7. Gostosuras ou travessuras
Deslizo meus pés descalços pelo gramado, sentindo a maciez fria da cobertura vegetal antes de encostar-me contra a espreguiçadeira. Estabeleço uma posição confortável e ajeito os óculos escuros sobre o nariz. O dia está quente, mas nada insuportável. Aiden havia me dito que esta é a melhor época do ano para visitar o Canadá.
O fato de estar fresco trouxe uma oportunidade de tirar meus shorts do guarda-roupa. Estou usando um nem muito curto e nem muito longo, está na medida certa para bater um pouco acima da metade de minhas coxas. O biquíni que uso é na cor tangerina, com alças para amarrar no pescoço e nas costas. Presente do meu falso namorado. Não vejo Aiden desde que acordei de manhã. Depois da briga com o pai, ele começou a agir de forma estranha comigo. Se é que é possível ser mais estranho do que ele já é.
— Estou amando visitar o país de vocês — falo para Lorelai, que está acomodada ao meu lado, aproveitando a tarde ensolarada tanto quanto eu. — Acho que não me importaria em morar aqui.
Sua risada é contagiante.
— Está dizendo isso agora. Espere até você sentir o inverno canadense e aí então saberá o que é ter os ossos congelados.
Meu riso é de genuíno entretenimento. Gosto de seu sotaque. Ao invés de sisuda e rigorosa, Lorelai Blackwell está mais para a melhor amiga que uma garota poderia ter. Isso me acalma. Ah, como me acalma saber que não estou absolutamente sozinha num país desconhecido. Ela não me deixa ficar sozinha desde manhã, o que é bom, porque, com um falso namorado agindo de maneira esquisita e que atualmente se encontra desaparecido, preciso de alguém para conversar antes que enlouqueça de tédio. Honestamente? Não entendo Aiden. Supostamente é para estarmos bancando o "casal de namorados", e não os "amigos distantes".
— Está falando sério sobre não ter problema em morar aqui? — pergunta, esperançosa. — Eu adoraria que Aiden se estabelecesse permanentemente aqui depois da graduação. Acho que assim ele poderia nos visitar mais vezes. E se você falar isso para ele... Não sei, pode ser um incentivo.
Engulo a saliva. Tive oportunidade de passar tempo suficiente com Lorelai para entender que ela espera que eu seja o pivô da relação delicada entre Aiden e a família. Oh, cara.
— Sou apenas a namorada dele. Qualquer decisão que ele tomar será inteiramente porque quer.
— Mas você é a namorada dele — insiste.
— Sou.
— Você pode fazer alguma coisa.
Franzo o cenho.
— Posso? — Definitivamente não sirvo para essas coisas de relacionamento.
Lorelai se empertiga em sua espreguiçadeira, baixando os óculos escuros para me olhar.
— Você é bonita, tem um corpo sexy e esse sotaque americano que deve deixar Aiden louco por você.
Pisco, surpresa. Quero dizer, sei que sou bonita e que a maioria dos caras têm que virar a cabeça se não quiserem perder nenhum detalhe meu quando estou passando perto deles. Mas o modo como Lorelai fala dá indícios de sua opinião sobre o que eu deveria fazer com toda essa beleza. Ou seja, jogar-me para seu filho. De braços e... pernas abertas.
Retiro meus óculos com um sorriso intranquilo.
— Sra. Blackwell, eu...
Ela ergue a mão.
— Pode me chamar de Lorelai, querida.
— Lorelai — repito, respirando. — As coisas entre eu e Aiden não são como as pessoas pensam que são.
— Como assim?
Pigarreio, dando-me conta de que falei além da conta.
— O nosso relacionamento... — começo. — Ele é... Como posso dizer isso? Eu e ele... nós não...
Eu nem ao menos sei o que estou tentando dizer. Não é opção contar logo para a mãe de Aiden que nosso relacionamento é forjado.
— Oh, meu Deus! — Lorelai de repente grita ao pressionar as palmas nas duas bochechas. O modo horrorizado com que me olha faz-me indagar se tem alguma coisa em meu rosto. Então, inclina-se em minha direção falando num tom sussurrante de segredo: — Não me diga que o relacionamento de vocês está passando por um momento de crise?
