Capítulo 2 - O conceito

Na semana seguinte...

Oscar compareceu à reunião extraordinária como um mero espectador. Aquele que apenas assiste, sem compromisso, certo? Errado! A rede dependia de uma boa ideia para sair do buraco. E se o projeto não fosse bom o suficiente para conquistar o público, na prática, eles iriam enfiar o pé na lama de uma vez por todas.

Uma decisão errada e a responsabilidade estaria do lado de Oscar, não de Nicholas.

As portas do elevador se abriram e ele passou pela recepção, cumprimentando a secretária executiva. De relance, viu algumas pessoas estranhas aguardando na pequena antessala, que antecedia à sala de reuniões. Parou diante da mesa da secretária e perguntou baixinho:

– Quem é essa gente?

Ela mal levantou os olhos de suas tarefas, não querendo dar na vista. No entanto, explicou baixinho: – Especialistas em escapismos.

Oscar franziu o cenho. – E existe isso?

– Se não existe, então não sei o que o seu primo andou aprontando... –respondeu Eleonora, com bom humor.

Oscar sorriu. Eleonora foi a secretária de seu pai, quando a TV não existia, apenas a Almadatur, uma pequena agência de turismo localizada num prediozinho de dois andares, que vendia pacotes turísticos para Portugal e Argentina, especialmente Almada e Patagônia, respectivamente.

– Estarei na minha sala... – Avisou Oscar, dirigindo–se à porta contígua. Assim que entrou, jogou a pasta sobre o sofá e soltou um suspiro. Estava exausto. Suas decisões vinham mantendo a TV Mundi no ar, mês a mês, mas ele não tinha ideia de o quanto mais iria conseguir manter a rede, sem que um milagre de audiência acontecesse.

Quando se sentia assim, para baixo ou preocupado, ele costumava mandar trazer os pasteis de Belém do quiosque em frente e um bom café expresso. Eram os melhores da cidade e tinham o poder de fazê–lo se sentir de bem com a vida. Interfonou para a secretária, mas assim que manifestou o seu desejo, ela disse:

– Eles fecharam... Faliram por causa da pandemia. Se quiser, mando trazer alguma coisa do Mcdonalds da esquina.

Se ela tivesse dito que o Presidente da República dançou rumba pelado na praça, Oscar não teria ficado tão chocado.

Com um quê de desânimo, respondeu: – Perdi a vontade. Ah, Eleonora... Consiga o endereço dos donos do quiosque, sim?

– Pois não, Oscar – respondeu ela, sem demonstrar estranheza. Não cabia a ela questionar o que o chefe pretendia ou não fazer. Afinal, era o presidente daquela birosca de rede, e desde que mantivesse o emprego de todos os funcionários, ela iria pular, quando ele mandasse, sem questionar. – A reunião começa em cinco minutos.

– Ok, obrigado!

–––

– Antes de começarmos, gostaria de apresentar Gil, Leo e Antero, especialistas em escapismos e donos da franquia de Escape Game mais popular do Brasil, a "Cenários".

Feitas as apresentações, Nicholas virou–se para alguns dos colegas. – Esta é Alice, minha arquivista e pesquisadora; Lilibeth, a assistente de direção do programa de viagens que encerramos há três meses; e Roy, o nosso faz tudo.

Roy em questão deu uma risadinha. – Prefiro Jovem Aprendiz.

– E temos a equipe de marketing para nos socorrer, quando as dúvidas vierem. E sabemos que elas virão... Aos montes!

Os acionistas concordaram num murmúrio. Oscar refletiu que não era a equipe de Marketing que iria aparar o grosso das dúvidas, mas o pessoal do Jurídico. No entanto, absteve–se de comentar qualquer coisa. O show era de Nicholas. Ele iria apertar o primo, quando fosse o momento certo.

Nicholas esfregou as mãos. Oscar notou que estava visivelmente nervoso, com um brilho de suor na testa.

–Vamos lá, – disse o rapaz – queremos apresentar a vocês o Programa Escape Game: competição alucinante. Uma corrida insana por diferentes lugares e por diferentes cenários de escapadas, com ações combinadas de caça ao tesouro e esportes radicais... Mas, primeiro vamos explicar o conceito.

Alice se adiantou, apontando para a tela onde imagens e textos curtos apareceram em uma típica apresentação de power point.

– O escapismo sempre foi considerado um desvio psicológico. Podemos considerar a televisão, os parques de diversão, os videogames, enfim... Tudo isso é uma forma de se desviar da realidade pelo uso da fantasia. Existem muitas formas saudáveis, ou nem tanto, usadas para escapar da realidade e suas pressões e dificuldades.

