Capítulo Vinte e Um

Pedro Alves:

Desliguei o telefone e, por um instante, fiquei olhando para o corpo caído de Vincenzo no chão. Soltei um suspiro, preferindo ignorar a situação. Afinal, havia coisas mais urgentes a resolver. Caminhei até onde estavam as mulheres da minha família, junto de Samuel, que parecia determinado a negociar mais alguns minutinhos para adiar sua hora de dormir.

— Cadê o seu irmão? — Minha mãe perguntou, sem desviar o olhar da agitação familiar ao redor.

— Está dormindo no chão da sala — respondi com naturalidade. Ela, no entanto, balançou a cabeça, reprovando.

— De novo, Pedro? Já te disse para parar com isso. — Ela falou em tom de reprovação, sacudindo a cabeça. — Não foi assim que te criei. Que tipo de exemplo você acha que está dando ao Samuel, fazendo isso com o seu irmão?

Antes que eu pudesse responder, Alice, sempre animada, bateu palmas de um jeito exagerado.

— Que ele não leve desaforo para casa, nem da própria família! — ela disparou, claramente se divertindo com a situação.

— Alice, isso não resolve nada — minha mãe retrucou, ainda com o ar sério.

— Resolve sim! Para o Vincenzo e o Caio, vai resolver muitos dos problemas que eles causam — Alice respondeu, e Agnes, do outro lado, soltou uma risada, balançando a cabeça.

— Vocês estão decididas a discordar sobre como lidar com folgados, hein? — Agnes falou, lançando um olhar desafiador enquanto as duas começavam uma discussão que prometia durar.

Enquanto isso, Samuel se aproximou de mim com aquele jeitinho persuasivo que só ele tinha, estendendo a mão para mim.

— Quero falar com o tio Connor, a gente nem passou meu número pra ele ainda — disse, tentando parecer muito sério para a idade.

Sorri, mas balancei a cabeça. — Já está tarde, Samuel. O Connor está cansado depois de tanto trabalhar. Amanhã vocês conversam, ok?

Samuel fez um bico, daqueles que me fazia querer rir. Ele olhou discretamente para a minha mãe, que estava por perto, como se estivesse tramando algo. Seus olhos brilhavam como os de um bichinho fofo que sabia exatamente como conseguir o que queria.

— Por favor, papai — ele pediu, fazendo aqueles olhinhos pidões que me derretiam sempre, mas eu sabia que tinha que ser firme. Balancei a cabeça de novo.

— Samuel, hoje não. Amanhã você fala com o Connor. — Cruzei os braços, tentando parecer sério. — Nem adianta insistir.

Ele inflou as bochechas, claramente contrariado, pegou seu gato de estimação e começou a se afastar emburrado. Foi engraçado demais para deixá-lo escapar assim. Fui atrás dele, pegando-o no colo de surpresa.

— Acha que vai fugir tão fácil? — brinquei, fazendo cócegas na barriga dele. Ele explodiu em risadas, tentando se contorcer para se livrar.

— Para, pai! — ele gritava entre gargalhadas, se dobrando todo. — Não estou bravo!

Quando parei, segurei-o firme contra mim, sentindo o calor dele se aconchegar no meu peito. Era incrível como aquele pequeno momento me trouxe de volta à primeira vez que o segurei nos meus braços, logo que nasceu. Naquele instante, meu mundo mudou. A alegria tomou conta de mim de um jeito que palavras não descrevem. Era um tipo de felicidade que eu nunca tinha experimentado antes. Saber que eu seria responsável por ele, que ele contaria comigo para tudo... Meu coração quase explodiu de amor.

Samuel sempre me faz sentir algo indescritível. Eu olho para ele agora, tão crescido, tentando ser independente, e é como se o tempo tivesse passado num piscar de olhos. Não faz tanto tempo que ele estava tentando dizer as primeiras palavras, e agora, aqui está ele, querendo agir como um mini-adulto na minha frente. E o pior? Ele consegue ser ainda mais adorável a cada dia.

Ver o jeito como ele ri, o brilho nos olhos dele... Ah, esse moleque é minha maior alegria.