Cruzo minhas pernas e começo a mordiscar a haste dos óculos pensando numa saída adequada para aquela pergunta. Crise? A crise já existe desde que nos conhecemos.
— Madame. — Geoffrey aparece segurando com destreza uma bandeja de prata com dois copos de vidro. — Seu refresco. De abacaxi, conforme pediu.
Lorelai sorri e envolve seus dedos ao redor do copo oferecido.
— Obrigada, Geoffrey.
— Srta. Barton. — Ele já está ao lado do meu assento, fazendo um movimento breve e educado com a cabeça, enquanto equilibra a bandeja em linha reta sobre a palma da mão. — Um suco de laranja para a senhorita. Acredito que gostará de saber que as laranjas estavam saborosamente doces quando chegaram hoje de manhã cedo do carregamento.
Geoffrey é um senhor na casa dos cinquenta anos, magro, de estatura mediana, que usa roupas típicas de mordomo. Sua pele é visivelmente enrugada nos cantos dos olhos, seu olhar é atento e sua fala é de uma polidez refinada. Ele é inglês e, apesar de ter somado um formidável tempo de vinte anos trabalhando para os Blackwell, seu sotaque ainda é um pouco carregado.
— Obrigada — agradeço e, em seguida, beberico com cuidado meu suco. — Sim, você tem razão. Está deliciosamente doce. Posso fazer uma pergunta?
Geoffrey recolhe a bandeja com um floreio.
— Pois não, Srta. Barton?
— Pode me chamar de Kristanna. — Sorrio. — Você tem visto Aiden? Não o vejo desde que acordei.
A cama estava vazia quando acordei de manhã, exceto por duas caixas de presente repousando no lado em que Aiden dorme. O bilhete dizia que eram para mim, então decidi abri-las. Dentro da menor havia o biquíni e a maior continha um vestido longo de gala. O bilhete informava também que Lorelai dará uma festa esta noite em homenagem à chegada de seu filho, e que presentear-me com o vestido é o mínimo que ele poderia fazer depois da discussão com seu pai que presenciei ontem. Sinceramente me pergunto onde está toda a pobreza de que ele me falou em Oregon. Bem, ele está prestes a se formar... Estaria já juntando sua própria fortuna? Aiden Blackwell é um verdadeiro mistério.
Geoffrey faz uma pausa para olhar além de mim.
— O Patrão Aiden solicitou os serviços de Howard, o motorista da família, esta manhã. Não o vejo desde então.
Sou capaz de sentir a intensidade do olhar curioso de Lorelai em mim.
— Tem alguma ideia de onde ele possa ter ido? — Tomo outro gole, as pedras de gelo chocando-se contra o vido do copo.
— Não, Srta. Bar... — Geoffrey faz uma pausa para se corrigir assim que me olha. — Kristanna. Não faço a menor ideia de onde ele foi. Tudo o que posso dizer de minhas observações é que o Patrão Aiden me pareceu muito perturbado quando saiu de casa.
Franzo a testa.
— Perturbado?
— Exatamente.
Bem, não o culpo se o que ele quis foi escapar de todo esse clima de guerra e desentendimento com a família. Mas, às vezes, fugir não adianta. Foi exatamente o que ele fez ao ir para Oregon, mas o grande problema ainda continua. Ainda não sei o que ele pretende com tudo isso ou com essas saídas furtivas sem hora para retorno.
— Obrigada, Geoffrey. E... pelo suco também. — Ergo o copo.
— Ao seu dispor. — Faz uma pequena reverência e depois me vejo novamente sozinha com Lorelai.
— Oh, querida, eu sinto tanto por você e Aiden — retoma Lorelai. — Ele sempre foi um garoto fechado desde a infância, sabe? Hoje reconheço que o tratamento rigoroso de Phil com Aiden teve uma grande parcela de culpa nessa situação. — Ela balança a cabeça em negação enquanto olha para frente. — Às vezes ele perde a cabeça com o filho, fica descontrolado quando as coisas não são como ele quer. Sim, ele é extremamente controlador, mas ainda amo esse homem. — Sorri, mas por alguma razão sinto que é um sorriso triste. De repente se vira para mim. — Sabe o que aconteceu uma vez?
