegas na barriga da pequena menina, que gargalhou infantilmente fazendo o pai sorrir amoroso.
— Um dia, vou ser tão grande como você, papai — a princesa disse segurando sua face entre as mãos.
— Adoraria ver isso, menina travessa. — Kaesar apertou a pontinha de seu nariz. — Mas, acredito que você será sempre um pinguinho de gente. — Alydiana cruzou os braços emburrada e inflou as bochechas, o que fez Kaesar apertá-la mais entre seus braços. — Guarde alguns bombons para seu irmão, ele não tem muitas oportunidades de comê-los — murmurou fechando os olhos e aspirando o cheirinho de bebê da filha.
Ironicamente, mesmo com as dolorosas lembranças latentes em sua mente e a ferida em seu coração que nunca cicatrizaria, quando estava com ela, sentia-se em paz.
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Quando as benções de Altair, o deus do dia, começaram a enfraquecer e o Império teve um vislumbre da influência crescente de Betelgeuse, o deus da noite, Asterion apareceu, como todos os outros dias.
Há mais de duas semanas, o Segundo Príncipe visitava a irmã. Sinceramente, Alydiana considerava aquilo uma grande insensatez da parte dele, porquê obviamente todos os olhares da Corte Imperial estavam sobre o príncipe e aumentavam a medida que ele crescia. Contudo, Asterion ainda preferia se arriscar a ir vê-la todos os dias naquele mesmo horário.
Obviamente, Alydiana tentou persuadi-lo a não aparecer com tanta frequência devido ao risco que ambos corriam, principalemnte ela quando pensava que poderia estar de alguma forma adiantando a separação da sua cabeça do resto do seu corpo. Entretanto, Asterion só lhe encarou com aqueles olhos brilhantes e disse:
— Não se preocupe, eu protejo minha família.
Em horas como aquela, Alydiana realmente acreditava que o Segundo Príncipe era ingênuo demais para o próprio bem.
— E lá vamos nós! — a voz de Asterion soou e logo a costumeira corda foi presa a mureta e ele a escalou até pular para o outro lado.
Na semana anterior, o Segundo Príncipe estava resmungando inconformado sobre o quão desconfortável era conversar estando no jardim e Alydiana na sacada, porquê mesmo que ela se abaixasse e ele ficasse na ponto dos pés, seu pescoço ainda doía ao ter que ficar olhando para cima. Então, como não queria que sua pequena irmã tivesse que descer, correndo o risco de se machucar, e como não sabia quem poderia aparecer no jardim quando ela estivesse lá, bolou uma forma de escalar para a sacada com uma corda e um gancho.
— Olá, Aly! — disse sorrindo alegremente ao ver a pequena sentada sobre a costumeira manta azul. Ele sempre ficava com um calorzinho no peito quando a via lhe esperando.
— Ryon — ela cumprimentou se concentrando em abrir sobre o colo o lenço no qual havia embrulhado alguns pedaços da torta de limão que Liliane fizera naquela manhã.
A princesa acabou adquirindo aquela mania desde que seu pai lhe sugeriu guardar os bombons de chocolate para o irmão. Naquele dia, os olhos de Asterion marejaram. Enquanto ela lhe dava o chocolate e ele lhe mostrava um sorriso radiantemente infantil.
Alydiana acreditava que aquela reação confirmava que a vida do Segundo Príncipe deveria ter mais restrições do que muitos imaginavam, até ela mesma, mas, na verdade, naquele momento ele apenas estava feliz pela atitude da pequena irmã. Alguém que com um gesto simples havia lhe mostrado que sinceramente se importava consigo.
Asterion sentou ao lado de Alydiana e eles começaram a dividir as guloseimas silenciosamente, discretamente a princesa deixava parte dos seus doces para o irmão. Quando terminaram, ela o encarou já se preparando para usar o lenço para limpar a sujeira que a face do mesmo ficava ao comer os doces, mas o lenço escorregou entre seus dedos ao ter um vislumbre nítido dos olhos dourados.
— O que aconteceu com você? — perguntou alarmada ao ver a face mais machucada do que de costume.
Seu irmão sempre inventava alguma aventura na qual se meter, seja escalar árvores, participar na seleção de novos guardas, ajudar a domar algum cavalo nos estábulos ou se intrometer no treinamento de alguns cavaleiros. Então, não era raro que houvesse alguns machucados sobre sua pele, porém, estava muito pior do que as outras vezes e não pareciam ser simples arranhões resultantes das estripulias de um garoto aventureiro.
— E não me diga que você caiu do Nemêsis, você não ficou assim da última vez!
Nemêsis era um Corcel Espiritual que Kaesar havia ganhado durante a troca de espólios nas negociações de paz com o Império Azuryus. Mas, nenhuma alma viva conseguiu domar aquele animal, nem mesmo o Grande Imperador e, depois que Asterion soube que alguns cavalariços estavam pensando em sugerir que o Corcel fosse sacrificado, pois não podia ser usado para cavalgar e nem para procriação, o Segundo Príncipe foi pessoalmente até Kaesar e pediu que o pai lhe autorizasse cuidar do cavalo. Mesmo a contragosto e preocupado, o Imperador permitiu e lhe prometeu que caso conseguisse domá-lo o Corcel Espiritual seria seu, o que provocou certo burburinho na Corte.
Bem, um Animal Espiritual não era algo fácil de ser achado e muito menos mantido sobre controle, mas, quando conseguiam conquistar sua confiança se tornavam os seres mais leais e podiam até mesmo usar alguma habilidade dos Elos daquele quem julgou ser digno de sua lealdade. Então, eram extremamente cobiçados pelos Elementais, aqueles que conseguem se conectar aos Physis, os espíritos da natureza.