– Podemos pensar no cosplay e nas convenções de quadrinhos, também como uma forma de escapismo – divagou Lilibeth – já que as pessoas criam personagens totalmente fora da realidade e saem por aí se comportando como elas.

– Enfim – retomou Alice. – Podemos dizer que o escapismo faz parte da diversão.

Não era para ser uma piada, mas algumas pessoas riram.

– A primeira sala de escape surgiu em 2004. Por meio da Crimson Room. Takao Kato, dono da companhia de videogame queria maximizar a experiência do jogador por meio da imersão no jogo. Daí, surgiram as salas em que as equipes devem resolver os problemas ou enigmas para avançar para a etapa seguinte, em outro ambiente. O conceito foi criado por Toshmitsu Takagi e permanece até hoje.

– Mas não ficaria chato fazer um programa inteiro dentro de um escape room? – indagou Oscar, olhando para imagens de escapes rooms na tela.

– Pode até ser – disse Nicholas – se tudo girasse em torno da escape room. Mas acho que se tivermos etapas, teremos um produto único. Muito mais dinâmico.

– Hum... – Oscar concordou. – Continuem!

– Trouxemos os especialistas em escape game para explicar este mercado, o quanto arrecada, público alvo e possíveis patrocinadores e parcerias.

Os próximos dez minutos foram da equipe de especialistas descortinando um mar de possibilidades para a rede de televisão. E talvez fosse isso que deixasse os acionistas temerosos: o ineditismo da coisa. Não havia parâmetro de comparação e nem rede de segurança. Por isso, Nicholas procurou traçar paralelos com realities de sucesso.

–Bom, devo lembrar a todos que a Casa dos Artistas não teve rede de segurança quando estreou no Brasil. Os brasileiros ainda não conheciam o Big Brother. E quando este estreou, foi com certo conforto, pois a experiência anterior fora bem sucedida.

Todos silenciaram. – Às vezes precisamos ser pioneiros, se quisermos abocanhar o grande prêmio – acrescentou Nicholas.

– Tá... – Oscar tamborilou os dedos no tampo da mesa. – Quero saber da equipe de marketing, já que estão aqui, como tornariam esse produto atraente ao público brasileiro? Qual seria a abordagem e como executariam a campanha...

– Bem – disse Tito, com quem Nick teve uma longa conversa durante a semana. (Meio que induzindo a visão do conceito). – Na minha opinião devemos explorar o ineditismo. Se tornarmos a cultura do escape atraente, faremos com que o brasileiro médio se interesse pelo conceito. Só precisamos engajar nossos parceiros de negócios a apostarem no casamento entre o nosso produto e o deles. Por fim, é preciso selecionar participantes carismáticos. Eles devem atrair o interesse do público por diferentes razões, mas todas essas razões têm que se afinar com o produto do patrocinador, sua marca, bem como o perfil do nosso público.

– Mas devem atrair o público em geral, se quisermos aumentar a audiência – considerou o diretor executivo.

– Bem lembrado... – disse Oscar. – Tudo depende dos candidatos. As pessoas devem querer torcer por eles. Sabe como é, gente como a gente e não figurinhas já tarimbadas. Nada de artistas, modelos...

– Isso mesmo, gente comum para que as pessoas comuns se sintam parte da aventura. Por outro lado – comentou Nicholas – devem ter muitos seguidores, precisam ter perfil de influencers para que engajem os seguidores.

A apresentação acabou. Nicholas e sua recém–formada equipe esperaram a decisão. Foram dias de muito trabalho e noites também... Eles não dormiram direito durante todo o prazo que lhes foi dado para concluir aquele esboço de projeto. Foi uma roda–viva... Agora, teriam o veredito.

Oscar acenou com a cabeça, refletindo antes de começar a falar.

– Meu pai não conquistou seu patrimônio sem riscos. Ele foi ousado e diligente e graças ao seu exemplo, hoje, a TV Mundi encontra–se onde está. Acho que temos uma oportunidade de sair do buraco em que a pandemia nos colocou. Não sei quanto a vocês – ele disse para os demais conselheiros. – Mas eu estou dentro. O que acham? Vamos votar?

Ele olhou para Nicholas e pronunciou o seu voto.

–Eu voto sim.

Os demais foram na esteira de Oscar. Além do mais, não havia escolha. Nenhuma outra ideia se encaixou nos planos e necessidades da rede.

Nicholas observou que apenas duas pessoas votaram contra. Ele procurou gravar suas fisionomias e nomes, porque seria a elas que ele teria que prestar contas, caso fizesse merda. "Bom, não se iluda!" – ele pensou. "O único carrasco que deve temer é o primo".

