8. Passado

A música instrumental para fundo de festa mistura-se ao ambiente em uma melodia suave, calma e lenta enquanto ouço os burburinhos dos convidados conversando, os sussurros e as risadas eventuais. Não conheço nenhum deles. Meu rosto é uma máscara de maquiagem que esconde o que guardo para longe daquelas pessoas. Ocasionalmente flagro olhares masculinos de apreço para mim.

Toda a base, rímel, batom, blush, meus cabelos presos em um coque charmoso, tudo isso pintam minha imagem de mulher fatal. Claro, os brincos longos e o vestido vinho que uso também ajudam a me fazer parecer uma mulher mais madura. Apesar do corpo marcado, ainda consigo manter toda a pompa e o charme que preciso para conquistar os convidados. Mas essa não sou eu. Não é ali que quero estar. Não pertenço a este lugar.

Meu nome é Kristanna Barton, tenho 23 anos e... não sei mais se tenho tudo sob controle.

Um braço possessivo fica em torno de minhas costas inferiores ao mesmo tempo em que alguém planta um beijo casto no meu ombro esquerdo, causando um arrepio que sobe pela minha coluna vertebral, perdendo-se em minha nuca. Não preciso olhar para saber quem está ao meu lado neste momento.

— É uma interessante festa, não? — ouço o profundo tom de ironia. Ele inclina a taça de champanhe para sua boca e toma todo o conteúdo em apenas um gole. — Eu pessoalmente sinto como se estivesse em uma daquelas épocas em que as moças tinham que debutar para serem introduzidas na sociedade em busca de um bom partido.

Olho-o de soslaio, estremecendo só de me lembrar do significado de "acabar alguma coisa" com Aiden Blackwell. Quero dizer, não houve sexo, mas fui levada a tomar um segundo banho antes que me arrumasse para o jantar. Um banho com ele. Sem roupas. Com ele. Nua. Com ele... Tenho que parar de repetir essas coisas.

— Mas você não é uma moça — replico.

Ele sorri sedutoramente.

— Eu não estava falando de mim. — Seu olhar é de um predador quando me fixa com seus olhos. — Estava falando de você. Você é a debutante. A menina dos olhos da festa. Todos não param de olhar para você. Deveria estar grata que não sou um namorado ciumento. — Meu fôlego se perde. Aquela brincadeira de parceiro ciumento é minha. Por que soou incrivelmente verdadeira na voz de Aiden? — Não ainda...

— Pensei que o jantar fosse para você — lembro.

Seus olhos param em mim por longos segundos. Estão seguindo cada hematoma meu exposto que nem gelo nem maquiagem conseguiram atenuar tanto. Aiden não me perguntou nada ainda, mas, por alguma razão, ele parece saber a resposta. Quando um convidado e outro me abordou, apontando dedos com caras horrorizadas, eu disse que foi resultado de um longo dia de brincadeiras com o adorável Jack. Agora eles acham que eu sou um anjo de candura por ter me oferecido para brincar com o caçula solitário.

Ledo engano.

— Você vê aquilo? — Aiden aponta discretamente para a mesa retangular de comprimento onde estão sentados alguns homens de smoking acompanhados de suas respectivas esposas em seus vestidos de grife. No centro das atenções, está o influente Philip sentado na cabeceira com Lorelai Blackwell ao seu lado direito da mesa. — Ele não está aqui por mim. Está aqui por você.

Algo corre assustado para o canto de meu estômago. Nem ao menos sei por que fiquei nervosa de um segundo para outro. Ou... triste por ouvir o que ele está me dizendo.

— Ele é seu pai. Claro que desistiu da viagem para comparecer à sua comemoração.

Aiden dá uma risada sarcástica.

— Ele é Philip Blackwell. Está aqui por alguma coisa, provavelmente planejando como fazer da nossa estada a pior possível. Eu não confio nele, ainda que devesse. — Então se vira para mim, um sorriso torto pairando no canto de seus lábios. — Mas você é a psicóloga aqui. Diga-me, já conseguiu diagnosticar a loucura pessoal de Philip Blackwell? Tem tratamento?