— Ah! — Asterion falou parecendo lembrar apenas naquele momento de algo que não deveria ser colocado em pauta, o que o deixou levemente apreensivo. — Foi um acidente. — Ele coçou a nuca sem jeito e desviou o olhar. Asterion nunca desviava os olhos dos seus.
— Um acildente? — indagou mais preocupada enquanto dedilhava cuidadosamente o grande curativo no lado direito da face dele. Estava tão concentrada que nem se importou quando sua língua embolou as palavras, o que não acontecia mais com tanta frequência, apenas quando estava nervosa ou apreensiva.
Alydiana podia fazer de olhos fechados uma lista com aqueles que adorariam que um "acidente" acontecesse com o Segundo Príncipe e olha que ela havia lido apenas o livro do Wolfräm e não a história de Asterion. Contudo, de todas as pessoas possíveis e impossíveis, a princesa acreditava que apenas uma poderia realmente machucá-lo e, infelizmente, o crápula era justamente o mais próximo ao Segundo Príncipe, seu odioso avô materno.
— Eu estava treinando com os recrutas dos Cavaleiros Carmins — ele respondeu se esforçando para encará-la. — E eu acabei escorregando quando desviei de um golpe e acabei sendo lançado em uma árvore. — Não queria preocupá-la na mesma proporção que não queria mentir.
— Você foi lançando em uma álvore? — perguntou alarmada. Aquilo com certeza não deveria ter deixado apenas uma bochecha ferida. — Você está bem? Matchucou algum outo lugar? É claro que matchucou, que pergunta idiota a minha! Céus, você já foi ao médico?
Por mais que os Genes da Família Imperial fossem lendários por concederem aos seus um desenvolvimento melhor do que a maioria e, mesmo que dissessem que os mesmos foram uma benção do próprio deus Altair, eles não impediam seus portadores de se ferirem fatalmente ou evitava suas mortes precoces. O longo histórico de óbitos juvenis dentro da Família Imperial era uma prova concreta disso.
Onde diabos já se viu deixar uma criança treinar com os Cavaleiros Carmins? Ela se perguntava abismada e com uma pontinha de raiva.
Os Cavaleiros Carmins eram conhecidos por serem a melhor divisão de cavaleiros do lado Leste do Continente. Eram aqueles que lutavam lado a lado com o próprio Imperador no campo de batalha e que se juntasse todas as suas condecorações poderiam encher as paredes do Palácio Safira mas ainda faltaria espaço para colocar todas. Sendo assim, não é de se espantar que o treinamento deles era descrito como: "Um vislumbre do próprio inferno". Ou seja, uma atividade longe de ser adequada para qualquer criança e até mesmo adulto que não estivesse disposto a dançar com o próprio Haad Gef, o deus dos corrompidos.
— Por que raios você treina com os Carmins? — indagou o analisando seriamente. A pontinha de raiva crescia em seu peito querendo ser disparada contra ele.
Para Alydiana, por Asterion ser o Segundo Príncipe, que estava logo após o Príncipe-Herdeiro na linha de sucessão, se ele batesse o pé e dissesse que não iria treinar com os Carmins, não iria e ponto final. E ninguém poderia condená-lo quanto isso, sendo que nem mesmo cavaleiros habilidosos tinham coragem de se submeter ao treinamento dos Carmins ao menos que fosse um caso de Emergência Imperial.
— Para ficar mais forte e proteger a minha família — ele respondeu sorrindo amoroso.
— Você não pode fazer isso se etiver morto, idiota! — Alydiana disse exasperada.
Asterion realmente considerava impressionante que uma coisinha tão pequena como sua irmã estava borbulhando de raiva e de preocupação por si enquanto ostentava um bico nos lábios e as sobrancelhas erguidas em consternação. Ele mordeu o interior da bochecha para não rir, mas não conseguiu segurar a risada quando ela começou a resmungar para si mesma:
— Vou descoubir quem foi o idiota que bateu em uma cliança e vou fazer picadinho dele. — O príncipe explodiu em uma gargalhada. — Você está rindo? — Ela o encarou piscando atônita. — Você realmente está riundo nessa situação, seu idiota! — exclamou.
A princesa levantou enraivecida com o objetivo de marchar para o seu quarto e não olhar mais para a cara do inconsequente do seu irmão. Entretanto, Asterion foi mais rápido ao rodeá-la com os braços e fazê-la cair entre suas pernas a abraçando como se a menina fosse uma grande ursinho de pelúcia.
— Vamos, Aly, não fique assim — ele disse com alguns resquícios de risada na voz. — Juro que tomarei mais cuidado. — Asterion meneou com a cabeça enterrada nos cabelos rebeldes da pequena irmã.
— Você é um incousequente — ela murmurou beliscando um dos braços do irmão, que riu levemente em resposta.
Os irmãos continuaram naquele abraço apreciando o aparecimento das primeiras estrelas, enquanto escutavam a respiração pacífica um do outro e curavam inconscientemente seus corações.
Alydiana não sabia por quanto tempo ainda o teria ao seu lado, mas, com toda a certeza que possuía, agradecia aos céus enquanto tivesse Asterion consigo.
Olá, docinhos!
O que estão achando da aproximação da Alydiana e do Asterion? Acreditam que ela se arrependerá de permitir que ele se aproxime?
Acham que o Asterion falou a verdade?
Espero que estejam gostando e que continuem acompanhando ❤
{Curiosidade, Haad Gef é um anagrama criado a partir de HD 76151, substituindo os números por suas letras correspondentes no alfabeto. HD 76151 é a estrela mais distante do Universo. Por esse motivo, no Universo de Aldrebrahäm, ele é considerado o deus dos corrompidos, porquê o quanto mais distante se fica da luz, mais fácil é de ser corrompido}
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