— O quê?
— Os dois nem sempre foram assim. Ambos eram muito unidos durante a infância e a adolescência de Aiden. Ele admirava seu pai como um garoto admira um herói dos quadrinhos. — Eventualmente ela ri, fazendo movimentos circulares com o canudo dentro do copo. — Aqueles dois viviam me causando problemas. Philip sempre procurou ensinar a Aiden tudo o que aprendeu com o pai, inclusive certos valores e ideais com os quais cresceu.
Mudo minha posição, colocando as pernas para fora, para ficar sentada de lado na espreguiçadeira a fim de olhar para Lorelai.
— Imagino, então, que foi um choque enorme ele saber que o filho não queria nada do que tinha em mente. Um filho negar o que o pai está oferecendo é uma prova de que ele está reformulando tudo o que aprendeu, descobrindo a si mesmo de um modo que não imaginava ser capaz. — O olhar dela para mim é uma mescla de curiosidade com apreço. — É normal rechaçar certos valores e se identificar com outros em certas fases do nosso desenvolvimento. É um caminho para a maioridade, e não estou falando de idade aqui. Acredito que Aiden quis se libertar de seu tutor. Philip parece não ter gostado disso.
— Verdade — Lorelai concorda com um sorriso. — Você parece entender muito bem sobre essas coisas.
Pouso meu copo sobre a mesinha entre nossas espreguiçadeiras.
— Acho que já vi muito e ao mesmo tempo nada. Mas não era isso o que você ia me dizer. — Encaro-a em dúvida. — Ou era?
Ela eleva seu copo, tomando os últimos goles do refresco de abacaxi com uma expressão contrita.
— Não, não era. — Suspira e mexe os ombros quando se ajeita no acento. — O que eu tenho para contar é uma história, algo que aconteceu com Aiden que me fez ficar mais alerta para o que Philip dizia ao nosso filho.
Eu igualmente procuro voltar à minha posição original, relaxada na espreguiçadeira. Volto a encaixar meus óculos escuros quando os raios solares começam a me incomodar. As lajotas da piscina à nossa frente são de um azul cristalino. Está ventando o suficiente para as águas permanecerem em um constante movimento de ondulação.
— Uma vez Aiden tinha acabado de voltar da escola — começa após um breve suspiro. — Ele estava usando óculos escuros. Imediatamente achei estranho, nem ao menos era um dia ensolarado como agora. Perguntei o que tinha acontecido, ele disse: "Nada, mamãe".
Me pego imaginando como seria a versão mais jovem de Aiden e se seria tão bonita quanto a adulta. Um calafrio irrompe através de meu corpo em infinitas sensações que aparecem na forma de pequenos tremores. A reação seria normal se eu estivesse sentindo frio. Mas não estou. Sei que é porque acabei de me dar conta do que pensei: acho a versão adulta de Aiden bonita. E atraente.
— Subiu as escadas e se isolou no quarto — Lorelai me espanta por um momento de meus pensamentos tortuosos —, mas algo na forma que ele não queria conversar comigo não me deixou satisfeita. Alguma coisa tinha acontecido. Não sei, Kristanna, acho que é o instinto maternal. Por isso mesmo fiz o caminho até o quarto dele. A porta estava aberta. — Ela bufa, um único riso. — Ele sempre se esquece de trancar a porta quando realmente precisa. Naquele dia não foi diferente.
— O que aconteceu? — Não me contenho em demonstrar que quero saber. Aiden nunca me contou muito sobre sua vida e, Deus, neste momento eu seria capaz de fazer qualquer coisa para ouvir o resto da história de Lorelai.
Ela faz uma breve e significativa pausa. Então, respira. Não sei se estou vendo errado, mas, como ela está sem os óculos de sol, posso ver que seus olhos estão ficando marejados.
