Com a turbina levantando a poeira do chão, Narf pousou a nave calmamente. Apesar de gostar da rotina de viagens que a vida de assassino de aluguel proporcionava, sentia falta de um lugar fixo. Mudou-se bastante durante toda sua vida, e nunca ficou mais que seis meses em um mesmo lugar depois do ocorrido.

- Mary! Mary! - Narf gritava, na ocasião. 

Suas mãos doíam ao afastar os pedaços das paredes de sua casa, destruídas depois do bombardeio. Nunca em seus quinze anos vira algo tão terrível de perto. Desesperado, Narf olhou ao redor e as pessoas agiam naturalmente, como se nada tivesse acontecido. Foi quando percebeu que apenas sua casa estava destruída e que, mesmo assim, ninguém ao menos parou para perguntar se precisava de ajuda. Concluiu naquela tarde que, se ninguém tinha pena dele, ele então deveria retribuir o favor.

- Mary, consegue me ouvir?! Mary! Ma...

Narf se calou. O corpo de Mary estava a sua frente, não tinha mais vida. Seus olhos arderam e lágrimas rolaram, estava sozinho no fim. Seu pai, mãe e irmã mortos. Por quê? Não sabia. Não sabia quem fora o responsável por mandar aquele míssil até sua casa, mas prometeu uma coisa a si mesmo: haveria vingança. Não importava o quanto demorasse.

Focado em sua missão, Narf escolheu uma colina para se esconder, posicionou seu rifle e mirou. Estava a uma distância segura do prédio onde ocorreria o discurso do governador e o alvo logo apareceria.

Ignorando completamente as palavras iniciais do governador fascista, Narf prestou atenção na mira. Pelo zoom da arma, via o rosto sereno da menina. Ela não fazia ideia do que estava prestes a acontecer. Com tão pouca idade, mal devia ter noção de que uma guerra acontecia naquele exato momento em Fiwin, a galáxia à qual eles pertenciam e o governador Tonsfolk Gattew comandava. E seu rosto, seus olhos, seus cabelos... Era idêntica a Mary.

Atônito, o atirador tentou afastar o pensamento o mais rápido que pôde. Não faria sentido, para alguém que já matou tantos indivíduos, recusar a maior fortuna de sua vida por uma desconhecida. Não, já estava decidido. Em poucos segundos, uma bala de bronze atravessaria a cabeça da garota. Narf fez uma promessa silenciosa de que seria rápido.

O assassino contratado tentava se concentrar, mas isso se tornou impossível. As atitudes de Tonsfolk nos últimos dias reverberaram em seu cérebro. O bombardeamento em planetas repletos de seres inocentes. A forma como ele ignorou a fome de milhares de habitantes de Yan-zi, seu planeta, durante décadas. A destruição em massa feita às tropas rebeldes espaciais. E a pior de todas: contratar um dos piores assassinos de aluguel da galáxia para matar sua filha, simplesmente para botar a culpa nos rebeldes e ganhar razão na guerra. Narf lembrou-se de sua irmãzinha novamente e uma lágrima percorreu seu rosto. Antes que pudesse tomar a atitude de secá-la, sentiu a pressão do indicador no gatilho. E assistiu a uma bala atingir o crânio do governador.