Capítulo Nove

Pedro Alves:

Já faz dias que estamos nessa cidade, e a cada segundo que passa, eu sinto mais o peso do fracasso. Samuel está odiando cada uma das minhas tentativas de nos aproximarmos, de tentarmos resgatar a relação que tínhamos, de pai e filho, como antes. É como se cada passo meu o afastasse ainda mais. Cada plano meticulosamente traçado desmoronando diante de nós, e a dor disso é insuportável.

Eu tentei tudo. Desde passeios até conversas longas e silenciosas. Mas nada parece quebrar essa barreira que ele ergueu entre nós. Cheguei ao meu limite e só me restou uma última cartada: Connor. A única pessoa capaz de fazer Samuel reagir, de tirar dele algum vestígio de entusiasmo. Connor, o único elo que restou entre mim e meu filho.

O plano estava indo bem. Claro, até o momento em que meus pais e minha ex-sogra, Agnes, decidiram nos visitar e se acomodar em nossa nova casa, insistindo em um jantar "familiar". Fazia tanto tempo que eu não via Agnes, mas meus pais mantinham contato diário com ela. Havia uma notícia recente: o ginásio dela, aquele pelo qual ela vinha batalhando por três anos, finalmente fechou um contrato importante. Minha mãe e Agnes estavam radiantes, trocando elogios e se parabenizando por terem conseguido "ajudar uma à outra" nesse empreendimento.

Mas o ponto crítico chegou quando as conversas cotidianas deram lugar a algo muito mais profundo.

— Pedro, o trabalho é importante, mas você não pode continuar negligenciando Samuel. — A voz de Agnes cortou o ar como uma lâmina afiada. — Você já terminou essa fase de trabalho intenso, então gaste mais tempo com seu filho! Não com esses hobbies inúteis.

Aquele comentário me atingiu em cheio, mas eu mantive o controle. Ela continuou:

— Encontre alguém para ajudar a cuidar de Samuel, se você realmente não tem tempo. Ele está crescendo, Pedro. Você também deveria pensar nos seus problemas pessoais.

Minha mãe, como sempre, foi rápida em endossar:

— Essa viagem não ajudou em nada a aproximá-los, pelo que vejo.

Meu pai, em um raro momento de participação, apenas murmurou seu acordo. Tudo dentro de mim queria gritar, mas eu silenciei o turbilhão, apertando as mãos sob a mesa para não deixar transparecer minha raiva.

— Pedro, você está me ouvindo? — Agnes insistiu. — E o que há com Samuel? Ele não comeu nada e está grudado nesse telefone o tempo todo.

Com um tom preocupado, ela se virou para ele:

— Querido, por que está segurando esse celular como se fosse um tesouro?

Samuel ergueu os olhos brevemente, sua expressão impassível.

— Estou esperando uma ligação do tio Connor.

Minha mãe franziu o cenho, confusa.

— Tio Connor? Quem é esse?

Foi então que Samuel, com a inocência e a franqueza que só uma criança poderia ter, jogou a bomba:

— Não se preocupe, vovó Gisele, vovó Agnes. O papai já tem alguém de quem ele gosta. — Samuel disse isso tão casualmente, enquanto seu telefone finalmente tocava.

— Tio Connor! — Ele quase gritou, atendendo a chamada de vídeo.

Eu congelei. Todos os olhos estavam em mim, e naquele momento, cada parte de mim queria desaparecer. A voz animada de Connor preencheu o silêncio mortal da sala.

— Oi, Samuel! Diga ao seu pai que adorei a cesta de chocolates que ele me mandou. Estava ajudando o George no ensaio hoje. Espero que você tenha aproveitado o dia com seu pai.

O gato, como se sentisse a agitação, veio se enroscar nas pernas de Samuel ao ouvir a voz de Connor. Minha mãe e Agnes esticaram os pescoços para ver o rosto dele na tela, e meu pai, que antes parecia distante, agora me encarava com uma suspeita crescente.

— Samuel, isso é verdade? — A voz grave do meu pai quebrou o silêncio.