Fecho a cara para ele.

— Muito engraçado — resmungo com mau humor.

— Não me olhe assim, Rainha do Gelo — murmura, aproximando-se mais de mim. — Isso apenas me deixa com mais vontade de derreter todo esse gelo... — Ele deposita um beijo na base de meu pescoço, atiçando o fogo que descobri existir dentro de mim horas atrás, quando estávamos completamente nus e deitados no chão. — Além do mais, foi você que me atacou no quarto.

— Não fiz nada disso! — digo, ultrajada, e tento afastá-lo em vão com um safanão, ao que ele aproveita para capturar meu pulso.

Reparo que alguma coisa está errada quando me perco em seus olhos, que parecem escurecer conforme arrasta seus dedos em minha pele, até alcançar meu ombro exposto pelo vestido.

— Lembro-me de você ter dito que não corava há muito tempo. — Meu coração está batendo como uma britadeira à medida que os fatos estão sendo colocados em evidência. — Mas, pela primeira vez, eu vi você corando quando caiu em cima de mim no quarto. E depois, quando minha mãe nos encontrou. E então... quando ela foi embora. Foi uma festa de rubores da Rainha do Gelo, pela qual me senti lisonjeado por ser o causador, direta e indiretamente.

Eu quero dizer alguma coisa, rebater com frases ácidas, mas nada sai da minha boca. Porque é verdade. Tudo o que ele disse é verdade. Aiden Blackwell está me desnudando novamente sem que eu possa fazer alguma coisa.

A orquestra ao fundo termina neste momento. A tensão é tanta que meus pulmões queimam sem ar. Felizmente a pausa acaba quando as notas de um piano fluem pelo ambiente, dando início a uma nova música.

— Sei o que dizem sobre você. — Seu dedo enrola em uma mecha loura, seus olhos não me liberam de seu olhar magnetizante. — Desde o início, eu sabia. Sabia como era a Rainha do Gelo, como ela agia com as pessoas, especialmente com os homens. Eu sabia de todos os boatos, de todos os riscos. Mas tenho que confessar que tenho uma atração irresistível pelo perigo. A esta altura você já deve ter notado que sou o rebelde insurrecto dos Blackwell, a ovelha negra da família.

Meneio a cabeça.

— Você não é isso.

— Não é socialmente aceitável um filho se voltar contra o próprio genitor.

— Você não fez isso, Aiden. Ainda está aqui, não está? Você o respeita, não importa no que acredite. Essa é, de longe, uma atitude muito louvável.

Sua cabeça tomba para o lado e ele sorri, mas sinto que não é um sorriso verdadeiro. É como se estivesse rindo das minhas conclusões inocentes.

Ele dá de ombros teatralmente.

— Eu tento ser legal.

Ele não percebe que, ao estar se importando com isso, está apresentando claras evidências de preocupação com seu atual relacionamento com a família. Como se... estivesse punindo a si mesmo, sem dizer uma palavra sequer. Afinal de contas, ele foi educado para agir desse jeito. Um "homem de verdade", para Philip Blackwell, é aquele que sofre em silêncio. A cada dia que passa, descubro que as coisas são bem mais complicadas quando se trata do quebra-cabeça complexo que Aiden é.

— Mas esse não é o ponto — ele continua. — A questão é que... — Seu indicador desliza provocativamente em uma linha reta na minha mandíbula. — Você representou o perigo para mim. Nem sequer pense por um segundo que você foi escolhida por acaso ou por acidente. Eu tinha meus olhos em você há muito tempo. Eu sabia o que queria, então, da mesma forma que uma mariposa se sente atraída pelas chamas, eu segui você em uma noite para reunir dados valiosos e descobri onde trabalhava. Assim, quando o momento chegou, banquei o ator, o homem perdido que andava por ali ao acaso. Foi uma fodida performance. O homem que descobriu o segredo da Rainha do Gelo e... veja só, teve que se valer de chantagem para fazê-la namorada dele.

