A plebeia
Ao final de um longo e exaustivo dia, Zoe jogou-se no sofá suspirando pesadamente. Todos os músculos do seu corpo protestaram com o cansaço e ela gemeu enquanto encarava sem muito foco ou ânimo o brilho da televisão. Tirou os tênis com os próprios pés tentando não fazer movimentos bruscos — estava cansada demais até mesmo para aquilo.
Seus olhos pousaram na tela do celular que estava sobre a mesinha de centro, o sorriso de Emma ao lado do seu no papel de parede do aparelho sempre aquecia seu coração. Ela atentou-se às horas visíveis no visor e bufou ao notar que já eram oito horas da noite. Deixou que o celular desligasse ignorando a mensagem que acabara de chegar, seu grupo de amigos podia esperar. Fechou os olhos por alguns segundos sentindo o sono lhe enfraquecer.
O som da porta principal do apartamento se fechando a tirou de seu precioso momento de descanso a fazendo suspirar longamente em frustração.
— Que dia infernal.
O resmungo lhe arrancou um riso nasalado, ainda de olhos fechados ela pode sentir a presença do irmão jogando-se no sofá ao seu lado. Ele bufou pesadamente enquanto estalava os dedos das mãos e então o dedão dos pés quando tirou as botas de trabalho. O cheiro de graxa e ferrugem coçou seu nariz e ela resmungou afastando-se alguns centímetros.
— Nem me diga. — Ela devolveu em um murmúrio.
Abriu os olhos e jogou a cabeça um pouco para trás apoiando-se no encosto do sofá para ter uma melhor visão do irmão. Ainda em seu uniforme manchado de graxa ele tinha os braços cruzados e as pernas abertas ocupando mais espaço do que ela julgou ser necessário. Bufou empurrando uma das pernas dele com o joelho.
— Você não precisa de tanto espaço assim. — Grunhiu.
Ele riu, ajeitando a postura sob o sofá e fechando as pernas, curvou-se ligeiramente apenas para pegar uma pequena sacolinha e jogou no colo dela. Zoe analisou o conteúdo rapidamente e levantou os olhos com um largo sorriso dançando em seus lábios.
— Você lembrou... — O sussurro saiu dos seus lábios trêmulos de emoção.
Em resposta, Caleb apenas deu de ombros ajeitando mais ainda sua postura. Como alguém que não gostava de demonstrar fragilidade ou sentimentos, às vezes ele falhava miseravelmente naquela tarefa, como naquele momento onde tentava desviar os olhos, mas não podia esconder da irmã o sutil brilho de emoção em seus olhos.
— Não é nada demais. — Murmurou depois de fungar.
— Significa tudo Cal. — Ela sussurrou passando a mão pelas pedrinhas de plástico da coroa infantil. — Eu me esqueci... trabalhei tanto hoje que só esqueci.
Caleb a empurrou com o ombro enquanto um sorriso brincalhão dançava em seus lábios finos. Era sua tentativa de dispersar o clima trágico que os rodeava.
— Pelo menos um de nós tem boa memória.
Os olhos dela oscilaram para o porta retrato preso a parede e um sorriso nostálgico deslizou sobre seus lábios. O rosto de feições leves do pai e seu sorriso sempre tão caloroso eternizados naquele retrato aqueceram seu coração, ao lado dele sua mãe também estava sorridente, com uma aparência jovem ela sequer parecia a mulher que Zoe perdeu a um ano atrás. Eles pareciam tão felizes e apaixonados. Seus olhos desceram para coroa em suas mãos e uma lágrima solitária escapou de seus olhos — esperava que seus pais estivessem orgulhosos.
Dandara e Marcus sempre deram valor à magia. Zoe e Caleb cresceram com grandes festas de natal, dólares em baixo de seus travesseiros para cada dente que perdiam e vestidos de princesas rodados e coroas no feriado da coroação, mas agora com a partida dos pais, cabia a eles dar continuidade aquela magia na vida da irmã, mesmo que não acreditassem em mais nada daquilo. Emma merecia cada uma das sensações e memórias que um dia seus pais proporcionaram para os irmãos.
— Você comprou duas? — Questionou a notar outra coroa na sacola.
— Você também é uma princesa Zoe. — Ele murmurou. — Uma princesa chata, mas ainda sim, uma princesa.