— Não estamos atrapalhando, estamos? Posso ligar outra hora se for mais conveniente. — A voz de Connor soou preocupada do outro lado da linha, e Agnes e minha mãe se apertaram ao redor de Samuel para ver melhor.

Samuel, sempre o mais direto, respondeu com tranquilidade:

— Por que eu enganaria vocês? É verdade! Se duvidam, perguntem ao papai. Ele está até lendo sobre o Connor agora.

Connor pareceu aturdido.

— Seu pai está fazendo o quê? — A pergunta foi carregada de incredulidade.

Minha mãe, impassível como sempre, se apresentou formalmente:

— Sou a mãe do Pedro, a avó desse garotinho maravilhoso. — E Agnes, não querendo ficar de fora, arrumou as roupas e fez o mesmo.

— Eu sou Agnes, a avó materna de Samuel.

Do outro lado, Connor respondeu educadamente, mas sua confusão era palpável.

— Olá.

Foi então que minha mãe, nunca satisfeita com o silêncio, me cutucou.

— Pedro, diga alguma coisa!

Engoli em seco. As palavras não saíam, mas eu forcei um murmúrio:

— En.

Connor, do outro lado, praticamente engasgou. A tensão entre nós era palpável, e minha mãe não suportou.

— Você não consegue dizer uma única palavra completa? Falar com você é um desafio! — Ela exclamou, frustrada. — Além disso, é óbvio que o Samuel gosta muito dele. Estava esperando sua ligação o dia inteiro.

A cena parecia se desenrolar como uma peça de teatro, com minha mãe voltando seu olhar para Connor, que estava claramente desconfortável.

— Senhora, acho que estamos indo longe demais... — Connor tentou amenizar, mas Samuel, sempre imprevisível, deu o golpe final.

— O papai até pediu o tio Connor em casamento.

O som de algo caindo do outro lado da linha foi a resposta imediata, e Agnes, quase explodindo de alegria, começou a falar rápido demais.

— Finalmente! Depois de tanto tempo, você encontrou alguém por quem está apaixonado!

— Não é bem assim... — Tentei explicar, interrompendo a onda de entusiasmo. — Foi um mal-entendido. Ainda temos muito a resolver.

Minha mãe, sempre sagaz, olhou para Connor com um sorriso afiado.

— Você é o irmão gêmeo de Luiz Collins, não é? Adoro o Luiz, e imagino que você seja tão educado e bondoso quanto ele.

Connor, claramente ainda tentando recuperar o fôlego, respondeu educadamente:

— Muito obrigado, senhora Alves.

No final, Connor desligou rapidamente, mencionando que precisava lidar com uma louça quebrada, mas minha mãe estava decidida:

— Vamos ficar mais tempo para te ajudar a conquistar esse Connor. O pedido de casamento será realidade antes do que imagina.

E enquanto todos saíam da sala de jantar, levando Samuel e o gato, meu pai ficou ao meu lado, em silêncio. Eu suspirei, sentindo o peso de tudo em meus ombros.

— Alguma novidade sobre Lili? — Perguntei, tentando desviar a tensão que ainda pairava no ar.

*************************

Minha tia Lili Alves... Ela sempre foi uma figura enigmática, envolta em mistério e controvérsias. Seus arquivos são quase lendas dentro da nossa agência. Dizem que ela teve dois filhos, mas, de forma inexplicável, ambos desapareceram sem deixar rastros. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu, e esse enigma ainda ecoa nas sombras da nossa família. É como se esse evento tivesse moldado o caminho sombrio que ela seguiu.

Lili sempre foi uma defensora ferrenha contra o uso de informantes, acreditando que essa era uma prática que corrompia tanto o sistema quanto as pessoas envolvidas. Ela tinha uma mente brilhante, com uma compreensão quase assustadora de ciência, tecnologia e outras áreas avançadas. Com seu intelecto afiado, ela formou um grupo seleto chamado *Estigma*, composto por pessoas em quem ela confiava plenamente. O objetivo do grupo? Livrar o mundo de certas pessoas, aquelas que ela julgava merecerem desaparecer da face da Terra.