Encontro-me perplexa, com o queixo escancarado. Não consigo acreditar que fui apenas mais uma na mira de Aiden Blackwell. Jamais foi uma escolha ao acaso, foi mais programado do que pensei. Mais lógico e objetivo do que poderia imaginar. Um jogo de gato e rato. Estou profundamente irritada com a frieza com que ele me conta os fatos, mas não consigo parar de pensar no que ele quer dizer com "reunir dados valiosos".

— O que você sabe sobre mim? — pergunto com o tom de minha voz um pouco elevado.

Aiden apenas dá um meio sorriso.

— Por que ficou tão nervosa de repente? Estou apenas sendo honesto ao contar que tudo não passou de um plano. Eu precisava de você, então fiz o que tinha que fazer.

Tiro sua mão de meu rosto.

— Responda.

Ele dá um suspiro cansado.

— Sei que você é uma stripper — afirma e sinto um incrível alívio. Bem, pelo menos ele não sabe de tudo. — Ou deveria dizer uma "dançarina exótica"? — ironiza. — Uma vez entrei durante uma noite, perto de encerrar as apresentações no clube, e peguei você dançando em cima do balcão do bar. Não vi muito, mas... vi o suficiente. — Ele muda o peso da perna para a outra. — Estou curioso.

Sei que estou deslizando na lâmina afiada do perigo com Aiden, mas não retrocedo. Não nego nada por precaução.

Levanto o queixo.

— Sobre o quê?

— Você dança muito bem. — O elogio inesperado me faz ruborizar. Odeio isso. Depois que começou, não quer mais parar. Sei que ele percebe a reação, pois seus olhos passeiam deliciados pelo meu rosto. — Pergunto-me como seria sua performance em uma apresentação mais... privada, e onde tivesse que tirar o resto das roupas. Quanto eles cobram pela sala VIP?

Refreio a vontade de querer dar um tapa em seu rosto cínico. Agora estou reconhecendo o verdadeiro Aiden Blackwell dos boatos que correm pela universidade. Não consigo nem ao menos pensar em como seria se ele descobrisse mais coisas sobre minha vida e tudo o que tão duramente me esforcei para esconder.

— Mantenha-se longe do meu clube — falo entre dentes, meus olhos grudados nos dele. Obviamente urge uma necessidade de insultá-lo para fazê-lo mudar de ideia. — E eu jamais dançaria para alguém como você — digo num tom baixo para que apenas ele me escute.

Aiden eleva o braço, seu polegar e o indicador segurando meu queixo quando aproxima seu rosto do meu.

— Está desafiando o homem errado, Kristanna. Não me ofereça perigo no meio do caminho. Sou o tipo masoquista que vai atrás do que sei que pode me ferrar. Não foi diferente com Caroline. Pode não ser diferente com você...

Paro de respirar. Caroline. O que ele está tentando me dizer com isso? Lembro que ele disse que ainda a amava, ainda que não estivesse desperto do sonho. Quem, afinal, foi Caroline em sua vida? Okay, eles foram namorados, mas sinto que há algo que vai além disso. Não consigo lê-lo, porém. Seria mais fácil se ele simplesmente me dissesse o que pensa.

— Como disse no começo, sei o que falam de você. Mas sabe o quê? Apenas se esqueceram de mencionar que seu beijo é delicioso. — Seus dedos apertam meu queixo para cima. Quase tenho vertigens quando penso que ele vai me beijar na frente de todos. — Que seu corpo é malditamente bonito. E que você tem uma incrível habilidade para deixar qualquer homem excitado e louco por você. — Não entendo por que ele está falando comigo num tom de briga. Então, sua voz suaviza. — Você esconde a si mesma debaixo de uma máscara impenetrável, igual ao que está fazendo ao tentar esconder as manchas e os arranhões que estão gravados em sua pele. — Um garçom passa por nós e Aiden pega outra taça de champanhe, bebe tudo em um só gole como se estivesse querendo ficar bêbado de uma vez por todas. — E quer saber de uma coisa? Talvez eu esteja usando a minha própria máscara com você neste exato momento. Ninguém pode negar que somos dois fodidos bons atores, não é mesmo?