*****************************

Depois de finalmente arrastar Vincenzo para o quarto de hóspedes, suspirei pesadamente, deixando o corpo relaxar um pouco. Minha mãe e Agnes tinham ido embora, e, como de costume, Alice foi a única a ficar. Sempre ela. Quando achei que poderia ter um pouco de paz, ela se aproximou com aquele olhar suplicante.

— Será que posso pegar uns dias de férias? — Alice perguntou, com uma voz meio inocente, meio esperta. — Posso ajudar com o Samuel quando você precisar sair com o Connor.

Revirei os olhos de leve, sabendo que, mesmo com as melhores intenções, a presença dela não mudaria muita coisa. Conheço minha mãe, meu pai, e até a própria Agnes... Todos vão ficar por perto, mesmo que eu diga que não precisa. Eles não aceitam "não" como resposta.

— Não precisa se preocupar com isso, Alice — respondi, balançando a cabeça. — Em breve, vou voltar para a cidade, e Samuel volta para a escola também. Vai ficar tudo bem.

Alice me olhou como se eu tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo. O olhar dela estava cheio de descrença.

— O que foi? — perguntei, franzindo o cenho.

— Você vai voltar pra Londres e simplesmente... abandonar o Connor? — ela disse, com uma ênfase dramática. Eu ainda não tinha captado onde ela queria chegar.

— Alice, por favor... Não vou mudar toda a minha vida, nem a do meu filho, por alguém que conheço há poucos dias. — A forma como ela me encarou, como se eu tivesse dito algo ridículo, me deixou um pouco irritado. — Tenho certeza que o Connor pensa da mesma forma.

Alice não disse mais nada, mas percebi que seus olhos se desviaram para algo atrás de mim. Me virei para ver Samuel entrando na sala de jantar, com aquele ar tímido, sem me encarar diretamente. Será que ele ouviu alguma coisa? Isso mexeu comigo de um jeito que eu não esperava. O garoto parecia com medo de que eu pudesse me afastar dele de novo.

O jantar foi silencioso, quase desconfortável. Alice, por fim, decidiu ir embora, e a observei se afastar, me sentindo estranhamente esgotado. Havia algo na expressão dela que me incomodava, mas deixei pra lá.

Depois de colocar Samuel na cama, ainda em seu silêncio habitual de noites complicadas, depositei um beijo suave em sua testa e fui me deitar. Ele precisa entender que nem sempre podemos ter tudo o que queremos, e mudar toda nossa vida por conta de uma pessoa, por mais especial que seja, pode ser complicado demais. Mas será que era isso mesmo? Era difícil admitir, mas algo estava me corroendo por dentro.

Não consegui dormir. O peso da insônia e da confusão em minha mente me fizeram levantar. Peguei o laptop e liguei-o, mais para ocupar a mente do que por necessidade. Comecei a mexer no marcador de tempo, conectei a VPN e, antes que percebesse, estava invadindo as câmeras de monitoramento da cidade. A intenção inicial era procurar lugares bons para comprar e me mudar, já que as escolas também estavam no registro público, mas minha mente parecia dispersa. Ficar aqui, nessa cidade, implicaria na maior mudança de toda minha vida... e da vida de Samuel.

Se Kara ainda estivesse viva... Minha melhor amiga, a mãe do Samuel, teria sabido o que me dizer. Ela sempre soube. Aquelas palavras dela ecoavam na minha mente: "Ouça sua mente, mas confie em seus sentidos e pressentimentos."

Eu costumava seguir esse conselho cegamente, mas agora? Era frustrante, quase doloroso. Pela primeira vez na vida, minha mente e meu coração estavam se contradizendo. Não sabia mais o que fazer, e isso me assustava mais do que qualquer outra coisa.

Eu fechei o laptop, deixando a tela escurecer. Aquele dilema martelava na minha cabeça como se fosse impossível encontrar uma resposta clara. Era engraçado, de certa forma. Sempre fui tão certo das minhas decisões, sempre soube o que era melhor para mim e para o Samuel. Mas agora, com tudo isso envolvendo o Connor, a cidade, e o futuro... parecia que meu próprio coração estava me sabotando.