Oscar era generoso em dar oportunidades, mas ele cobrava na mesma proporção em que concedia.

–––

As semanas seguintes foram muito piores do que a preparação do projeto apresentado ao conselho. A equipe de marketing trabalhava a mil por hora nas chamadas e logo foi divulgado o período de inscrições para os candidatos do reality show.

Nicholas iniciou a produção em conjunto com os patrocinadores e parceiros de negócios interessados no projeto. A ideia era construir um imensa escape room a partir da planta esboçada pelo próprio Nicholas. Onde pretendiam filmar os episódios.

No entanto, começaram a enfrentar entraves inesperados.

– Para dar certo – disse Leo, o especialista – precisa ser um lugar de difícil acesso.

– Gosto disso! – disse Gil, sorrindo. – Vai ser o mistério que o país deseja descobrir!

– Não temos orçamento para isso – rebateu Nicholas, desgostoso.

– Se me deixar tentar uma coisa... – Leo comentou, de repente.

–O que...? – Nicholas indagou. Ele e Gil trocaram um olhar de dúvida.

Leo suspirou, então, começou a explicar:

– Existem escapes rooms elaboradas, com excelentes cenários, espalhadas pelo mundo. Alguma delas pode ter uma estrutura adaptável às necessidades do projeto... Isso se – Leo levantou o dedo, fazendo um pequeno suspense – os proprietários e/ou gestores toparem uma parceria com a gente.

– No que você está pensando...? – quis saber Nicholas, em dúvida.

– Logo eu te aviso – disse Leo, em tom de mistério. Mas se der certo, prepare–se para manter uma equipe pequena de cinegrafistas e tudo o que for necessário para voar para fora do país.

– Ok! – disse Nick, trocando um olhar de espanto com Gil.

Alice entrou na pequena sala de produção, interrompendo a conversa.

– Nick, abra o e–mail que lhe mandei. É a lista preliminar dos candidatos.

– Agora começa a parte crucial... – ele murmurou, deixando os ombros caírem.

– Sim, – concordou Alice. – Temos que escolher os candidatos mais adequados.

– Quantos foram elegíveis?

– Tivemos mais de duas mil inscrições – explicou Alice, num tom profissional. Gil soltou um assobio baixo. – Duzentos e oitenta foram elegíveis. Dessas duzentos e oitenta, precisamos selecionar cinquenta, mais os suplentes.

– Dez suplentes? – Quis saber Gil.

– Acho que sim – Alice franziu o cenho, com uma expressão confusa. – Não, espera! Temos que selecionar dez duplas suplentes.

– Então precisamos escolher cinquenta duplas? – raciocinou Nicholas. – E não cinquenta pessoas.

– Exato.

– Isso quer dizer que não foram mais de duzentos e oitenta pessoas, mas foram mais de duzentos e oitenta duplas? – questionou Gil.

– Isso mesmo reconheceu Alice, cabreira pela sua falha.

–Caraca! – Gil deixou escapar.

Nicholas gemeu. – Vou trazer toda a nossa equipe para cá, mandar fazer café suficiente para duzentos e oitenta vezes dois; e você – apontou para Alice – vai pensando em critérios de seleção e eliminação.

– Critérios? – indagou Alice.

– Sim, critérios – disse Nicholas. – Como vamos selecionar uma dupla e rejeitar outra? Temos que ser justos e criteriosos.

– Com certeza! – concordou Alice, tirando a caneta da orelha e rascunhando na sua prancheta. – Acho que podemos partir das escolhas do próprio conselho, na última reunião.

– Como assim? – quis saber Gil.

– Não se lembram? – Alice parou de escrever. – Alguém disse que não queria pessoas famosas.

– Foi Oscar – lembrou–se Nicholas.

– Alguém disse que os candidatos deveriam ter perfil de influencers na internet, com bastante seguidores para engajamento.

– Sim, esse... – Nicholas fez uma pausa – Fui eu quem disse.

– Começamos por aí, então – ela concluiu.

– Doenças, idade? – Gil lançou.

– Depende da doença e da idade, – disse Alice – porque podemos ser acusados de discriminação.

– Mas... E se alguém tiver um enfarte no meio das provas?

– Vamos pensar em algo muito grave, como critério de eliminação, mas também vamos pedir a todos que assinem um termo de responsabilidade – comentou Alice, descartando o problema. – Já rascunhei algo para que vocês deem uma olhada. Depois mandamos para o Jurídico bater o martelo.

– Concordo! – disse Nicholas, voltando a recuperar o entusiasmo.

–––

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