Zoe sorriu analisando o objeto. O tom rosa choque da coroa era chamativo e parecia reluzir contra a luz da sala e algumas pedrinhas de plástico pareciam vazar cola devido a qualidade barata. Era brega, mas ainda assim ela ajeitou a pequena coroa no topo de sua cabeça a prendendo entre seus fios. Ela mexeu na sacolinha e fez um bico confuso para o panfleto preso à notinha fiscal.
— Sendo assim eu acho que deveria me inscrever nisso aqui. — Ela zombou.
Caleb encarou a irmã que balançava um papel na mão e de imediato ele soube do que se tratava. Era um panfleto do instituto Blumen para jovens nobres. Havia pego um daqueles a semanas atrás quando estavam sendo espalhados pela cidade.
— Talvez... — Ele murmurou.
Zoe preparava-se para dizer algo quando passos apressados a interromperam. Ambos os irmãos moveram-se em conjunto para assistir Emma chegar na sala sorridente. Eles jogaram o próprio cansaço de escanteio e abriram um largo sorriso para a garotinha.
— Temos coroas e Donuts vossa alteza. — Disse Caleb de forma animada enquanto fazia uma reverência para a irmã mais nova que riu.
— Obrigada Cal. Eu amei! — Emma sorriu enquanto encaixava a coroa azul de plástico em seus cabelos.
Zoe esforçou-se para não deixar seu cansaço ou suas preocupações minguar a alegria de sua irmã, afinal, era o dia internacional da coroa e todos estavam felizes. Havia bandeirinhas com o brasão da família real penduradas pelas ruas, outdoors espalhados por toda a cidade, cafés e rosquinhas feitos especialmente para o feriado — ela mesma havia servido dezenas deles durante o dia. Emma não podia estar mais feliz, assim como o resto do mundo, e de alguma forma toda aquela atmosfera mágica parecia afastar o assombro da morte que rodeava aquela casa, e Emma merecia ser feliz ao menos um dia em meio a toda aquela dor e sofrimento que vinha afligindo sua família no último ano. A garotinha sentou-se no chão junto de Caleb e parecia prestes a explodir de tanta felicidade ao ver suas princesas favoritas e príncipes formando-se na famosa academia de nobres do reino de Blumen.
O feriado da coroa era o dia oficial da formatura dos jovens nobres da academia a mais de trezentos anos. Um grande evento com direito a vestidos de gala, paparazzis, carros de luxo e tudo mais que o dinheiro pudesse comprar. Zoe sempre achou aquele feriado uma perda de tempo e um gasto desnecessário de verba pública, mas o resto do mundo não parecia concordar com ela — exceto seu irmão e mais algumas poucas pessoas, em sua maioria idosos amargurados. Suspirou enquanto esparramava-se ainda mais no sofá aproveitando o espaço livre agora que Caleb estava no chão com Emma.
— Começou! Começou! — Emily soltou gritinhos dando pequenos pulinhos ainda sentada, estava tão eufórica que Zoe podia ver o corpo dela tremer.
— Deus Emma, você precisa se acalmar. — Pediu Zoe sem conseguir conter o riso.
"É uma grande noite Paul."
Anunciou a apresentadora com um sorriso de dentes simétricos dançando em seus lábios. Zoe já havia visto aquele rosto simétrico e branco em um filme de ação a algumas semanas atrás, apenas não lembrava o nome mas era mais um daqueles filmes genéricos com perseguições de carro, tiros, muitas explosões e uma mulher bonita para ser salva.
"Com certeza Daphne, hoje conheceremos o futuro da nobreza"
Os entrevistadores estavam em um estúdio pretos com detalhes chamativos e ostensivos em tons de dourado. Sentados em elegantes poltronas brancas, vestiam trajes de gala e podia-se dizer que eram dois exemplos de perfeição, dos cabelos aos sorrisos simétricos, eles eram lindos, mas Zoe notou ser o tipo de beleza que era comprada. Os lábios inchados pelos procedimentos estéticos, os dentes brancos demais para serem naturais e os cabelos enrijecidos com a quantidade química de laquê, fruto de horas de preparação e milhares de dólares gastos com tratamentos estéticos.
