Capítulo 12 Busque uma, leve duas
– Meu carro está no estacionamento do shopping.
– Fica só a uns quatro quarteirões – disse Lunna.
– Mas eu não recomendo que vocês sigam a pé até lá a essa hora da noite – comentou Naya, parada na calçada.
– Não se preocupe conosco. – Afonso olhou pra ela com curiosidade. – Não vem com a gente?
Naya hesitou.
– Claro que ela vem! – Lunna acenou. – Vamos andando. Nenhum taxista vai aceitar levar a Pepita.
Eles bem que tentaram, mas foi em vão. Nada de cães nos carros. Só se estivesse dentro de uma caixa de transporte. Depois da terceira tentativa, foram caminhando de volta pela calçada.
–Escute – disse Afonso de repente, tocando no braço de Naya. Seu tom de urgência deixou–a alerta. – Eu preciso de uma ajudante no empório da minha mãe. Ela está muito idosa e não pode fazer tudo sozinha. A atual ajudante dela está grávida e logo vai dar à luz. Temos uma estagiária, mas só fica meio período. Eu preciso de alguém que trabalhe o dia todo no empório.
Naya ficou muda, entendendo as implicações do que ele estava oferecendo. Lunna fingiu estar dando atenção a Pepita, para não interromper a conversa dos dois.
– Você não pode querer que uma garota como eu conviva com a sua mãe!
Dessa vez Lunna não se fez de desentendida. – Como assim? Você é a melhor pessoa que conheço.
Naya olhou de relance para ela, e de volta para Afonso. – Você sabe o que eu faço.
– O que você faz, ou fez, ninguém tem nada a ver com isso. – Ele pontuou. – Afinal, deseja ou não a oportunidade? Pode estudar à noite e se tornar esteticista? É a sua chance.
Lunna queria gritar para que Naya aceitasse, mas se calou. A decisão era dela e só dela.
–Você é maluco – Naya sacudiu a cabeça.
– Naya! – Lunna a repreendeu. Afinal, o moço ali estava lhe oferecendo um emprego.
Afonso riu com gosto.
–Já me chamaram de coisas piores.
Ele até entendia as ressalvas e receios dela, por isso, comentou: – Sou ótimo julgador de caráter. Reconheço uma pessoa de valor, quando vejo uma. Além do mais, imagino que você não esteja muito segura aqui, depois do que eu fiz ao cafetão.
Ela não respondeu, mas Lunna, sim. – Ela não está nada segura. O cafetão dela é um lunático.
–Então, estamos nos ajudar mutuamente, fazendo o que Jesus pregou – ele piscou um olho pra elas. – Só tem uma condição.
–E qual é? – Naya quis saber, desconfiada.
–Você vai ter que mudar um pouco o figurino... – ele apontou para a roupa que gritava "eu rodo a bolsinha na praça". E não vai entrar nos pormenores do seu antigo trabalho com a minha mãe. Ela é antiquada, foi educada em outro tempo. Não aceita esse tipo de coisa. Seu passado morre aqui.
– São duas condições – ela mostrou os dedos, em tom suave de zombaria. – Mas pode deixar, eu entendo perfeitamente. Estou agradecendo mesmo pela chance de ter uma carteira assinada.
Lunna pensou na ironia da situação. Ficou calada, pois estava muito contente pela amiga.
– Tenho um problema. Quer dizer, dois – acrescentou Naya. – Preciso pegar algumas coisas no meu apartamento... E acertar o mês com a senhoria.
– Quanto a isso, não se preocupe. Eu fecho a conta com aquele doce de senhora – disse ele, mais irônico do que nunca. – A sua também, Lunna.
– Na verdade, eu tenho um pouco de dinheiro e prefiro pagar – disse Naya, toda orgulhosa.
– Tudo bem – ele cedeu em um ponto, mas não em outro. – Só que você não vai lá sozinha.
–––
Eles encontraram a senhoria na recepção. Quando ela avistou Naya, foi logo dizendo: – O Rangel esteve te procurando.
Afonso fechou a cara.
Quando a senhoria bateu os olhos em Lunna, começou a gritar.
– Sua trambiqueira! Está me devendo dois meses! E eu não quero cachorros na minha recepção!
Pepita se escondeu atrás das pernas de Lunna.
–Baixe o tom, senhora – disse Afonso, em voz baixa, mas tão cheio de autoridade que a mulher emudeceu. – Vou pagar a dívida de Lunna. E a cadela fica, porque é mais limpa do que a senhora e todo esse lugar, entendeu?
A mulher ficou calada. Estava acostumada a lamber as botas dos donos do dinheiro.
Eles subiram até o apartamento de Naya, para que ela pudesse fazer as malas.
– Só um instantinho – ela sumiu no banheiro e voltou com uma bolsa, uma mochila e um casaco que vestiu sobre a blusa decotada. Entregou a blusa de flanela de Afonso. Ele ficou olhando para os pertences da garota. – Só isso?
–Ah! – Naya estalou os dedos, voltou correndo e trouxe para fora sua samambaia frondosa, a qual ela cuidava com carinho.
– Doris Day vem comigo!
Afonso começou a rir. Estaria voltando para casa com duas garotas, uma samambaia e uma cadela. Que coisa!
Naya fechou a porta e os três seguiram pelo corredor.
–Quer dizer que você foi assediada, é? – Ele indagou a Lunna.
– Isso mesmo.
