Capítulo Três

Connor Wessex:

Desde o momento em que acordei, a correria já havia começado. Papéis da Wessex se acumulavam na minha mesa, e mal tive tempo de respirar antes de sair apressado para o restaurante Eton. Minha cabeça latejava, uma dor surda e constante que parecia crescer a cada minuto, enquanto eu tentava manter o ritmo com os investidores. Eles precisavam de respostas, decisões, garantias para os próximos eventos da empresa. E eu estava lá, tentando não perder o controle em meio ao caos.

Tudo o que eu queria era um lugar limpo, tranquilo. Um refúgio silencioso onde eu pudesse fechar os olhos, deixar o peso do dia escorrer dos meus ombros e simplesmente... parar. Mas, claro, isso era pedir demais. Antes que eu pudesse sequer sentar, lá estava ele. George Taylor. Meu melhor amigo, mas naquele momento, a última pessoa que eu queria ver.

Senti um suspiro escapar dos meus lábios antes mesmo de perceber. Não tinha forças para mais uma conversa, não depois de um dia como esse. Mas George nunca foi de se afastar. Ele me seguiu até aqui, determinado a falar sobre algo que, com certeza, não poderia esperar. Eu mal tinha reunido meu espírito para me recompor, e já estava diante dele, tentando descobrir o que ele queria.

Tudo dentro de mim gritava por descanso, por silêncio. Mas, no fundo, sabia que, por mais cansado que estivesse, sempre havia espaço para George. E lá estava ele, com aquele olhar determinado que eu conhecia tão bem, e que, de alguma forma, sempre conseguia me fazer parar e escutar, mesmo quando tudo o que eu queria era fugir.

— George, há algo que você queira me dizer? — perguntei, virando-me enquanto tentava arrumar a pilha de papéis que carregava nos braços, já cansado do dia.

George estava parado ali, com um semblante que misturava nervosismo e frustração. Seus olhos corriam de um lado para o outro, como se estivesse se preparando para soltar algo pesado.

— Connor, deixe-me perguntar... você enviou minha inscrição para aquela audição de protagonista masculino? — ele finalmente disparou, fazendo-me parar no ato de organizar os documentos. Virei-me para ele, e um sorriso inevitável surgiu no meu rosto.

— Sim, enviei. Por quê? — respondi, sem entender o motivo de tanta tensão.

— Frederico, meu agente, disse que não posso ir amanhã! — George exclamou, a frustração em sua voz era palpável. Eu já esperava por algo assim. Frederico sempre foi uma pedra no sapato de George, barrando qualquer oportunidade que ele realmente desejasse.

Por mais que George fosse um talento nato, seu empresário parecia mais interessado em protegê-lo de oportunidades que todas as grandes empresas de entretenimento estavam disputando. Levantei as sobrancelhas, sem surpresa.

— E qual seria a razão? — perguntei calmamente, tentando não alimentar ainda mais a tensão no ar.

George soltou um suspiro irritado antes de responder:

— Você foi pelas minhas costas, Connor! E ainda tem a coragem de me perguntar o motivo? Não sabia que a empresa já providenciou para o Nicolas fazer a audição? — A frustração estava clara em seu tom, e eu sabia que ele não estava bravo comigo exatamente, mas sim com a situação.
Dei um sorriso leve, tentando acalmar os ânimos.

— Isso não parece entrar em conflito com os acordos da empresa, — respondi tranquilamente, sem deixar a provocação no ar. — Frederico te disse isso, não é? E posso apostar que o Nicolas o pressionou para vir até você. O que foi? Ele está com medo de que você, um ator "insignificante" cujo nome ainda não brilha nos holofotes, consiga o papel?
George me olhou com uma incredulidade frustrada, quase rindo da situação absurda.

— Você acha que eu tenho a habilidade de roubar o papel de Nicolas? — ele balançou a cabeça, descrente. — Você vive dizendo que eu deveria ir atrás dos meus sonhos, mas escuta bem: a família dele investiu 30 milhões nesse filme. O Nicolas já está seguro nesse papel!

— Ah, sim, sua adorável família... — murmurei, estalando a língua em desdém. — Frederico deve ter repetido aquela ladainha, não é? 'Já que você é meu artista, você tem que seguir meus arranjos!' — imitei a voz pedante de Frederico, como se estivesse acima de todos, com Nicolas sempre à sombra. — Lembra que sou mais rico que a família dele, e meu pai também investiu nesse filme. O papel é seu também, George, não se subestime.

Suspirei, movendo-me em direção ao depósito, sabendo que George me seguiria, ainda absorvendo o que eu tinha dito.

— Então, George, você ainda sabe que é um artista, certo? — perguntei, esperando uma resposta que o tirasse daquele ciclo de submissão a Frederico.