"Mas o destaque dessa noite com certeza é a entrada oficial da herdeira do grande trono de Blumen. Uma das únicas monarquias que tem pleno poder"
A repórter disse enquanto as fotos da princesa naquela noite passavam na tela arrancando de Zoe um suspiro. A princesa era linda. Sua aparência era verdadeiramente digna de uma princesa e diferente dos apresentadores, Delila parecia possuir a beleza mais natural de todas, os cabelos loiros perfeitamente cacheados pareciam reluzir a luz do ambiente, os olhos tão azuis quanto o mar egeu pareciam brilhar e o nariz levemente arrebitado que Zoe julgou ser um charme. A princesa Delila era perfeita.
"Todos estão muito ansiosos para ver como a princesa Delila se sairá este ano."
"Certamente todas as expectativas estão nela desde o falecimento da família real."
Zoe pensou no peso desconfortável que aquelas palavras teriam na vida da princesa, imaginou que ao menos seria exaustivo ter todas as expectativas do mundo sobre si sendo apenas uma jovem de pouco mais de vinte anos.
"Hoje teremos o resultado da bolsa de estudos também."
"Uma das minhas partes preferidas, Daphne. Para quem vive em uma caverna e não sabe do que estamos falando, a bolsa de estudos concede a uma garota e um garoto de qualquer parte do mundo vinda de qualquer classe social a chance de estudar na academia real de Blumen e se tornar um nobre."
Emma soltou um gritinho enquanto batia palmas e Zoe sorriu largamente em sua direção. Todo ano a irmã tinha a mesma reação entusiasmada. Ela tinha certeza que aos vinte anos, Emma certamente se inscreveria para aquela competição assim como quase todas as jovens ao redor do mundo. Caleb virou-se para encarar Zoe por alguns segundos, havia um milhão de sentimentos ocultos nos olhos castanhos dele, mas Zoe não teve tempo para tentar decifrá-los, pois logo ele tornou a se concentrar na tela brilhante da televisão.
"É a chance de qualquer jovem se tornar parte da nobreza."
"As expectativas estão lá em cima, visto que a última selecionada, a senhorita Margot não teve êxito em seu ano letivo"
"Mas em compensação, lorde Enrico formou-se com mérito e protagonizou o shipp mais encantador de seu ano letivo."
As fotos de Margot não eram boas e sim humilhantes, fotos da garota bêbada em festas brilharam na tela enquanto os apresentadores faziam comentários sobre a lista interminável de infrações que a jovem havia cometido que acarretaram em uma expulsão seguida de uma internação em uma clínica de reabilitação. Logo as fotos decadentes foram substituídas por fotos de um casal que Zoe conhecia bem, afinal, Emma tinha três pôsteres do casal em sua parede. Eles eram bonitos e se olhavam com tanta intensidade, um tipo específico de olhar que ela conhecia muito bem, o tinha visto muitas vezes quando os pais estavam juntos.
A noite correu rapidamente, Emma continuava explodindo de animação enquanto os irmãos mais velhos tentavam acompanhar seu vasto conhecimento sobre princesas e príncipes, mas ambos estavam cansados demais para marcar nomes ou lembrar-se de histórias então enchiam a mais nova de perguntas distraindo a do fato de eles não entendiam quase nada do que ela estava falando. Em certo ponto da programação, Zoe levantou-se para preparar o jantar, mas acabou por fazer um grande balde de pipoca e retornou para a sala. A formatura havia chegado ao fim e agora os apresentadores comentavam sobre os nomes que ingressariam na academia no próximo mês.
Eram princesas e príncipes de todas as partes do mundo, alguns filhos de viscondes e viscondessas, duques e duquesa e todos os outros títulos que a realeza possuía e que Zoe não tinha paciência para memorizar — ao contrário de Emma, que parecia saber todos de cor . Os apresentadores comentavam com entusiasmo sobre a vida de alguns deles e vez ou outra deixavam escapar comentários indiscretos sobre polêmicas e fofocas do passado. Zoe acompanhava muito pouco e aquele mundo para saber de todas as fofocas como Emma provavelmente sabia, mas o pouco que sabia sobre a vida dos nobres era que eles eram jovens que gostavam de viver a vida sem medo, pois sabiam que suas posições social e o dinheiro de suas famílias os salvariam de tudo.
"E agora chegou um dos momentos mais esperados da noite, o anúncio dos escolhidos para a bolsa de estudos!"