Antes que eu possa perguntar o motivo de estar tão bravo comigo, ele caminha para longe de mim a passos rápidos. No meio do caminho, encontra outro garçom e rouba uma nova taça de champanhe para tomá-la com grandes goladas. Isso não está certo, sou eu quem deveria estar brava com ele. Por ter descoberto que ele planejou me chantagear desde o início. Mas não consigo, porque ele parece estar querendo me contar alguma coisa através de sua fala cheia de enigmas. Talvez... esteja usando psicologia reversa comigo. Querendo me fazer ficar com raiva dele pelo modo como me contou as coisas, quando na verdade é ele o mais enraivecido e irritado com a situação.

Quais são seus motivos para estar se comportando assim?

— Alguém está assustando os convidados. — Nathaniel Hooper, o gerente de um dos hotéis dos Blackwell, estabelece-se ao meu lado seguindo o meu olhar. — O que diabos aconteceu com Aiden?

Ele está usando smoking, assim como Aiden. Mas seu porte não chega aos pés da altura e firmeza em músculos que toquei horas atrás no quarto, enquanto estávamos tomando banho juntos. Quando recordo os beijos quentes dentro do boxe do banheiro, um calor se instala no centro de meu interior e me deixa febril.

— Não faço ideia — falo com um dar de ombros. Eu realmente não tenho a mínima ideia de por que Aiden parece estar tentando se embebedar na própria festa. — Ele começou a falar sobre Caroline e de repente ficou furioso deste jeito.

Um sorriso brinca no canto da boca de Nathaniel, um que eu não gosto.

— Caroline... — repete, pensativo. — Bem, ela está aqui também. Com o namorado. É de se esperar que o grande reencontro o deixe tão colérico.

Caroline está aqui com o namorado? Isso só pode significar que Aiden está com ciúmes. Porque se ele ainda a ama... é a única coisa que posso concluir. Meu coração afunda no peito e acho que não tem volta.

— Esses dois nunca aprendem que quando o jogo está acabado é porque está acabado.

— O que quer dizer com isso?

Ele forja um olhar inocente para mim, sua boca se entreabrindo ligeiramente de surpresa.

— Que falta de tato a minha! Onde estou com a cabeça? Veja só, você é a namorada dele! Eu não deveria estar contando isso a você. Sinto muito, Kristanna.

Quero revirar os olhos. Minha nota para a atuação dele é um zero redondo. Inspiro e ergo educadamente a mão.

— Tudo bem, pode contar. Quem foi Caroline na vida de Aiden? — Obviamente já sei, porque Lorelai me contou, mas tenho a sensação de que posso ir bem mais longe com Nathaniel sobre essa mulher.

— Bem, já que você não se importa... — Nathaniel ajeita a gola do paletó, e então, com um suspiro cansado, revela: — Caroline e Aiden foram namorados.

Bingo.

— Cresceram juntos.

Bingo.

— Melhor dizendo, cresceram trabalhando juntos no mesmo lugar. Desde criança, Aiden ia com o pai aprender os futuros ofícios que executaria quando atingisse uma idade razoável para trabalhar. Era apenas um garoto de 11 anos e passava horas tediosas dentro de um escritório. A mãe de Caroline era camareira do Plaza. Tinha que levar a filha para o trabalho na maioria das vezes. Aiden e Caroline se conheceram em uma trombada no corredor.

Isso definitivamente não estava nas minhas deduções. Aiden tinha apenas 11 anos quando conheceu Caroline, a garotinha filha da camareira. Conhecendo Philip, sei que ele foi o pivô nessa história toda. Se ele soubesse que seu filho, seu herdeiro, estava estabelecendo vínculos com a filha de uma funcionária sua...

— Mais tarde, Philip descobriu e não gostou. — Nathaniel pousa uma mão nas minhas costas inferiores e me guia para um canto menos movimentado. — No início, ele não deu muita importância. Achava que era coisa passageira de criança. Mas quando Aiden completou 15 anos, ele confessou estar apaixonado por Caroline.

Algo na minha mente me diz que a história só piorará daqui em diante.

— Philip não aceitou — comento ao acaso.