— Ele estava no banheiro, na frente do espelho. Não estava usando mais os óculos escuros. Havia um grande hematoma em seu olho esquerdo e outros machucados ao longo de seu rosto. Não pude vê-los na hora que falou comigo pois ele foi rápido na fuga. Mas, ao inquiri-lo, descobri que foi resultado de uma briga na escola. Aparentemente algum menino da série dele estava provocando-o ao contar mentiras sobre todos que Aiden conhece, inclusive sobre mim. — Ela sorri, e não é de alegria. — Ele não gostou de ver sua mãe sendo insultada e atacou o garoto. Errou o golpe, mas nem por isso estava livre do que veio a seguir. Um grupo de cinco garotos emboscou-o e então... Bem, então encontrei os hematomas. As feridas no rosto foram a única coisa que ele me deixou ver. Perguntei: "Por que escondeu isso de mim?". Ele respondeu: "Porque papai disse que homens de verdade não reclamam de nada, nem da dor. Não tem com o que se preocupar, mamãe." Ele tinha apenas 9 anos.
Respiro, mal sabendo como digerir uma informação tão pesada como essa. Não consigo imaginar o Aiden atual com um olho roxo porque, para mim, em todo tempo, ele me pareceu o tipo de homem que está sempre no topo. Não duvido que isto seja verdade no presente. Mas no passado... tem uma história por trás de tudo. Philip Blackwell foi completamente rigoroso na criação de seu filho. Não sei o que homens como ele têm na cabeça, mas, em um ambiente que proporciona estímulos assim, como Aiden pôde mudar de uma hora para outra sua forma de pensar? Algo me diz que Caroline é uma das peças essenciais para entender esse quebra-cabeça.
— Não sei o que dizer, Sra. Blackwell — falo quando percebo que ela está chorando baixinho. — Só posso assumir que Aiden passou por muitas coisas que jamais foram contadas por causa de seu silêncio, o modo como foi levado a pensar e, consequentemente, agir.
Lorelai funga e volta a colocar seus óculos escuros, mas sei que ainda precisa chorar. Fazer de alguma maneira com que as lágrimas caiam e se sinta melhor.
— Eu fui uma péssima mãe — ela se acusa enquanto enxuga as bochechas com as costas das mãos. — Aiden tem toda a razão do mundo para me odiar.
— Ele não odeia você. — Tento acalmá-la. — Aiden não teria vindo aqui se não amasse a família que tem — lembro. — Até mesmo uma intrusa como eu é capaz de ver que ele ainda tem grande respeito pelo pai, apesar de tudo. A grande limitação para as visitas de seu filho foi a proibição de Philip.
— É, eu sei. — Ela ainda está fungando, seu rosto está vermelho e eu sei que não é por causa do sol.
— Sra. Blackwell, proibir o filho de ver a família é uma atitude pela qual nutro incrível desprezo — admito com certa irritação só de lembrar o que vi acontecer no Plaza. — Isso não é certo. Isto é... inconcebível. Embora vivamos no século XXI, sei que ainda existem pessoas que pensam desta maneira ortodoxa. Pelo que percebo, seu marido é uma delas, e não me parece que ele está fazendo questão de mudar.
— Eu já tentei, acredite. Mas Philip é muito difícil e genioso. — Simplesmente não posso ficar satisfeita com esse argumento, mas contenho-me. — Pelo menos uma coisa boa aconteceu no meio de tudo isso.
Meu riso é curto, acompanhado de um bufo. Não consigo ver algo bom que possa ter saído disso além do fato de que Aiden decidiu trilhar seu caminho de forma diferente.
— Caroline — ela menciona.
Paro de sorrir sem perceber.
— Você chegou a conhecê-la?
— Eles foram namorados.
Os meus sentimentos não são os melhores no momento. É algo ruim e possessivo o que sinto. Trato de desfazer isso dentro de mim, se é que é possível.