"Esse ano a princesa Delila e o príncipe Liam farão as honras no anúncio dos nomes. Vamos assistir!"
Houve um corte e então a câmera focou na princesa e no príncipe que adentravam no salão de mãos dadas. Ambos tinham um sorriso elegante enquanto acenavam para o público que aplaudia. A princesa estava bem-vestida em um vestido que delineava sua cintura, o tom roxo do tecido que compunha seu traje era muito parecido com a cor da família real e parecia reluzir sob os holofotes do palco que iluminavam a dupla, duas mangas bufantes penduradas em seus braços revelavam sua clavícula de forma sedutora e havia uma pequena abertura na saia do vestido que expunha um pouco da sua pele alva, os olhos de Zoe ficaram presos naquele ponto específico por alguns segundos até que a câmara aproximou se do rosto da princesa e ela pareceu ainda mais bonita. Os fios loiros do seu cabelo estavam presos em um elegante coque que destacava sua coroa enfeitada com pequenas pedras preciosas.
Já o príncipe Liam estava como todos os outros homens, constatou Zoe com um sorriso irônico nos lábios. O terno elegante era mais do mesmo, a gravata borboleta no mesmo tom do vestido da princesa que o acompanhava também remetia às cores da bandeira do reino de Blumen. Ele sorriu em agradecimento quando um envelope lhe foi entregue.
"É um prazer estar aqui esta noite com todos vocês."
O tom de voz polido deixou os lábios do príncipe em um tom rouco e ele sorriu para a câmera de uma forma que fez Zoe entender o porque ele era chamado de "o príncipe dos corações". Emma suspirou longamente porque nunca fez questão de esconder seu crush pelo príncipe — na verdade, todos os posters em seu quarto deixavam a mensagem bem clara. Todas as garotas entre doze e vinte anos tinham uma paixão pelo príncipe.
"E o ganhador da bolsa recebida por mérito da academia real de Blumen é..."
O príncipe estreitou os olhos ao abrir o envelope e após uma breve leitura ele falou;
"Alexander Brann"
Aplausos soaram no grande salão segundos antes das fotos do ganhador serem apresentadas. Os olhos verdes do jovem brilharam na tela de algumas polegadas, seu sorriso combinava com os seus cabelos cobre cacheados e as poucas sardas sarapintadas em sua pele alva. As fotos foram encerradas e então a princesa Delila aproximou-se do palanque com um sorriso aprazível nos lábios. Ela parecia radiante naquela tela pequena.
"É uma honra poder participar deste momento, eu estou muito feliz por estar aqui nesta noite. A bolsa certamente é um dos projetos mais importantes da coroa e me sinto honrada por ser a porta voz deste ano."
Mais aplausos ecoaram no ambiente e a luz dos flashes das câmeras iluminaram a imagem etérea da princesa que sorriu piscando longamente. Ela recebeu em suas mãos um envelope com um sorriso afável nos lábios e o abriu concentrando-se no conteúdo por alguns segundos.
"E a ganhadora da bolsa recebida por mérito da academia real de Blumen é Zoe Skies"
Sabe aquele exato momento em uma aula de educação física quando alguém te acerta uma bolada no estômago com força o suficiente para roubar todo o ar dos seus pulmões? Bom, era assim que Zoe sentiu se quando ouviu seu nome ser pronunciado — claro que seu nome que deixou os lábios rosados da princesa era a bolada naquele cenário imaginário.
Seus olhos arregalaram-se e ela apertou o tecido do sofá até o nó dos seus dedos ficarem brancos. Pensou estar delirando, certamente estava. Talvez o nome proferido tenha soado muito parecido com o seu, mas certamente não era o seu, afinal, nunca tinha feito a inscrição para a bolsa. Sim, aquele era um bom argumento, mas porque seu coração ainda batia fora do ritmo dentro do seu peito?
— Eu sabia que ia dar certo!— Emma explodiu em euforia, sua voz dois tons mais fina arranhou os tímpanos de Zoe. — Eu sabia que você ia conseguir Zoe. — Ela apoiou-se em Caleb para ficar em pé.