— Exato. — Olhando-me com curiosidade, ele apoia a mão na parede. — Pelo que vejo, já está bastante familiarizada com a família Blackwell.

Tenho que rir em voz alta.

— Você não faz ideia. Mas você dizia...?

Ele me passa uma taça de champanhe, ao que aceito e tomo um gole. O líquido escorrega por minha garganta, produzindo uma sensação quente e reconfortante em meu estômago. Álcool definitivamente é o melhor remédio para lidar com as histórias da família Blackwell.

— Ele completou 15 anos e toda aquela paixão jovial veio à tona, e ao mesmo tempo ambos nutriam uma amizade um pelo outro que ninguém conseguia explicar. Pode soar piegas, mas havia algum tipo de respeito vindo de um garoto Blackwell para uma simples filha de uma camareira.

Mantenho-me calada enquanto penso. Imagino que Aiden ter conhecido Caroline significou o choque de dois mundos. O dele com o dela. O de um garoto arrogante com o de uma humilde plebeia. Esse é o tipo de história que só se vê em filmes ou livros.

— Quando ele estava com 16 anos, Philip proibiu de vez que os dois voltassem a se ver. Foi então que Aiden começou a se rebelar contra o pai. Ele passou rapidamente de um autômato que seguia à risca as ordens de Philip para alguém que se dava conta de suas próprias vontades e desejos. Ele e Caroline passaram a se encontrar escondidos de todos.

Tomo outro gole de champanhe, atenta ao que Nathaniel está me contando. Não faço ideia de como um estranho como ele pode saber de tantos detalhes sobre a vida de Aiden.

— Eles começaram a namorar, estavam apaixonados um pelo outro. Aiden foi realmente um cavalheiro com Caroline. Por incrível que possa soar, um Blackwell foi paciente o suficiente para jamais tocar em uma moça até que estivesse pronta para ele. — Em seguida, faz uma pausa para me olhar e explicar: — Não se via muito isso tempos antes, ainda mais nos dias de hoje. O rumor é que quando um Blackwell quer tomar o que acha que lhe é de direito, ele simplesmente toma.

Assinto com a cabeça, concordando. Definitivamente o termo controlador faz parte da personalidade de um homem da família Blackwell. Philip é a prova viva. Embora tenha seguido seu próprio caminho, Aiden está no meio-termo disso. Você não esquece simplesmente o que aprendeu desde criança.

— E depois? — pergunto.

Nathaniel dá de ombros.

— Esse relacionamento proibido persistiu por anos até a família descobrir. Foi um escândalo. Ambos não aguentaram a pressão e seguiram seus próprios caminhos. Aiden ainda insistiu, ele disse que seria capaz de desistir do nome da família por ela, mas Caroline não queria mais nada com ele àquela altura. Disse-lhe que estava gostando de outra pessoa e que ele não passou de uma diversão.

Uma inquietação se apodera de meu estômago, girando-o e torcendo-o, fazendo-me ficar a ponto de passar mal. Aiden não abandonou Caroline, foi justamente o contrário. Ele deve ter sofrido como nunca ao se dar conta de que não significou nada mais profundo para ela. As coisas fazem sentido agora. Aiden não se afastou dela por escolha. Ele precisou se afastar dela. Afastar-se de tudo o que conhecia, recomeçar a vida depois do choque de ter sido enganado e de ter enganado a si mesmo. Afastar-se do que via e já não se reconhecia. Afastar-se da superficial, insidiosa e maldosa família Blackwell.

Viro-me para Nathaniel.

— Como sabe de tudo isso?

Ele sorri para mim. Aquele mesmo sorriso hipócrita, igual ao que os convidados me deram quando fui apresentada a cada um deles.

— Porque eu era o melhor amigo dele.

Fico em choque com a revelação. Aiden nunca mencionou que tinha tido um melhor amigo. Sei que há os caras da república, mas... o relacionamento deles é bem diferente.

— Eu o ajudava a se encontrar com Caroline — revela. — Costumava ser o idiota que o salvava de entrar em uma fria com o pai. — Franzo o cenho. Ele parece dizer essas coisas com um ressentimento incalculável. — Até que... — Faz um gesto vago. — Bem, até que Phil descobriu tudo. Mas sabe o que é irônico?

