II
Teodoro cavalgou tranquilamente pela madrugada, deixando Esparta e rumando para o leste, em direção ao bosque. Um anormal clima de harmonia pairava no ambiente, mas o coração do rei, cauterizado pela influência de Ares, não se deixou afetar por ele. Mantinha uma mão firme nas rédeas do cavalo, a outra sobre um punhal à cintura, e a mente na carta que lera ontem:
"Saúde-a com aparente alegria, abrace-a e, então, apunhale-lhe o peito. Assim, garantirá a glória eterna de Esparta".
Era só o que lhe importava.
Ao atingir o bosque, o rei desceu do cavalo e penetrou as árvores. Fazendo esforço pra enxergar, margeou-as pelo oeste e, quando ficaram densas, adentrou por uma trilha ao sul. Minutos depois, quando os primeiros raios de sol invadiram as árvores, Teodoro atingiu a clareira no centro da mata.
Ah, que visão!
A copa das árvores se espaçava sobre a clareira, revelando o céu, e a aurora, em toda sua rósea majestade, descia à mata e resplandecia as folhas ao chão.
Havia uma oliveira no centro e, sob ela, uma belíssima jovem, de não mais de dezoito anos, com vestes brancas refletindo as cores da manhã e a face refletindo toda a paz da existência. Sentava-se sobre as próprias pernas, com os braços pousados no colo e o rosto voltado para o céu, para quem parecia murmurar uma canção.
De imediato, Teodoro entendeu de onde emanava a anormal harmonia – e quase desejou se render a ela. Mas o punhal vibrou em sua mão, lembrando-o da missão, e seu coração tornou a se endurecer.
Resoluto, aproximou-se da divina jovem.
Então um pássaro passou voando entre eles, e Teodoro sentiu uma pontada no peito.
De repente, tudo mudou.
Teodoro afrouxou a mão do punhal e deu um passo para trás.
– Veio me matar? – perguntou a deusa, notando-o. Não parecia amedrontada em vê-lo.
– Sim, minha senhora – ele confessou, enlevado.
– É o que fará?
O rapaz fraquejou e deixou-se cair de joelhos.
– Não... Não creio que conseguirei fazer isso. Ó, senhora da Paz, quão encantadora és! Quem poderia olhar-te, e não desejar-te eternamente por perto? – as palavras antes ensaiadas como fingimento agora saíam como verdade.
Pois Teodoro encontrou-se, irremediavelmente, apaixonado pela Paz.
Do alto de uma das árvores, agora oculto num galho, o pássaro observava tudo. O coração de Eros estava descompassado, parte pela ansiedade, parte pela visão de Eirene. Contemplá-la agora ainda era como contemplar sua esplêndida estrela... E, um segundo atrás, não parecera que ela lhe erguera os olhos e sorrira?
Enquanto o rei e a deusa conversavam, um ruído se ouviu ao lado de Eros. Virou-se e viu um corvo pousando no mesmo galho em que estava.
– O que faz aqui, Eros? – perguntou o corvo.
– O que faz aqui, Ares?
– Sua interferência não funcionará, garoto. O coração de Teodoro está cheio de guerra, e ela sufocará o amor que você plantou. Como sempre.
– Vejamos.
E, ignorando a presença do adversário, Eros continuou assistindo ao casal.
– Como, sendo uma deusa, não parece mais velha do que eu? – perguntou Teodoro, agora sentado perante Eirene, o corpo relaxado pelo fascínio.
– Sou, dos deuses, a mais jovem.
– E por que pouco ouvi falar de ti, minha senhora?
– Sou, dos deuses, a menos amada.
– Inaceitável! – exasperou-se Teodoro. – Quem poderia não te amar?
Ela sorriu melancolicamente.
– Alguns amaram, por um tempo, o conforto que eu trouxe. Mas quando viram que eu roubava o espaço da Guerra, da Ambição, do Orgulho, da Avareza e, principalmente, do Poder, coisas que realmente amavam, voltaram-se contra mim.
– Eu rejeitaria todas essas coisas, se significasse ter você comigo para sempre!
– Rejeitaria?
Em resposta, ele pegou-lhe uma das mãos e a beijou.
No galho da árvore, o belicoso corvo se remexeu, irrequieto.
– Venha comigo, doce deusa! – disse Teodoro. – Venha, e te farei rainha sobre Esparta e sobre o mundo! Farei com que todos te amem, assim como já a amo!
Eirene recolheu a mão subitamente.
– Como faria isso? Como faria o mundo me amar?
O corvo virou-se imediatamente para Eros, e seus olhos faiscaram de malícia.
– Onde ele procurará essa resposta, Eros? – provocou a Guerra. – No amor que você colocou no coração dele, ou na ambição que plantei lá?
O pássaro ateve-se a Teodoro, ansioso.
