Capítulo Trinta e Sete
Pedro Alves:
Sentei-me mais uma vez no escritório, observando o relógio na parede como se ele estivesse me desafiando. O tempo parecia se arrastar, quase como se soubesse que eu estava ansioso pela chegada da minha mãe. Enquanto analisava os documentos à minha frente, minhas mãos se moviam automaticamente, mas minha mente já havia se desconectado há algum tempo. Era tarde, a luz suave do fim de tarde se esvaía pelas janelas, dando lugar à escuridão suave da noite.
Tinha conversado com Connor mais cedo, e só de lembrar sua voz, um sorriso escapou. Ele sempre tinha aquele jeito de me fazer sentir em casa, mesmo quando tudo parecia caótico. Depois, liguei para Samuel, que mal trocou três palavras antes de me dizer, com toda a seriedade do mundo, que precisava desligar para assistir ao seu desenho favorito. Ah, essas prioridades infantis... Eu ri baixinho, sabendo que ele estava lá, provavelmente com os olhos grudados na TV, totalmente imerso no seu mundo de aventuras animadas.
Ao meu lado, a mala estava encostada na cadeira, pronta para qualquer imprevisto. A pasta do laptop repousava junto, esperando para ser aberta, mas eu não tinha ânimo para mexer nela agora. Meu olhar se desviou para a caixinha com as alianças, guardada cuidadosamente. Era minha pequena arma secreta, algo que faria o coração de Connor disparar de surpresa e felicidade — assim espero. Mal podia esperar para ver a expressão dele quando tudo estivesse resolvido e eu pudesse fazer o pedido. Aquilo seria... épico.
Enquanto esperava, meus pensamentos vagavam para aquele momento futuro. A expressão dele, o jeito que seus olhos sempre brilham quando está feliz... Só de imaginar, meu coração dava um salto, como se quisesse me lembrar de que eu era o cara mais sortudo do mundo. Eu estava ansioso, nervoso, mas acima de tudo, empolgado.
Suspirei, jogando a cabeça para trás, encarando o teto. Será que meus pais vão demorar muito? Eu realmente queria resolver tudo logo, para que o próximo passo fosse dar aquela surpresa para o Connor. E quem sabe Samuel não acabaria pulando de alegria também? Bem, desde que não esteja assistindo seu desenho favorito. Nada nem ninguém compete com isso.
Meus pais entraram no escritório com a serenidade de quem já enfrentou muitas batalhas. Trocamos algumas palavras, aquelas conversas breves e quase automáticas que fazemos antes de um grande plano entrar em ação. Eles se sentaram à minha frente, e eu, ainda com os olhos nos papéis à minha frente, comecei a mostrar o que havia descoberto.
— Encontrei algumas possíveis localizações enquanto analisava os documentos — falei, virando a tela do computador para eles verem. — Pela pesquisa que fiz, alguns desses lugares estão completamente abandonados, o que facilita nossa movimentação. Só um deles tem um grande aglomerado de pessoas. Além disso, tracei o melhor jeito de colocar uma bomba em cada local, com eficiência e sem chamar muita atenção.
Meu pai, sempre o mais direto, pegou o celular sem hesitar.
— Precisamos mandar alguns agentes?
Dei um meio sorriso, sabendo que essa pergunta era mais uma formalidade do que uma verdadeira dúvida. — Já cuidei disso. Vincenzo está liderando uma das equipes e já escolheu sua turma. Caio está no comando da outra.
Minha mãe, com sua calma costumeira, levantou-se imediatamente, como quem já sabia o que fazer antes mesmo de perguntar. — Então vamos — disse ela. — Temos um longo caminho pela frente, e vamos começar pelo local com maior aglomeração.
Caminhamos em direção ao carro, e meu pai assumiu o volante sem cerimônia. Me sentei no banco de trás, enquanto minha mãe, ao meu lado, trocava mensagens com Alice sobre algum projeto que minha irmã vinha desenvolvendo nos últimos dias. Entre uma curva e outra, o silêncio no carro era quase confortável, exceto pelo leve zunido dos meus pensamentos que não paravam de girar. O prédio que íamos tinha as maiores chances de ser o alvo central. E, embora estivéssemos preparados, algo sempre me inquietava nessas missões.
Havia uma época em que esse tipo de operação fazia meu coração disparar, minhas mãos suarem. Eu sentia cada emoção como um trovão dentro de mim, como se a qualquer momento tudo pudesse desmoronar. Mas agora... agora era diferente. Desde que me tornei profissional, os sentimentos não desapareceram, mas eles ficaram... distantes. Era como se fossem sombras de algo que eu costumava sentir, como se as emoções estivessem sendo experimentadas através de uma fina camada de vidro. Eu sabia que estavam lá, mas não podia tocá-las diretamente. E, nos últimos tempos, até essas sombras pareciam estar desaparecendo, substituídas por uma espécie de amnésia emocional, uma indiferença tranquila, enquanto eu olhava para as informações espalhadas sobre minha mesa.