Não sei o que responder. Nem mesmo sei se posso confiar nesse homem. Parece até que estou no meio de um ninho de cobras, e isso dificulta minha respiração.

— Eu sou o namorado de Caroline — conta-me, mesmo vendo que permaneço calada. — Pedi licença a Philip para pedi-la em casamento esta noite.

Sinto algo se quebrar dentro de mim e não conseguir se recompor.

Estou a ponto de jogar a cautela ao vento. Quero dar um tapa no rosto desprezível de Nathaniel Hooper. O modo desafiador com que me encara me diz que ele sabe dessa minha vontade. Sabe que o acho repugnante pelo que fez a Aiden. Como ele se atreve?

De alguma forma, tenho a impressão de que ele sabe que Aiden ainda gosta de Caroline. Como não saberia? Eles foram melhores amigos. E melhores amigos supostamente devem agir como melhores amigos. E Caroline está no meio de tudo isso, sem levantar um dedo, sem dizer nada. Eles noivarem no jantar desta noite é o mesmo que proporcionar uma humilhação, uma espécie de ofensa aos bons tempos de amizade entre Nathaniel e Aiden.

Sinto meu coração se quebrar, sinto algo dentro de mim parar de funcionar por finalmente saber o que está deixando Aiden nesse estado deplorável de querer se embebedar o quanto antes. Ele com certeza sabe sobre o noivado, porque vi os dois conversando mais cedo, e seu rosto era de poucos amigos. Pensando bem, sua cara tem sido de poucos amigos para qualquer um na festa.

— Vocês certamente se merecem — digo sem qualquer pingo de solidariedade. Esse é o tom frígido da Rainha do Gelo que deixa Nathaniel desnorteado por alguns segundos. Ele realmente não esperava de mim essa reação controlada. — Com licença.

Faço minha retirada em direção à mesa dos Blackwell, sentando entre Lorelai e o pequeno Jack, que imediatamente emburra a cara quando me vê. Cruza os braços e olha para o outro lado em uma clara mostra de malcriação.

Lorelai se inclina para sussurrar no meu ouvido.

— Você subiu as escadas. Vi os hematomas e logo percebi que algo estava errado — ela diz, e sei que está se referindo ao episódio do paintball. Não temos nos falado desde o flagra erótico com seu filho no chão do quarto. De repente, ela sorri. — Você e Aiden são iguaizinhos, nunca trancam a porta quando realmente precisam. De qualquer forma, sinto muito sobre Jack. Ele é muito temperamental e ciumento quando se trata do irmão mais velho. Não sei por que ele está pensando essas coisas de você.

Aceno com a cabeça querendo dizer com isso que está tudo bem, mas não olho de fato para ela. Quero dizer, não sei como se olha para a mulher que viu minha bunda nua ao relento.

A conversa à mesa gira em torno de negócios, viagens e comida quando o jantar é servido. Em algum momento, acabo trocando de lugar para ficar sentada mais na parte onde estão os convidados, a fim de socializar com eles como a agradável namorada que sou.

Tardiamente reparo que o pequeno Jack me seguiu para se aboletar ao meu lado. Olho-o em algum lugar entre desconfiança e repreensão. Não sei o que ele está aprontando dessa vez, mas é a plena ciência de seu desapreço por mim que me deixa alerta. Ele apenas dá de ombros e ouve o que os adultos estão conversando, falando ao acaso aqui e ali. Jack é apenas uma criança, mas seu poder de retórica é admirável. Fala com toda a pompa, de um jeito engraçado que me faz sorrir, inclusive está até sentado como se fizesse parte da nobreza.

Na verdade, ele faz.

Aiden está sentado do outro lado, a duas cadeiras de mim, mas consigo ver o olhar cuidadoso que me lança quando Penelope Anderson, esposa do pomposo Paul Anderson, me pergunta sobre como nos conhecemos.

— Na verdade, essa é uma história engraçada.

Neste momento, sou o centro das atenções naquela parte da mesa. Sei exatamente o que dizer. Treinei essa história várias e várias vezes por causa de Aiden.