— Connor, eu não tenho tempo para brigar com você, — ele disse, o cansaço em sua voz era evidente. Antes que eu pudesse responder, ouvi passos pesados se aproximando.

— Já que você está se recusando a obedecer, não me culpe por recorrer à força! — a voz de Frederico ecoou pelo corredor, fria e calculada. Antes que eu pudesse reagir, senti um golpe forte pelas costas, me pegando completamente de surpresa. Meu corpo foi empurrado com violência para dentro do depósito, fazendo-me perder o equilíbrio. Meu telefone caiu das minhas mãos e escorregou para longe.

Com um estrondo, a porta foi fechada com força. Fui deixado no escuro, trancado e impotente. Meu coração disparou no peito, e a dor no corpo parecia insignificante diante da raiva crescente. Frederico tinha passado dos limites, e eu sabia que não deixaria isso barato.

George me olhou, olhos arregalados, claramente em choque.

— Connor... o que a gente faz agora? — sua voz tremia ligeiramente.

Respirei fundo, tentando acalmar a tempestade de emoções dentro de mim.

— Nós vamos sair daqui, e vamos resolver isso, George. De uma vez por todas. — As palavras saíram com uma calma que escondia o turbilhão de raiva e determinação que crescia dentro de mim. Frederico ia se arrepender de ter mexido conosco.

Os passos do lado de fora da porta se afastaram lentamente, deixando para trás um silêncio pesado e sufocante. Sabendo que gritar seria inútil, George permaneceu quieto, apoiando-se contra a porta antes de deslizar para o chão com uma expressão vazia, quase indiferente. O cansaço emocional parecia ter o atingido de uma vez.

Eu soltei um suspiro pesado, sentindo a raiva fervilhar dentro de mim. Frederico... aquele desgraçado.... Quando George entrou nessa maldita empresa, ele ainda era capaz de manter a calma, aceitava papéis de vilão, papéis pequenos, mas nunca deixou de ser ele mesmo. Frederico, claro, fazia o mínimo para ajudá-lo, mas sempre o mantinha à margem. Eu vi o potencial de George. Sabia que ele era mais do que o figurante que queriam que ele fosse, e talvez por isso eu tenha me tornado cada vez mais ousado. Fui longe demais, tentando protegê-lo, tentando lhe dar o lugar que ele merecia.

Mas se George não conseguisse esse papel... eu teria que arranjar uma maneira de tirá-lo da Starlight Entertainment. Frederico o estava sufocando.

Enquanto esses pensamentos amargos giravam na minha mente, um som fraco e estranho chamou minha atenção. Algo se movia no fundo do depósito.

— Tem um rato aqui? — George perguntou, sua voz soando mais animada, talvez pelo pânico, enquanto se levantava às pressas.

— Se controla, homem, — respondi, seguindo o som com os olhos, tentando entender de onde vinha. Quando finalmente olhei na direção certa, fiquei completamente atordoado.

Atrás de uma pilha de caixas, encolhido em um canto escuro, havia um garoto segurando um gato nos braços. Ele não devia ter mais de dez anos. Seus olhos grandes e assustados me encaravam com uma mistura de desconfiança e medo. O gato, ao contrário, parecia tranquilo, aninhado nos braços do garoto como se não houvesse nada de errado.

O que... o que um menino fazia escondido aqui? E com um gato? Em um depósito de restaurante, de todos os lugares? Não fazia o menor sentido.

— Ei, garotinho... quem é você? Como chegou aqui? — perguntei, me abaixando para ficar mais próximo do nível dele. — Você se escondeu aqui sem ninguém ver?
O menino permaneceu em silêncio, tremendo visivelmente. Seus olhos grandes pareciam os de um animalzinho assustado, tentando entender se éramos amigos ou inimigos. Eu esperei, mas ele não dizia nada.

— Está tudo bem, ninguém vai te machucar, — tentei suavizar o tom, me aproximando um pouco mais. George, ainda ao meu lado, observava com curiosidade, mas sem fazer nenhum movimento brusco.

Mesmo assim, o garoto continuou em silêncio, tremendo ainda mais. Ele parecia estar à beira de um colapso, como se o simples fato de estarmos falando com ele o fizesse querer desaparecer.

Eu fiquei ali, parado, sem saber exatamente o que fazer.

Meu coração doía um pouco por aquela criança tão apavorada. Quem ele era? E por que estava escondido aqui, como se estivesse fugindo de algo muito pior do que dois homens trancados em um depósito?
Eu precisava de respostas, mas de algum modo, sabia que ia ter que conquistar a confiança daquele pequeno primeiro.

*********************************

Finalmente, desisti de continuar tentando conversar. O que quer que estivesse acontecendo ali, não tinha nada a ver comigo. Estava cansado demais para me importar com as circunstâncias além do meu alcance.

