Prólogo Esperança de viver

Soltei um mugido mais longo, na esperança de que minha amiga respondesse. Se ela o fizesse, significava que ainda estava viva. Mas ela não respondeu. E eu me senti cada vez mais só em minha baia. Esqueceram de colocar água e eu não podia me mexer muito. De repente, lancei um olhar acima da baia - para além da porta aberta - e vi o corpo sem vida de uma de nós sendo jogado de qualquer jeito na carroceria de um caminhão. Os olhos abertos e vidrados, a língua para fora.

Mais uma que se ia.

Era triste viver assim, na prisão. Sem afeto nem consideração. Sabendo que muito em breve, depois de explorarem tudo de nós, fatalmente iriam se desfazer de cada uma de nós como se fôssemos nada. Apenas uma coisa, um objeto para uso e usufruto dos bípedes.

Eu sei que eles fazem com seus semelhantes. Usam conforme é conveniente e depois jogam fora. Então, imagina do que não são capazes de fazer com criaturas, as quais, eles sequer respeitam? Eu estava só e deprimida e minha única amiga acabou de ser levada para o abate. Mugi na vã esperança de que eu estivesse enganada.

Ela me disse, antes de partir: "Se eu não voltar, não desista. Lembre-se do que lhe contei. Outros conseguiram fugir daqui e encontraram proteção do outro lado do bosque. Não desista! Faça isso por mim, por todos nós".

Então, houve um momento singular. Quando as baias foram abertas e nos foi permitido ficar no pasto restrito, situado na parte de trás da construção. Lembrei do que ela me disse e percebi que não podia perder a esperança. Do contrário, eu já estaria morta. Meus olhos avaliaram toda a extensão da cerca de madeira. Logo encontrei uma parte mais aberta. Bastava um empurrão. Tentei me situar. Minha amiga me disse que o lugar ficava seguindo direto pela mata, do outro lado. Mas, eu teria que conseguir fugir e alcançar o tal outro lado, antes de ser recapturada.

Era agora - aqui e agora. Se deixasse passar, eu bem poderia ser a próxima. Aquele humano já andava me olhando de um jeito estranho... O mesmo jeito que olhara para os outros que foram para o abate.

Projetei o corpo para frente, fazendo a madeira estalar e ceder. A cerca baixou o suficiente para que eu saltasse por cima. Os outros companheiros bovinos mugiram, em choque. Alguns achavam que os humanos não deveriam ser contestados nem desafiados, e acreditavam que se permanecessem mansos e obedientes, seriam recompensados com a vida, e com algum carinho. Ao contrário... Presenciei bois serem mortos a pauladas, porque os humanos sabiam que eles não iriam reagir, apenas mugir até a morte. (Olhando com olhos cheios de lágrimas para os humanos que lhes batiam com tanta maldade).

Também vi vaquinhas morrerem ao dar a luz, por estarem sem forças de tanto ficarem prenhas para gerar o leite que os humanos engarrafavam e vendiam...

Os humanos não são confiáveis. Tendo isso em mente, fiz-me de surda aos apelos de meus companheiros, e galopei. Galopei como nunca rumo à mata. A princípio, os humanos não me viram fugir. Atravessei o mato e alcancei a fazenda do Santuário.

Lá dentro, uma vaquinha pequena que estava solta, viu-me e deu o sinal aos humanos que cuidavam do lugar. Eles largaram tudo e vieram até mim... Pensei que fossem me afugentar, ou bater...

Os humanos não são confiáveis...

Mas eis que encontrei humanos amorosos, que vieram me receber com carinho e gentileza... Uma fêmea alta e forte como uma guerreira liderava o grupo. Abriu a porteira para que eu entrasse e estendeu a mão para me mostrar que não pretendia me ferir. Aliviada, eu me entreguei ao choro e coloquei o focinho em seu ombro. A mulher me abraçou pelo pescoço e disse:

- Calma, querida! Você está segura agora! Prometo que ninguém vai tirar você daqui.

E eu acreditei nela, especialmente porque quando os homens do abatedouro vieram, ela lidou com eles. Não sei o que aconteceu, nem que diplomacia foi empregada, só sei que eu nunca mais tive que deixar o Santuário dos Animais Livres como a fazenda era chamada.

- Vou chamar você de Madame Esperança - disse a princesa guerreira. E eu passei a me ver como Esperança.

Às vezes, eu lamentava que minha amiga não tivesse conseguido fugir comigo... Devia a ela a minha vida.

Acabei me afeiçoando aos humanos que lá viviam e trabalhavam como voluntários, alguns muito jovens, outros mais velhos, inclusive a proprietária, uma idosa que saía muito pouco de casa, mas que deixou tudo nas mãos da princesa guerreira que me salvou.

Acabei fazendo amizade com outras vacas, bois, bezerrinhos, cabras e ovelhas, cães e gatos, e até as alegres galinhas, também fugitivas de algumas granjas da região.

Presenciei resgates dramáticos e emocionantes. Alguns bem sucedidos. Outros em que o bovino faleceu pouco depois, sem forças para continuar neste mundo... Mas vi muita alegria também.

A princesa guerreira sempre cantava pra gente. Um dia, eu descobri que o nome dela era Astrid. E que Astrid guardava muito amor em seu coração para todos nós. Por isso, descobri que poderia confiar nela.

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