Olhei para a janela, a luz fraca da lua espreitando pelas cortinas, iluminando suavemente o quarto. Eu não queria admitir, mas Alice tinha razão em parte. Samuel estava se apegando ao Connor de uma forma que eu não tinha previsto. Aquele garoto, que antes só queria a atenção dos meus pais ou de mim, agora estava pedindo para falar com Connor quase todas as noites. Era como se, de alguma forma, ele sentisse que Connor preenchia um espaço que antes estava vazio. Mas será que era justo?

Pensei em Kara novamente. Se ela estivesse aqui, será que teria enxergado algo que eu não estou vendo? Será que ela me diria para ficar, para dar uma chance a essa vida nova? Ela sempre teve um jeito de enxergar além do óbvio, de encontrar o que meu coração tentava esconder. E eu? Sempre me orgulhei de ser racional, mas agora me sinto perdido.

Talvez fosse mais do que o apego do Samuel. Talvez fosse eu. Talvez eu também estivesse me apegando ao Connor de uma maneira que nem percebi. As pequenas conversas, os momentos que passamos juntos... aquele jeito dele de ouvir, de realmente prestar atenção no que eu tinha a dizer, era algo que eu não encontrava com facilidade. Não, não poderia ser. Não posso estar confundindo as coisas.

Você vai mudar toda a sua vida por alguém que acabou de conhecer? As palavras que eu disse a Alice voltavam à minha mente, mas agora soavam vazias. Será que realmente conhecemos as pessoas pelo tempo que passamos com elas? Ou pelas conexões que construímos? Connor... ele chegou tão de repente, mas parece ter se encaixado de um jeito que eu nunca esperava.

Samuel já estava apegado, sim, e isso complicava as coisas. Mas também não era só sobre ele. Eu me pegava pensando em Connor mais do que deveria. No jeito como ele sorria quando falávamos sobre coisas triviais, no jeito que ele olhava para mim como se realmente quisesse entender o que estava por trás de cada palavra minha. E isso me assustava. Estar vulnerável, abrir espaço para alguém depois de tanto tempo sendo só eu e Samuel... era perigoso.

E se Connor não quisesse ficar? Se ele pensasse o mesmo que eu: que mudar toda a vida por outra pessoa era complicado demais? Eu estava projetando um futuro que nem sei se ele consideraria. O medo de me jogar de cabeça e, de repente, me ver sozinho de novo, era avassalador.

Kara teria me dito para confiar nos meus instintos, mas, desta vez, meus instintos pareciam estar brigando entre si. A razão dizia para seguir meu plano, voltar para Londres, focar em Samuel e na vida que construímos. Mas meu coração... meu coração parecia querer algo diferente, algo que eu ainda estava tentando entender.

Sentei-me na cama, apoiando o rosto nas mãos. Como poderia tomar uma decisão que parecia tão simples de fora, mas tão complexa por dentro? Cada possibilidade, cada caminho que eu considerava, me levava a um novo tipo de incerteza.

Talvez, no fim das contas, eu precisasse parar de tentar prever o futuro e apenas... viver. Connor estava aqui agora, Samuel estava feliz, e talvez eu precisasse dar uma chance a isso. Talvez essa mudança, que tanto me apavorava, fosse a coisa certa.

Suspirei, deitando-me de novo. O quarto estava quieto demais, mas meus pensamentos não paravam. Fechei os olhos, tentando acalmar o turbilhão que era minha mente. E então, uma última ideia me atingiu com força: será que eu estava com medo de seguir em frente? De dar uma nova chance ao amor? E se, ao me proteger, eu estivesse afastando algo que poderia me fazer feliz de verdade?

*****************************

O dia estava surpreendentemente tranquilo, finalmente um pouco de paz em meio ao caos familiar. Meus pais e Agnes decidiram levar Samuel para passear, o que eu achei ótimo. Ele precisava se distrair um pouco, passar um tempo com os avós. Eu, por outro lado, fiquei em casa, aproveitando o raro silêncio para mexer no laptop, tentando organizar algumas coisas que eu tinha deixado para depois.