Endireito a coluna e me viro para olhar na direção de Penelope, que está sentada do outro lado.

— Aiden e eu já nos gostávamos desde antes, por incrível que... Aw! — exclamo instantaneamente de dor com o pontapé que recebi por debaixo da mesa. Então, viro-me para o travesso Jack que está rindo discretamente de mim. Abro a boca para expressar minha indignação. — Seu filho da...

Paro no mesmo momento. Observo como toda a conversa à mesa é interrompida para olharem para mim com um misto de espanto e desagrado com a minha falta de educação. Obviamente as convenções deixam estritamente proibido palavrões, ainda mais em um jantar tão chique e refinado quanto o dos Blackwell. Limpo a garganta. Sorrio encantadoramente, lembrando-me do papel de namorada decente e culta que tenho que executar.

— ... pessoa mais doce que eu já conheci no mundo — termino com a voz completamente mudada, com um inclinar de cabeça e um sorriso muito doce para a mãe de Aiden, que retribui igualmente. — Lorelai não faz ideia do quanto esse garoto me conquista dia após dia.

Penelope fica encantada com meu elogio e Paul volta a se entreter com o convidado ao seu lado. Quando percebo que as atenções se dispersam de mim, olho para o diabinho em forma de pessoa vestido com um mini smoking. Eu poderia matá-lo agora mesmo com o meu olhar homicida.

Jack se encolhe na cadeira quando Aiden o chama já se levantando:

— Quero que venha comigo, Jack.

— Mas, irmão...

Agora.

Estremeço com o tom de voz duro, mesmo sabendo que não é para mim. Não tenho certeza até onde ele viu ou no que possa estar pensando que aconteceu, mas, minutos depois de eu ter conseguido contar nossa história de namoro para os convidados, Jack retorna com os ombros encolhidos e a cabeça baixa. Volta a se sentar ao meu lado com um olhar triste que quase me tenta a abraçá-lo. Quase.

— O que você faz, Kristanna? — Lorelai me pergunta e algumas cabeças se voltam para mim.

— Eu estudo e trabalho. Aiden e eu somos da mesma universidade, conforme contei a vocês.

— No que você trabalha? — Philip aparenta estar interessado demais para meu gosto. Não gosto de seu olhar. Sinto que está me testando a todo momento.

— Em um clube — respondo propositalmente de forma vaga.

— Que tipo de clube? — insiste.

Hesito. Obviamente não posso dizer "clube de homens."

— Um clube de...

— Jogos. Ela é uma crupiê. Trabalha em um cassino de alto luxo.

Meus olhos voam para Aiden. Crupiê? E por que eu tenho que trabalhar num clube de jogos? Nem ao menos saberia como dirigir uma mesa!

— Altas apostas, recolhendo o dinheiro, pagando os ganhos... — Vejo todo um currículo falso sendo preenchido por Aiden. — Kristanna sabe fazer tudo isso com eficiência.

Eu sei?

Lorelai se inclina contra sua cadeira, um misto de surpresa e satisfação perpassando por seus olhos.

— Bem, isso certamente é inesperado. Eu e Philip vamos de vez em quando a uma ou outra casa de jogos para nos divertirmos.

— Acredite, meu ofício ainda é algo que me espanta. — Fuzilo Aiden com o olhar. — Uma mulher, trabalhando em uma casa de jogos... pode ser reprovador aos olhos de algumas pessoas.

Lorelai apruma com um sorriso simpático.

— Não aos nossos. Sem vocês, toda a diversão da mesa iria embora. Uma mesa de jogos é espaço para concentração e criação de estratégias. O crupiê faz o jogo fluir com naturalidade, de forma que a única coisa com a qual temos que nos preocupar são nossas manobras e a espera por nossa vez.

Relaxo contra a cadeira, liberando a tensão de meus dedos ao redor do garfo. Trabalhar em um clube onde a maior parte dos frequentadores são ricos e lidar com o dinheiro alto das apostas aparentemente é bem perto da sofisticação para a família Blackwell. Honestamente, é melhor do que a profissão que eu tinha em mente.