– Minha senhora – disse o rei, retomando as mãos de Eirene. – Com você e eu reinando sobre Esparta, faremos dela a maior cidade do mundo. E os exércitos de Esparta levarão Paz para os quatro cantos da terra, quer queiram, quer não. Todos terão que te aceitar.
Eirene sacudiu a cabeça, pávida:
– Você nada sabe de mim, espartano!
Ele apertou ainda mais as mãos dela:
– Não diga isso. Não me rejeite.
– Você é quem me rejeita.
Ele deu uma risada amarga:
– Já entendi tudo. Me esnoba porque sou um mortal, não é?
– Eu não te esnobo.
– Então venha comigo! Seja rainha de Esparta, ao meu lado!
– Não fui feita pra reinar sobre homens, mas inspirar-lhes o coração!
A cada palavra de Eirene, o espírito de Teodoro se exaltava, seus olhos ganhando os tons do amor não correspondido, do ciúme doentio, do orgulho ferido. Suas mãos largaram as da Paz e mudaram de direção.
– É por que sou mero mortal, não é? Por isso me despreza, pisa em meu coração, despedaça-me! Ora – sua mão foi à cintura. – Este mero mortal tem o poder de acabar com sua tirania. Se não posso te ter... ninguém mais terá!
Eros gritou e, despedaçando a árvore em que estava, ao se transformar subitamente num forte jovem alado, desceu como um raio até o solo. Alcançou Eirene no instante em que o punhal lhe entrava no peito.
Com o feroz bater de suas asas, Eros lançou para longe o rei de Esparta e, tomando a ferida Eirene nos braços, saiu voando pela abertura na clareira. Ainda pôde ouvir, lá embaixo, a distante risada de Ares...
– Me perdoe, Paz – soluçou Eros, disparando pelo céu, a bela deusa desfalecente em seus braços. – Pensei que, se o fizesse te amar, te salvaria...
Ela tentou dizer algo, mas o vento levou suas frágeis palavras.
Eros acelerou, sempre rumo ao oeste, contra o sol, ao encontro da Noite.
– Nyx – ele dizia, desvairado. – Talvez Nyx consiga fazer algo...
– Não – a voz de Eirene saiu. – Leve-me para sua ilha... A ilha de onde costuma me observar.
Aquilo emocionou o deus sobremaneira.
– Você me via?
Ela fez sim com a cabeça, os olhos moribundos semicerrando.
Eros mudou o curso e, mais veloz do que qualquer de suas flechas, sobrevoou oceanos até pousar em sua pequena ilha. Sentou-se então no topo do vulcão, com Eirene bem aninhada em seu colo.
– Oh, bela estrela! – murmurou ele, embargado. – És tão esplêndida de perto quanto quando estavas lá em cima! Oh... Quão injusta é sua rejeição pelo mundo!
– Quão injusto também é... que o mundo te rejeite – devolveu ela. – Somos... iguais... não?
– Realmente – as lágrimas rolaram pela face de Eros. – Fadados a falhar.
Então Eirene ergueu uma mão e tocou o peito de Eros. Os olhos dela pareceram recuperar um pouco do brilho, e suas palavras saíram mais firmes:
– Eu sei como pode me salvar, Eros.
E sorriu tão magnificamente que, mais do que nunca, o deus a amou.
– Diga!
– Dê-me a sua aljava.
Mesmo sem entender, Eros atendeu ao pedido, pousando a aljava, cheia das flechas com as quais atingia corações, nas mãos dela.
Eirene continuou o olhando:
– Só que, assim fazendo... estarei sempre contigo.. e se isso for um peso...
– Oh, é tudo que mais quero! Está falando com aquele que, durante dois anos, viveu todos os dias ansiando pela noite, quando te veria no céu!
– Então está feito – ela sorriu, elevando o rosto.
Instintivamente, Eros inclinou o seu próprio e tocou os lábios dela.
Então a Paz se esvaneceu, tornando-se como uma neblina branca; mas, em vez de ser levada pelos ventos, parte da neblina deixou-se ser absorvida pelas flechas na aljava, enquanto outra parte penetrou o peito de Eros e o fez de morada.
Uma alegria imensurável inundou o deus, junto à percepção de como, agora, tudo acabava de mudar.
Até hoje, ele e Eirene, o Amor e a Paz, separados tinham sido fracos. Paz nunca pôde existir onde não há amor. O amor nunca pôde prosperar onde não há paz. Mas agora eram um só. Indivisíveis. O amor de Eros sempre traria, consigo, a paz de Eirene. E a paz de Eirene sempre germinaria o amor de Eros.
Sorrindo, não só por essa compreensão, mas por sentir sua estrela amada habitando o seu peito, tornando-o invencível, Eros deixou a ilha e foi percorrer o mundo.
Agora, era Guerra quem se sentiria impotente.
****** FIM ******
Palavras: 1425
Total: 2997
***
Hey, pessoal, tudo bem?
Não sou hippie, mas: Paz e Amor! haha
E é isso aí
Obrigado pela leitura!
Abraços!! <3
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