Não. Como aquilo era possível? Sua consciência gritou como se todos os seus neurônios estivessem entrando em uma espécie de colapso. Talvez Emma também tenha escutado o nome errado, sim, com certeza a irmã também foi enganada por um nome muito parecido com o seu. Ela buscou pelos olhos do irmão, certamente o mais responsável do trio saberia lançar a luz da realidade e eles iriam rir muito juntos toda vez que lembrassem daquele momento, mas Caleb tinha um pequeno sorriso curvado em seus lábios e seus olhos brilhavam orgulhosos firmes na irmã.
Aquele sorriso... aquele olhar... fora como um balde de água fria sendo jogado nela. Não tinha escutado errado, era realmente o seu nome que foi chamado. Seu estômago retorceu desconfortavelmente e ela sentiu o enjoo turvar sua visão — ou talvez fossem as lágrimas acumuladas nos seus olhos, ela nunca saberia.
— Como? — Ela balbuciou quando nada mais coerente podia ser formulado por sua mente em choque.
— Eu e o Caleb te inscrevemos Zoe.
Emma explodiu de felicidade enquanto batia sua mão contra a do irmão que também parecia muito feliz. Eles transbordavam felicidade e entusiasmo, mas tais sentimentos não conseguiam alcançar Zoe que estava dominada pelo pânico e a confusão. Era como se houvesse um abismo a separando dos irmãos, o medo a mantinha distante deles.
— Zoe está tudo bem.
Caleb tinha um tom de voz gentil, e suas mãos descansaram gentilmente nas mãos dela a obrigando a soltar o estofado do sofá que ainda apertava com força.
— Respira. — Ele pediu apertando a mão dela suavemente e entrelaçando seus dedos aos dela. — Isso é uma coisa boa.
— Cal... — Ela começou mas suas palavras foram engolidas pelo choro segurava a fazendo travar com um incômodo na garganta.
— Zoe está tudo bem?
Questionou Emma, tornando-se consciente da situação ao seu redor. Sua empolgação sendo devorada pela preocupação. Agora ela podia ver as lágrimas brilhando nos olhos da irmã e mesmo com seus dez anos de idade conseguia dimensionar um pouco da complexidade da situação — mesmo que ao seu ver não parecia grande coisa.
— Eu não posso fazer isso. — Sussurrou Zoe quando as primeiras lágrimas deixaram seus olhos. — Não posso deixá-los sozinhos. — Continuou.
Emma abaixou os olhos para encarar os próprios pés. A decepção devorando a alegria infantil que a minutos atrás a consumia. Um suspiro deixou os lábios de Caleb que também revirou os olhos apertando a mão dela com mais força como se o seu aperto fosse a âncora que a mantinha navegando estável sobre as águas do desespero.
— Eu estarei aqui por ela Zozo. — Ele murmurou acariciando a pele dela com o polegar. — Zoe essa é uma chance em um milhão. — Argumentou com um sorriso gentil nos lábios. — Você pode se tornar alguém de sucesso, uma pessoa importante.
Zoe virou lentamente para encarar a irmã e então o irmão, não podia deixá-los em busca de fama ou uma vida melhor.
— Não posso abandonar meu trabalho, quem vai te ajudar com as contas ou cuidar da Emma? Caleb você não pode fazer tudo sozinho — Questionou a jovem encarando o irmão com o desespero transbordando nos olhos.
— Você pode usar o auxílio de estudos Zoe.
— Auxílio?
— Todo esse surto antes de me deixar falar. — Ele resmungou. — Eu já disse que não dou ponto sem nó, mas vocês nunca acreditam.
Ele se afastou sumindo pelo corredor, mas Zoe ainda podia ouvi-lo resmungar. Poucos segundos depois, ele retornou com um notebook embaixo do braço e um sorriso vitorioso nos lábios.
— Aqui, olha! — Estendeu o notebook após uma breve pesquisa. Zoe pegou o aparelho com as mãos trêmulas. — Leia a lista, são todos os benefícios que você terá.
Ela concentrou-se em ler a matéria com os irmãos ao seu lado tão concentrados quanto ela. Havia um pouco sobre as regras para participar da seletiva para bolsas de estudo, mais abaixo as obrigações dos escolhidos e antes de finalizar a página havia uma lista com os benefícios da ganhadora.
— Seguro médico, quarto compartilhado nas instalações da academia, alimentação, e uma bolsa auxílio de... — Não conseguiu terminar sua leitura, ela acabou por engolir aqueles números. Seus olhos arregalaram-se e ela virou- se para encarar o irmão. — Cal... — Ela tentou, mas sua voz não saiu tamanha era sua surpresa.