Lanço uma olhadela para Philip, que está calado, e finalmente entendo por que Aiden disse aquelas coisas.

O resto da noite caminha na mais perfeita tranquilidade, até Nathaniel se ajoelhar aos pés de Caroline e pedi-la em casamento na frente de todos. Ela se emociona e aceita. Todos estão aplaudindo e felicitando o casal, com exceção de Aiden, que se retira da mesa com o semblante sério depois de esvaziar outra taça de champanhe e pousá-la bruscamente sobre a mesa. Perdi as contas de quantas taças ele tomou durante a festa inteira. Ao final, quando reparo em seu estado de feliz e desinibido ao extremo, tenho que me desculpar com os convidados e pronunciar uma breve despedida para que possa levar Aiden para seu quarto antes que comece a dizer besteiras das quais possa se arrepender mais tarde.

Nós subimos as escadas com muita dificuldade. Mesmo apoiado com uma mão ao redor dos meus ombros, ele oscila para um lado e para o outro, e termina me levando junto. Dou os comandos a ele, busco mantê-lo focado mesmo quando faz piada da cor dos meus olhos dizendo que são como duas lagoas azuis que mal pode esperar para mergulhar nelas. Em meio às risadas altas e exageradas, fala que esta é a pior cantada que um homem poderia dizer a uma mulher.

Com muito esforço, consigo colocá-lo na cama sem desastres. Mas ele não dorme. Levanta metade do corpo e parece uma criança peralta sorrindo matreiramente enquanto está dando tapinhas ao seu lado da cama, indicando para que me sente perto dele.

Tiro os brincos, os saltos e, com um suspiro, sento-me.

— O que é?

— Tenho um segredo para contar a você.

— Qual?

— Eu sou chato.

Reviro os olhos comicamente.

— Uau, que novidade.

Ele segura meu pulso, uma vibração morna espiralando através de meu corpo.

— Você não entendeu, eu sou realmente chato. Ccchato, ccchato, ccchato — ele chia, domado pelo álcool em sua corrente sanguínea. — Pra caralho. Não sou um cara engraçado como aqueles da universidade que conquistam as garotas com piadas ridículas. — Gesticula com a outra mão perto de seus olhos bêbados. — Não sou um cara engraçado, na verdade. Quero dizer, posso ser, mas o que eu sou... — Ele aponta para o peito. — O que eu mostro... não é quem sou por dentro. Não é o que me define.

Congelo, sem saber o que dizer. Somos mais parecidos do que imaginava. Tão logo me puxa para ele, sou obrigada a inclinar o tronco em sua direção. Aiden faz o mesmo e parece que estamos confabulando contra o inimigo quando sussurra para mim:

— As pessoas podem ser tão interesseiras e perversas... Conte-me, Kristanna. — Seu hálito quente chega aos meus lábios e torce deliciosamente minhas entranhas. Seus olhos, embora estejam embriagados, continuam o castanho hipnotizante que me prende a admirá-los. — Se eu desse a você o meu coração, você o valorizaria?

Puxo o ar, surpresa com a pergunta. Mas, lá no fundo, eu já tenho uma resposta. Passei um pouco mais que um dia na casa dos Blackwell e já descobri tanto sobre o verdadeiro homem que ele é, e que jamais deixou que as pessoas soubessem.

— Sim, eu... claro.

Ele pisca seus atraentes e longos cílios castanhos para mim.

— Você o guardaria?

Balanço a cabeça.

— Com todo cuidado.

— Tomaria... conta dele?

— Sem hesitar.

Aiden acena rapidamente, olhando exausto para o lado.

— Você não é a megera que dizem que é. Eu gostei de saber disso.

Em seguida, sem que eu espere, rouba um beijo de meus lábios. O primeiro beijo roubado que conseguem tão tranquilamente de mim. Sinto o gosto de álcool, mas é suave e... bom.

Meu coração está tamborilando em meu peito, minha pulsação dança no ritmo de um samba. Lentamente ele se deixa desabar na cama e fecha os olhos, vencido pelo cansaço físico e mental.

— Boa noite... namorada.

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