— Como vamos sair desse lugar? — George gemeu, exasperado.

Os três — dois adultos e a criança — ocupavam, de certa forma, seus próprios cantos do depósito, como se o destino os tivesse colocado ali para compartilhar uma estranha solidariedade silenciosa. Ninguém estava disposto a lutar contra a situação, pelo menos por enquanto.

Nesse momento, a lâmpada acima de nós piscou freneticamente, iluminando nossos rostos por um breve instante, antes de se apagar completamente, mergulhando o espaço em uma escuridão opressiva. O silêncio que se seguiu foi interrompido apenas por um som baixo e persistente. Algo como... dentes batendo.
Escutei atentamente e percebi que o som vinha da criança. O medo dela era palpável.

— Medo do escuro? — perguntei, a voz suave. O som dos dentes batendo parou por um segundo, apenas para retornar ainda mais alto, revelando o pavor que a consumia.

Suspirei e puxei George comigo, caminhando até o garoto. Sentamo-nos ao lado dele, sem dizer nada, apenas criando uma presença que pudesse lhe dar algum conforto. Sem demora, fechei os olhos, tentando descansar um pouco, mesmo que o ambiente estivesse longe de ser ideal. George murmurou algo que não entendi, e o gato soltou um miado suave, como se também compartilhasse do cansaço.

Quando acordei, algum tempo depois, senti um calor estranho na perna. Olhei para baixo e vi o garoto, que em algum momento havia se aconchegado ao meu lado, sua pequena mão segurando firmemente o canto da minha camisa. O gato, agora, dormia tranquilamente no meu colo. George, por sua vez, estava com a cabeça encostada no meu ombro, ressonando levemente.
Percebendo meu olhar, o menino abriu os olhos lentamente. Seu rosto corou, mas não havia mais traços de medo. No lugar do pânico, seus olhos estavam cheios de curiosidade.

— Sou Connor, e esse aí é meu amigo George, — falei, apontando para George, que ainda dormia. O menino assentiu levemente.

— Samuel, — ele respondeu com uma voz pequena, mas firme. — Eu entrei aqui só para pegar esse gatinho... eu gosto de animais.

Não pude deixar de sorrir, embora a situação fosse bizarra.

— Isso foi uma coisa bem imprudente de se fazer, Samuel. Seu pai deve estar preocupado, — respondi, erguendo a cabeça e notando, finalmente, uma pequena claraboia no teto. A luz suave da manhã entrava por ela, iluminando o ambiente com uma esperança tímida.
Olhei ao redor e avistei uma escada no canto da despensa. Levantei-me devagar e fui até ela, movendo-a com cuidado.

— Samuel, venha. Vou te ajudar a sair por essa claraboia, — falei, já posicionando a escada debaixo da janela. George, acordando com a movimentação, murmurou algo incoerente, e o gato miou de novo.
Samuel hesitou, seus olhos saltando de mim para George e depois para a escada.

— Você é bem leal, hein? Quer ficar e sofrer com a gente? — provoquei, tentando convencê-lo. — Suba, Samuel. A janela é pequena demais para nós, mas você e o gato conseguem sair. Se sair primeiro, pode encontrar alguém que possa nos tirar daqui.

Eu ri suavemente e belisquei suas bochechas, tentando descontrair o momento. Ele ainda parecia relutante, mas antes que pudesse protestar, levantei-o com o gato nos braços e o coloquei na escada.

— Vamos, Samuel. Se você é um homem, não hesite. Eu te protejo aqui de baixo! — incentivei, sorrindo para ele.
Depois de alguma dificuldade, finalmente conseguimos mandar Samuel pela claraboia. Ele olhou para nós uma última vez, os olhos agora decididos, antes de desaparecer.

Ao lado de George, esperei em silêncio, com a esperança de que Samuel voltasse com ajuda.

— Nunca vi você ser tão gentil com uma criança que não fosse sua sobrinha, — George comentou, quebrando o silêncio. Olhei para ele, um pouco surpreso.

— Imagino que, se você tivesse um filho, ele seria igual a esse garoto. Só que menos desconfiado, — George acrescentou com um sorriso cansado.

Suspirei, sentindo a dor de cabeça retornar com força total.

— Vamos apenas esperar... quero sair daqui o quanto antes e acabar com aquele agente maldito, — murmurei, massageando as têmporas.

Cinco minutos se passaram, mas pareceram horas. A dor na cabeça latejava, e George estava claramente tão exausto quanto eu. Mas então, ouvimos o som de passos do lado de fora e o barulho suave da porta se abrindo. Meu corpo relaxou um pouco, mas antes que pudesse processar, as vozes vieram... e tudo ficou turvo.

___________________________________

Gostaram?

Até a próxima 😘

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top