Sua genialidade não parou por aí. Lili criou soldados que eram capazes de manipular a energia de uma forma jamais vista. Eles eram suas armas, sua força motriz para cumprir seu plano ambicioso. Mas como tantas histórias de poder descontrolado, essa também acabou em tragédia. Os soldados enlouqueceram, incapazes de controlar a energia que manipulavam. Em vez de seguir as ordens de Lili, eles se tornaram máquinas de matar, aniquilando qualquer um que cruzasse seu caminho. A situação saiu do controle tão rapidamente que, em pouco tempo, começaram a circular rumores de que Lili havia morrido junto com seu último soldado, levando o projeto ao colapso.

Mas, claro, minha tia era muito mais astuta do que isso. A suposta morte foi apenas uma peça no grande tabuleiro que ela montou. Enquanto todos acreditavam que ela estava fora de cena, Lili usou esse período de silêncio ao seu favor, reformulando seus planos e preparando o próximo ataque. E quando ela voltou, voltou com tudo.

Ela possuía uma combinação letal de beleza, carisma e uma personalidade manipuladora que a tornava irresistível para aqueles ao seu redor. Foi assim que ela rapidamente começou a atrair seguidores, especialmente estudantes marginalizados e impopulares, pessoas que se sentiam invisíveis ou excluídas pela sociedade. E foi com esse grupo que Lili ressurgiu com força total, reconstruindo o *Estigma*. Desta vez, o objetivo não era apenas livrar o mundo de alguns inimigos, mas reformar as leis e a sociedade em si, governando tudo com punho de ferro.

O retorno de Lili não foi um alarme isolado para nossa agência. Estávamos atentos não apenas a ela, mas também aos nomes que ressurgiram ao lado dela. Eli Durant, Dru White e Han Moore... Eles não eram meros peões. Eram inimigos de alto nível que haviam escapado de uma das nossas prisões, graças a um esquema engenhoso orquestrado por ninguém menos que minha tia. Ela havia planejado tudo, e agora eles estavam soltos novamente, ameaçando tudo pelo que lutamos.

Estamos em estado de alerta. Sabemos que Lili está jogando um jogo perigoso e que cada movimento dela é calculado. Mas o que mais me atormenta é pensar no que aconteceu com seus filhos... Será que eles realmente desapareceram, ou foram mais uma peça nesse quebra-cabeça sombrio que ela montou? E até onde ela está disposta a ir para alcançar seus objetivos?

— Até o momento, nada dela — meu pai disse, com aquela calma fria que sempre usava quando as coisas estavam tensas. — Mas sobre os outros três... ainda estou de olho nas câmeras de segurança das cidades. Só posso te aconselhar a ficar atento a qualquer movimento ao seu redor, especialmente quando se trata dessa sua relação com o Connor.

Seus olhos se fixaram nos meus por um instante, como se quisesse dizer algo mais, mas se conteve. O silêncio entre nós se alongou, pesado, até que ele se levantou do lugar, deixando-me sozinho na cozinha.

Assenti, mesmo sabendo que ele não estava mais ali para ver. A verdade é que, naquele momento, eu sentia um nó no peito, um misto de frustração e incerteza. Minha mente se perdia entre a preocupação com Lili e o que ela poderia estar tramando, e o fato de que agora, até minha relação com Connor estava sendo observada, como se fosse mais uma variável perigosa nesse jogo de espiões e intrigas.

O som suave dos passos de meu pai se afastando ecoava pela casa, mas a sensação de estar sob constante vigilância permanecia comigo. O peso das palavras dele se assentou nos meus ombros, e eu não conseguia afastar a inquietação que crescia no meu estômago. Ficar atento a qualquer coisa... era um conselho que eu já seguia religiosamente. Mas quando até minha vida pessoal começa a ser envolvida, onde traçar a linha entre o profissional e o pessoal?

Suspirei, olhando para a mesa à minha frente, ainda posta para o jantar. O cheiro da comida, que antes me parecia apetitoso, agora era apenas um lembrete do caos em que minha vida havia se tornado.
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Gostaram?

Até a próxima 😘

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