Zoe oscilou seus olhos de volta para a tela, mais especificamente para os números que ela exibia, a jovem fez a conta mentalmente e constatou que aquilo era o triplo do que ela ganhava na lanchonete — Aquele dinheiro faria milagres. Seus olhos voltaram a encarar seu irmão e suspirou pesadamente. Mesmo que a questão do dinheiro fosse resolvida, ela ainda não poderia ir e deixar a irmã sob os cuidados do irmão nas atuais condições, Caleb ficaria sobrecarregado demais.
— Cal, não posso deixá-los. — Disse quando notou a esperança brilhando nos olhos do mais velho. — você está trabalhando demais e não pode cuidar da Emma sozinho...
— Zoe. — Pousou a mão nos ombros da irmã buscando acalmá-la. — podemos nos cuidar. Você pode retornar nos feriados e nas férias. Cindy disse que vai me ajudar....
Ela o interrompeu com as sobrancelhas arqueadas em confusão.
— Cindy? — Questionou.
Caleb deu de ombros como se aquilo não fosse importante, mas por fim sorriu tímido.
— Estamos namorando.
Zoe sorriu largamente muito satisfeita com a notícia. Ela e Cindy nutriam um carinho mútuo e Zoe sempre torceu pela garota. Ela tinha um coração generoso e esteve presente quase todos os dias desde que sua mãe partiu. — Zoe ainda se surpreendia com o tempo que o irmão demorou para se dar conta dos sentimentos da garota por eles, mas Caleb não era a pessoa mais sensível do mundo e por mais que às vezes quisesse sacudir o irmão para que ele acordasse, ela achou melhor o deixar descobrir seus sentimentos sozinho.
— Você precisa ir Zoe, precisa conseguir isso. — Murmurou Caleb retomando o assunto de minutos atrás.
— Não sei se consigo— Ela sussurrou em um fio de voz. — Posso não ser capaz disso. — Disse com os olhos fixos nele.
Um sorriso afável curvou-se nos lábios de Caleb, o tipo de sorriso que ele costumava dar apenas para as irmãs e às vezes para a mãe quando ela ainda estava viva. O sorriso refletiu-se nos lábios de Zoe. Toda força que precisava ela poderia encontrar ali, naquele pequeno núcleo que estava todo rachado e a ponto de quebrar, mas ainda sim tão perfeito. Naquela família que tinha tudo para ser algo disfuncional, mas havia se tornado a maior prova de amor incondional que Zoe já vira em toda a sua vida. Ela apertou a mão do irmão e tombou a cabeça para o lado ainda o encarando com um brilho nostálgico nos olhos, afinal, eles compartilhavam um mundo de memórias que não precisavam ser verbalizadas para serem recordadas.
— Papai e mamãe ficariam orgulhosos de você, Zozo. — Ele sussurrou.
Uma lágrima solitária escorreu dos olhos dela quando ela se aproximou mais e encostou a testa contra a dele, permitindo que todo o amor que a rodeava afastasse seus medos e finalmente sentindo a felicidade e a euforia dos irmãos lhe atingir como uma onda energética que a revigorou. A ansiedade ainda estava lá, mas a crise de pânico havia se dissipado tão rápido quanto se formou. Era como se estivesse abrigando-se em um porto seguro feito de amor e esperança que só podiam emanar das pessoas mais importantes da sua vida.
— Você vai Zoe? — Questionou Emma encarando a irmã.
Zoe voltou a olhar a televisão que estava no mudo. Suas mãos caçaram rapidamente o controle remoto quando ela viu uma foto sua brilhar na tela. Ela aumentou o volume apenas para ouvir o que os apresentadores estavam falando.
"Essa é Zoe Skyes, a ganhadora da bolsa. Preciso dizer que ela é linda."
"Com certeza ela guarda muitas surpresas para nós neste ano, mas será que ela conseguirá finalizar o ano com êxito Daphne? Sabemos como é difícil, para os bolsistas conseguirem se graduar"
"Eu vejo uma guerreira nos olhos dessa jovem Paul. Se ela vai conseguir eu não sei, mas sei que ela tem minha torcida."
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