Mas claro, o silêncio nunca dura muito tempo por aqui. A porta se abriu com um estrondo, e Caio entrou como um furacão, seguido por Alice, já no meio de uma discussão acalorada.

— JÁ CHEGA! — gritei, levantando-me e me colocando entre os dois antes que se matassem ali mesmo. — O que aconteceu agora?

Alice, praticamente rosnando de raiva, apontou para Caio.

— Pedro, ele acabou de admitir que destruiu meus equipamentos, tudo porque queria fazer os malditos experimentos dele! — Ela estava à beira de explodir. — Um dos experimentos até detonou dentro de uma das minhas malas! Eu perdi papéis importantes, e alguns deles eram invenções que eu iria discutir com nossos pais!

Caio, sempre com aquele ar presunçoso, deu de ombros como se não fosse grande coisa. — Já pedi desculpas, Alice. Mas você sabe que preciso ficar de olho em quem pode estar observando a gente. Precisamos fazer com que nossos equipamentos sejam ainda mais potentes!

— Potentes? Isso só destrói mais rápido! Você sabe o quanto é delicado construir cada peça! — Alice se debatia no meu aperto, tentando se livrar para avançar nele. — Você não entende nada sobre como construir essas armas! Um erro e tudo pode ir pelos ares!

Enquanto eu tentava controlar o caos, Vincenzo apareceu da porta do quarto. Ele olhou a cena e já deu sinal de que iria embora, claramente achando que não queria se envolver.

— Se você sair dessa casa sem me ajudar, eu juro que atiro em você — falei com uma frieza sombria, sem me preocupar com as consequências. — E nem me importo se o nosso país vai achar ruim.

Vincenzo fez uma careta de desgosto, cruzando os braços. — Não vou ajudar em nada. Pela segunda vez em menos de duas semanas, você me fez desmaiar de cara no chão! — Ele apontou para o próprio rosto. — Sabe que essa é a minha melhor parte!

Revirei os olhos. Vincenzo era um mestre em se esquivar de responsabilidades. Ele estava claramente feliz por ver que eu estava segurando Caio e Alice, como se isso fosse uma desculpa para não se envolver.

Foi então que um pensamento me ocorreu, uma forma de manipulá-lo, digamos assim.

— Sabe quem me mandou mensagem esses dias? — comecei, tentando parecer desinteressado. — Dylan Watson.

Vincenzo congelou no lugar. Seus olhos, que antes estavam irritados, brilharam de repente, revelando um desejo que ele mal tentava esconder. Ah, Dylan Watson... O irmão mais novo de uma das amigas dos meus irmãos, e a única pessoa que, aparentemente, conseguiu deixar Vincenzo fora de controle. Eles se conheceram no casamento de Vinícius e Calvin, e Dylan foi a primeira pessoa a jogar a verdade na cara de Vincenzo, expondo como o comportamento dele era, bem, desnecessário. E, talvez mais importante, foi a única pessoa que ignorou completamente o charme que meu irmão tentava lançar para levá-lo para a cama.

— O que ele disse? — Vincenzo perguntou, com um brilho nos olhos que ele nem tentava disfarçar. — Não que eu me importe...

Claro, Vincenzo fingia desinteresse, mas era óbvio que Dylan mexia com ele. E eu sabia exatamente como usá-lo para conseguir o que queria.

— Se me ajudar a separar esses dois — apontei para Caio e Alice, que ainda se encaravam como dois gatos prontos para brigar — eu conto tudo que você quiser saber.

Vincenzo hesitou por um segundo, mas então puxou Caio para o outro lado da sala, jogando-o por cima do ombro com um esforço mínimo. Fiquei levemente surpreso com a facilidade.

Com Alice ainda furiosa, mas agora no sofá, apontei para ela com firmeza.

— Fique aqui e nem pense em sair, ok?

Ela, contrariada, cruzou os braços, mas obedeceu. Finalmente, eu estava começando a controlar a situação. E agora, tinha algo em mãos para manter Vincenzo ocupado...

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Gostaram?

Até a próxima 😘

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