— Por que não deu certo? — pergunto. Caroline me pareceu ser a pessoa mais educada do mundo, com a voz baixa e calma, como um sussurro delicado e feminino. Não consigo ver um motivo para Aiden não gostar dela, muito menos um para Philip reprová-la.
Lorelai sorri, olhando para além da piscina. Meu estômago revira de ansiedade apenas com a expectativa de saber mais sobre a vida dele. Ou sobre o que Caroline significou para Aiden. Eu quero saber. Preciso saber.
— Ela e Aiden eram...
— Com licença, Sra. Blackwell, há alguém ao telefone que gostaria de falar com a senhora.
Umas das empregadas surge vestida com seu uniforme engomado, passando o telefone para a mãe de Aiden, que aceita, levanta-se e me pede licença enquanto se afasta para a parte de dentro da casa. Suspiro, resignada. Lá se vai a minha chance de ouro de saber mais sobre Caroline e qual é esta coisa boa que aconteceu que está relacionada ao seu nome.
Não estou mais no clima para tomar banho de sol na piscina. Tiro os óculos com um movimento rápido e faço meu caminho para o jardim da casa. É um grande cultivo das mais diversas plantas e flores. Desde margaridas, tulipas e girassóis, até cravos e rosas. Meus dedos não resistem ao tocar um pequeno ramo da muda de carvalho. Fecho os olhos, aspirando toda a vegetação ao meu redor. O cheiro é fresco e de terra, como não sentia há muito tempo.
— Gostosuras ou travessuras!
Dou um pulo para trás, a palma aberta perto do meu coração disparado. Uma breve olhada e noto que é Jack Blackwell, o pequeno que está vestido com alguma roupa infantil de espião. Blusa e calças escuras, luvas de motoqueiro, uma bota lustrosa e óculos escuros infantis.
Sorrio com diversão daquele figurão na minha frente.
— Nem sequer estamos em época de Halloween, criança — informo.
Ele aponta decisivamente para mim, um sorriso matreiro no canto de sua boca.
— Resposta errada!
Então, não faço ideia de onde, ele tira uma arma de brinquedo e atira alguma coisa que dói quando atinge minha pele e explode liberando algo gosmento em mim. O local atingido é sensível, a sensação é como uma agulha que tenta se enfiar através do meu estômago. Não sou capaz de esboçar uma reação nesse momento além de pura perplexidade com o que ele se atreveu a fazer.
Com as mãos rendidas para cima, eu olho para baixo. É tinta. Uma grande mancha de tinta azul está sujando minha barriga. Não posso acreditar. Não, não posso. Olho para cima, para o maluco, que ainda está com a arma apontada para mim como se eu fosse seu inimigo. Então, percebo. Não é uma arma de brinquedo qualquer, é uma arma de paintball. Carregada com bolinhas de tinta de paintball. E ser acertada por elas, sem nenhuma roupa ou equipamento adequado para amortecer o impacto, dói pra caramba. E eu me conheço o suficiente para saber que minha pele fica roxa por qualquer coisa. Muitas topadas com a escrivaninha do dormitório já me garantiram o surgimento de hematomas feios em meu corpo.
Caminho para trás, em pânico. Jack tira seus óculos, pendurando-os na gola da camisa, e depois volta seus pequenos dedos para o gatilho da metralhadora preta. Estou praticamente seminua, usando apenas o biquíni e o short. Isto é, com muita pele à mostra para aquelas mortais bolinhas assassinas de tinta. Não sou capaz de pensar, nem mesmo na dor que tenho certeza de que vou sentir. Eu só quero correr para longe dali, trancar-me em algum lugar e depois reclamar com Aiden que ser a namorada dele está sendo muito difícil. Seu irmão é um pestinha, e deveria ficar, pelo menos, a cinco metros de distância de qualquer pessoa civilizada.
— Nós podemos conversar. — Ergo as mãos em sinal de pare. Estou tentando ganhar tempo para fugir, na verdade. Balanço a cabeça, dando outro passo cauteloso para trás. — Não faça isso, Jack. Isso não é legal. Isso dói.
Ele aponta a arma para mim.