E qual o andar?
–Do que?
– Onde você morava.
–Ah, fica dois andares abaixo desse.
–Quarto... – Afonso olhou para Lunna e depois para Naya.
Eles desceram as escadas. E quando chegaram ao quarto andar, ele perguntou: – Qual é o apartamento dele?
–Ei, cara... – Naya disse. – Não vá arrumar confusão.
–Não se preocupe... – disse ele, num tom inofensivo. – Qual é?
Naya não quis dizer.
– O apartamento 246 – explicou Lunna, começando a se divertir.
Afonso assentiu e disse: –Esperem aqui, sim?
Lunna segurou Pepita, para que não o seguisse. As duas garotas esticaram o pescoço para espiar das escadas. Afonso bateu na porta e esperou. Quando esta se abriu, ele indagou:
– Você é o morador deste apartamento?
O homem o mediu de alto a baixo. – Sou, por quê?
–Por isso – e deu–lhe um soco que o jogou longe.
–Esse foi por ter importunado Lunna... Se eu souber que você anda assediando mulheres por aí, volto aqui e quebro você em dois.
Virou–se e voltou para junto de Naya e Lunna, as quais o seguiram escada abaixo, sem uma palavra. Eles saíram pelo hall, com a senhoria nos seus calcanhares.
–Você vai pagar ou não?
Ele parou de supetão. Virou–se para Naya e Lunna: – Quanto vocês pagavam de aluguel?
–Uns quatrocentos por mês – disse Naya tirando sua parte e entregando para a asquerosa senhoria.
–Tudo isso? – Afonso achou caro demais, mas pegou o montante referente à Lunna e depositou nas mãos ávidas da mulher.
–Quero recibo – disse Afonso, estendendo a mão imperioso.
A mulher não gostou, mas pegou o bloco. Contou a grana primeiro e disse: – Ei, Lunna está devendo dois meses!
–Não, ela está devendo um mês e... – Afonso a corrigiu olhando para Lunna.
– Um mês e dois dias – respondeu Lunna.
– E considerando que os últimos cinco dias, ela passou em outro lugar... – Afonso continuou, em tom profissional. – Não se esqueça de que ela entregou a chave da quitinete.
A mulher resmungou, fez o recibo e entregou. Afonso leu. – Quero recibo para o pagamento de Naya também.
A mulher reclamou. Naya disse que não precisava.
– Faço questão – Afonso não arredou o pé.
A mulher preencheu outro recibo e quase rasgou o papel ao destacá–lo e oferecer a ele. Afonso leu e repassou para Naya.
Com um sorriso cínico, Afonso despediu–se da senhoria do prédio: – Passar bem...
Instou as garotas a saírem e deu as costas para a senhoria, ignorando seus comentários chulos.
Ali, da porta, as luzes do shopping já eram visíveis. Eles caminharam naquela direção.
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–Eu pensei que a gente fosse pegar a estrada – comentou Lunna, fazendo um carinho na cabeça de Pepita.
– Pois é... Mas eu estou morto. – Afonso pegou o tíquete com a recepcionista do hotel para cães. Eles levaram Pepita para dentro. – Prefiro ter uma boa noite de sono e continuar amanhã. O shopping tem um hotel para cães e avistei aqui perto, um hotel para gente. Simples assim.
As duas não falaram mais nada, porque também estavam exaustas e dariam qualquer coisa por um banho, uma refeição decente e uma cama confortável.
Ele seguiu com decisão para o carro, e elas foram atrás.
Contornando os arredores, ele manobrou o carro com perícia para estacionar à frente do hotel. Deixou a chave com o manobrista e retirou sua maleta.
–Precisam de alguma coisa das mochilas? – ele perguntou.
Lunna e Naya se apressaram em pegar as nécessaires e mudas de roupa para o dia seguinte. Colocaram em sacolas plásticas, para não ter que carregar as mochilas pesadas. Afonso tirou as sacolas de suas mãos e levou para dentro do hotel. Ele fez o registro e pegou os cartões–chaves. Os três seguiram para o elevador.
–Nossa! São três da madrugada – disse Lunna, olhando para o relógio da parede. Ato contínuo, Afonso bocejou.
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As portas do elevador se abriram e ele seguiu pelo corredor até achar os quartos. Entregou os cartões às duas e se afastou para o próprio quarto com um "boa noite" atirado por sobre o ombro.
A porta dele abriu e fechou e as duas ficaram paradas no corredor. – Nossa, que sujeito formidável e esquisito a um só tempo – refletiu Lunna em voz alta. – Se ele é o namorado de Astrid, eu tenho que admirá–lo... Minha irmã é muito exigente.
Não percebeu que Naya levou um susto. – Namorado da sua irmã?
– Pelo jeito, ele é... – Lunna foi para a porta do seu quarto. – Não teria se dado a todo esse trabalho, se não fosse.
Naya forçou as pernas a se mexerem. Foi até a porta do seu quarto e tentou abrir. Não conseguiu. Lunna voltou para ajudá–la. A porta abriu e elas se despediram.
–Foi um dia cheio! – disse Naya.
–E amanhã promete ser também – a outra concordou.
–Mas será de um jeito bom. – Naya reconheceu: – Milagres acontecem.
Com essa enigmática frase, ela entrou no quarto e fechou a porta. Lunna foi para o seu, pensando que era justamente o que vinha pedindo nos últimos dias: um milagre.
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