Mas então, meus pensamentos sempre voltavam para Samuel e Connor. Eles eram o ponto de ancoragem que mantinha meu mundo girando. Só de pensar que, depois de tudo isso, eu estaria de volta com eles, o peso no meu peito diminuía. Era como se, mesmo em meio ao caos, eles badalassem um sino interior dentro de mim, fazendo-o vibrar de volta à vida. Connor com sua serenidade e sorriso encantador, e Samuel com sua energia vibrante e incontrolável, enchendo minha vida de uma exuberância à qual eu ainda estava me acostumando.
Meus dedos inquietos tocaram de leve o celular no bolso, imaginando a mensagem que mandaria para Connor quando tudo estivesse resolvido. Talvez uma piada, talvez algo mais sincero, mas sempre com o intuito de trazê-lo para perto de mim. O pensamento de vê-los novamente me impulsionava a seguir em frente, a cada segundo mais perto daquele momento em que finalmente poderíamos estar juntos.
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Assim que o carro parou em frente ao prédio, desci sem perder tempo, seguindo por uma direção completamente oposta à dos meus pais. A adrenalina corria em minhas veias enquanto invadia o sistema de segurança o mais rápido que pude, visualizando as imagens das câmeras de vigilância. Pelo comunicador, ouvia meus pais relatando o que encontravam no caminho pelas instalações, enquanto eu me preparava para o que estava por vir.
Caminhando rápido, uma multidão densa surgiu à minha frente, bloqueando meu caminho. Meus olhos se fixaram em uma figura familiar à distância — Durant. Ele avançava pelo meio das pessoas, empurrando-as com cotovelos afiados e pisando em pés alheios com botas pesadas, movendo-se com violência para abrir caminho. Eu o segui, lutando para passar entre as pessoas. Quando finalmente o vi se afastar e entrar em um corredor central, acelerei o passo.
Avistei Durant novamente, entrando no lobby, a figura de uma garota do outro lado chamando minha atenção. Sem pensar, corri atrás dele, empurrando as pessoas para o lado. Esbarrei em uma garota de cabelo pintado de arco-íris, que soltou um "ui!" surpreso enquanto eu passava voando por ela. A adrenalina não me deixou hesitar.
Ouvi a voz de Durant no corredor à frente e me escondi rapidamente atrás de uma pilastra, espiando a cena à minha frente.
— Lilly está sendo muito paciente — Durant reclamava, sua voz carregada de irritação. — Aqueles malditos já estão me rastreando e sabem exatamente quem me ajudou a fugir esses dias. Mas tudo o que ela diz para eu fazer é cuidar dessa criança que ela sequestrou e usou em mais um de seus malditos testes.
Olhei para a garota que estava próxima a ele. Seus olhos brilhavam com uma energia estranha, algo que me fez lembrar dos arquivos que tinha lido sobre os experimentos de Lilly. Cada um de seus soldados era moldado por essas bizarras manipulações. A garota era claramente uma dessas vítimas, usada como cobaia.
— Porque ela te despreza — a garota zombou, sua voz carregada de sarcasmo. — Ela sabe que você só consegue fazer algo com a ajuda dela. E sabe que nunca vai te deixar fazer as coisas do seu jeito. Só quer que você me analise e cuide das bombas.
Durant, furioso, jogou o sapato com força no rosto da garota. O impacto foi tão brutal que ela cuspiu sangue. Ele descarregava toda a frustração nela, como se o simples ato de violência fosse aliviar sua raiva.
— Maldição! Por que eu tenho que fazer esse tipo de coisa? — Durant rugiu, corroendo-se de ódio. — É por isso que minha vida está uma merda! O que ela quer com uma garota como você? Os experimentos de super-soldados já foram um desastre, e agora ela quer criar um esquema envolvendo uma garota esquecida pelo mundo?
A garota, mesmo machucada, riu em desdém. — Talvez porque eu sou mais requisitada que você. Afinal, Lilly me deu mais atenção do que qualquer um dos seus fracassos.
Durant se aproximou lentamente, seus olhos cheios de intenções sombrias. — Já que é assim, vou aproveitar para ver como você reage a uma surra.
Foi nesse momento que saí do meu esconderijo, minha arma apontada diretamente para Durant.
— Pode parar aí! — gritei.
Durant se virou lentamente, surpresa e ódio estampados em seu rosto, mas antes que ele pudesse reagir, a primeira explosão ecoou pelo prédio. Tudo ao nosso redor começou a tremer, e Durant, ainda mais chocado, mal teve tempo de processar o que estava acontecendo. Aproveitei o momento e disparei o dardo tranquilizante, atingindo-o em cheio. Ele desabou no chão quase que imediatamente.
Sem perder tempo, corri até a garota. O som das explosões continuava, e a estrutura do prédio começou a ceder. Agindo por puro instinto, puxei a garota pelo braço e corremos juntos até a janela mais próxima, enquanto uma parede desabava atrás de nós. Olhei para o lado e vi meus pais e suas equipes evacuando as últimas pessoas do prédio.
— Segura firme! — gritei, ativando as botas especiais que me ajudariam a amortecer a queda.