— Eu não gosto de você. — Seu tom é mais alto do que espero. Não sei por quê, mas me sinto plenamente chateada por saber o que ele sente por mim. — Não gosto do que está fazendo com meu irmão!
— O que estou fazendo com seu irmão?
— Você acha que, porque é a namorada dele, tem o direito de afastá-lo de nós! Sua bruxa!
Um bolo de sofrimento estrangulado se acumula na minha garganta. A opinião de um garoto não deveria me afetar desse jeito. Eu não deveria ter consideração alguma por ele, porque ele não é absolutamente nada na minha vida. Sou a Rainha do Gelo, não me importo com o que pensam de mim. Meu coração é feito de gelo, moldado pela insensibilidade. O modo como falo é o arquétipo da indiferença, e tudo o que deixo as pessoas verem de mim é apenas a ponta do iceberg. Eu não choro. Eu nunca choro.
Respiro. Profundo, calmamente.
— Não sei do que está falando, Jack. — Ainda estou andando a passos lentos para trás. — Não fiz nada a Aiden. Jamais faria coisas horríveis desse tipo a ele.
Não sei por que ele está pensando essas coisas de mim, mas honestamente me pergunto até que ponto Jack sabe sobre o que realmente se passa na família Blackwell. Não quero dizer nada que estrague meu relacionamento com Lorelai ou com qualquer outra pessoa da casa, então me mantenho calada sobre o pai terrorista que Jack parece não saber que tem. Estou ciente de que não sou a pessoa adequada para revelar essas coisas ao garoto. Nem ao menos faço parte da família para desrespeitar certas decisões em tão pouco tempo de chegada.
— Está mentindo! — brada com revolta para mim.
Honestamente, às vezes eu odeio ser sensata.
Seus pequenos braços envolvem a arma, mirando-a. Endureço minha postura com o receio de ver que ele pretende ir até o fim com a brincadeira.
— Jack — chamo num tom baixo com a voz séria, sem querer atribuir um tom de bronca para não deixá-lo mais alterado. — Por favor, isso machuca. Não faça isso.
Ele não me escuta. O som de propulsão brota do fundo do cano da arma e, quando menos espero, sou acertada por uma bola de tinta vermelha, na pele fina e sensível perto do cós do short. Depois, na parte acima do meu seio direito. Estou me contorcendo em dor para frente enquanto emito gemidos, cobrindo a parte atingida com a mão. Essa doeu mais do que as outras. Eu quero gritar. Quero sair destruindo tudo o que aparecer na minha frente. Quero jogar esse garoto na piscina e colocá-lo debaixo d'água até ele aprender a lição. Até ele aprender que não é assim que se trata uma garota e que certas brincadeiras doem muito nas mulheres.
— Jack! — grito para repreendê-lo. — Pare com isso!
Ouço uma rajada de tiros que me acertam impiedosamente. Pescoço, ombros, seios e barriga. Tudo está doendo. São como agulhas e alfinetes sendo enfiados em mim, em minhas partes mais dotadas de sensibilidade. Minha pele arde como se estivesse pegando fogo. Posso prever dezenas de hematomas muito em breve.
Não sou estúpida o suficiente para achar que conseguirei resolver isso de forma civilizada com uma criança que acha que sou uma megera. Com um arfar de dor assim que sou golpeada por mais bolas de tinta, dou as costas para ele e me ponho a correr. Estou descalça, sinto meus pés sendo furados e ralados pelas pedrinhas pontiagudas. Sei que não sou a melhor maratonista da história, por isso mesmo Jack consegue me ter em sua mira por mais vezes do que eu gostaria.
Meu fôlego é arrancado de mim enquanto estou correndo para sobreviver. Sinto como se minha mão tivesse sido perfurada tão logo mais bolinhas explodem contra meus ossos. Chio em agonia pelo que estou sentindo bater com ira contra meu corpo, e tenho quase certeza de que meus pés estão ficando em carne viva por causa da ardência insuportável.
Não paro.