Pulamos pela janela, mas o impacto foi muito maior do que eu esperava. Segurei a garota pelo braço, mas a força da queda fez com que batêssemos com tudo no chão. A dor se espalhou pelo meu corpo e, antes que pudesse entender o que havia acontecido, a escuridão tomou conta de mim. A última coisa que ouvi foi o som distante de mais explosões... e então, nada.
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Meu corpo estava envolto em uma dor excruciante, como se cada músculo estivesse sendo brutalmente arrancado e torcido. Senti uma pressão latejante em cada articulação, e até respirar parecia um esforço colossal. Lentamente, abri os olhos e fui recebido pela visão do teto pintado de látex branco. O cheiro forte de desinfetante perfurou meu nariz, e minha mente ainda atordoada começou a se recuperar. Aos poucos, a clareza voltou.
— Você está acordado? — uma voz suave e familiar sussurrou no meu ouvido.
Me virei com dificuldade na direção da voz, sentindo o corpo pesado como se estivesse coberto por pedras. Me surpreendi ao ver minha mãe sentada ao meu lado, calmamente folheando uma revista, como se estivesse apenas esperando por mim.
— O que aconteceu? As pessoas do prédio... elas estão bem? — perguntei, minha voz saindo rouca e frágil, como se cada palavra fosse arrancada da garganta.
Minha mãe levantou o olhar da revista e um sorriso suave curvou seus lábios. Mesmo naquele momento, ela conseguia manter uma calma quase reconfortante.
— Conseguimos evacuar todo o prédio a tempo. Durant foi preso, graças a você, e conseguimos resgatar aquela garota que fazia parte dos experimentos de Lilly — ela disse, com um tom tranquilo. — Pelo que vimos, nem mesmo Durant sabia onde a explosão aconteceria. Mas... — Ela fez uma pausa e seu olhar suavizou. — Esqueça isso por um momento. Quero que saiba que fiquei preocupada... e, para ser honesta, não sabia como contar ao Connor e ao Samuel o que aconteceu. Eu sou sua mãe, afinal. Para te salvar, passei sete dias e sete noites sem dormir. E agora, com seu namorado esperando um bebê, eu não aguentaria vê-lo sofrendo mais.
Suas palavras caíram sobre mim como um peso inesperado, e fechei os olhos por um momento, absorvendo tudo. Lembranças da queda vieram à tona, e a imagem da janela do quinto andar passou pela minha mente. Eu realmente pensei que fosse morrer. Mas, de alguma forma, minhas botas anti-gravidade e aquela árvore torta do lado de fora salvaram minha vida. Eu ainda estava aqui... mas e se não estivesse? Como Samuel ficaria, sem o pai? E Connor... agora, esperando nosso filho, como ele suportaria a dor?
— O que disse para o Samuel e o Connor? — perguntei, ainda com a voz rouca, sentindo a preocupação aumentar no peito.
Minha mãe suspirou, inclinando-se para frente e pousando as mãos no colo.
— Só disse que você sofreu um pequeno incidente em uma missão de campo, nada mais — ela respondeu, com um sorriso que escondia um leve toque de alívio. — Mas, entre nós, já estou me sentindo tão jovem com dois netos a caminho. Para falar a verdade, pensei que seria o Vincenzo a me dar vários netos primeiro... mas, sabe como é, seu irmão é uma verdadeira piranha.
Fiquei completamente pasmo com a sinceridade repentina dela, mas antes que pudesse reagir, ela soltou uma risada contagiante. Aquele som leve cortou o ambiente tenso, e por um segundo, eu não soube se ria junto ou se apenas aceitava que, às vezes, minha mãe era assim mesmo.
— Mãe, está muito sincera hoje — a voz familiar de Caio veio da porta do quarto. Ele estava recostado no batente, com aquele sorriso meio divertido, meio incrédulo.
Minha mãe virou-se para ele com uma expressão de falsa inocência. — Alguma informação sobre a garota? — perguntou, com aquele tom sério que só ela conseguia retomar tão rápido.
Caio deu de ombros, mas seu semblante mudou. Ele trocou um olhar conosco antes de falar.
— Bom, como ela já estava reagindo bem ao tratamento, fizemos um teste de DNA no banco de dados para ver se havia algum registro dela ou se era uma desaparecida. — Ele hesitou, claramente desconfortável com o que estava prestes a dizer. Finalmente, respirou fundo e soltou a bomba: — O resultado bateu com o DNA da nossa mãe.
O quarto ficou em silêncio. Fiquei olhando para Caio, tentando processar suas palavras, enquanto minha mãe piscava, confusa. A revelação nos pegou como um soco no estômago. A garota... era parte de nós? Minha mente ainda atordoada tentava montar as peças, mas, por enquanto, só conseguia lidar com o choque do momento.
Minha mãe olhou para nós, tentando manter a compostura, mas claramente impactada pela notícia. O que quer que viesse a seguir, as coisas tinham acabado de ficar muito mais complicadas.
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Gostaram?
Até a próxima 😘
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