Estamos no jardim, o que é uma vantagem. Posso me esconder por entre as plantas mais altas e as árvores. Um tiro certeiro encontra minha costela. Silvo de dor, sem me importar que mais alguém possa me ouvir. Isso é torturante. Aflitivo. Angustiante. Faz-me querer chorar por estar sendo emboscada, e não percebo que estou realmente a ponto de chorar quando mantenho meus olhos fechados, apenas guiando-me com um braço estendido para frente para tatear o caminho.
Em meio ao desespero, termino invadindo a plantação de roseiras. Espinhos me arranham e me espetam enquanto estou correndo para o outro lado. Tiram a camada superficial de pele por onde raspam, fazendo-a sangrar. Ainda consigo ser sacolejada por uma nova série de disparos que vem de longe, já que Jack sabe dos perigos dos acúleos das rosas e não se aventurou a me perseguir por ali.
Meu corpo está sujo, úmido e suado, coberto por várias cores de tintas ardendo em brasa na minha epiderme. A parte de cima de meu biquíni e o short estão irremediavelmente imundos. A camada de sujeira que me envolve é uma mistura de terra, suor e sangue.
Ainda estou correndo, prestes a alcançar a margem para a saída, quando o vento sopra um galho espinhoso em direção ao meu rosto. Sinto o arranhão da ponta afiada, a raspagem da carne na maçã direita. Já estou soluçando quando tropeço, caindo de joelhos para fora da plantação. Pedregulhos cravam meu tecido, ferem-me, mas me levanto tão rápido quanto posso. Em menos de dois minutos já estou dentro da casa, ignorando o que quer que Lorelai esteja falando comigo.
Subo as escadas engolindo cada lágrima. Bato a porta do quarto, e estou desabotoando meu short enquanto me dirijo para o banheiro. Acostumada a morar no dormitório feminino, apenas encosto a porta do banheiro com o pé. Então encaro meu reflexo no grande espelho do banheiro.
Os estragos são maiores do que esperava. A dor é exasperante.
Meus cabelos estão uma bagunça pegajosa em tons de vermelho, amarelo, verde e o louro. Não consigo ver direito os cortes debaixo da tinta, mas sei que há um no meu rosto — a única parte do corpo que não deixei ser atingida pelas bolinhas —, porque a pele abaixo do meu olho direito está pinicando e sangrando superficialmente. Tenho vertigens quando vejo meu pescoço e o colo. Tudo está colorido, mas, assim que passo o dedo, borrando a tinta, tenho o vislumbre de uma mancha rosa desenhando-se em mim no formato de uma ameba, escurecendo a cada segundo que passa. Meus seios e barriga estão doendo. Minhas pernas reclamando da corrida alucinada, igualmente pintadas pelas bolas de tinta. Meus pés estão sujos de terra, tão penalizados quanto o resto de meu corpo.
Seguro as lágrimas e me coloco de costas, ainda observando meu reflexo. Sou um objeto de desprezo, marcado, destituído de qualquer limpeza, longe da perfeição. Sempre soube que não fui perfeita. Porém, meus esforços para parecer apresentável externamente para ser aceita por todos revelam-se terem sido todos em vão. Sou feia por dentro e por fora. Eu me vejo de novo como aquela garota adolescente. Abandonada por horas num quarto no subsolo, sem poder ver a luz do dia. Sem poder comer decentemente. Fadada à escuridão, presa com meus pensamentos horrorosos.
Minha cabeça toma um rumo de flashes visuais suficientes para me amedrontar. Quando percebo o que estou fazendo, aperto a mandíbula. Está acontecendo. Após anos de rigoroso autocontrole, está acontecendo. Bato no balcão da pia com o punho fechado. O barulho oco reverbera, meus ossos da mão doem. Permaneço calada, os lábios apertados. Silêncio. Quero silêncio para poder pensar.
Fecho os olhos.
Inspiro.
Expiro.
Cada respiração é um processo lento.
Esforço-me para sugar o ar durante alguns segundos e, finalmente, solto-o tão lentamente quanto antes. Nem pensar que estou desistindo. Jamais desisto. Vencedores requerem prêmios para a vitória, e eu sou o meu próprio prêmio.
Meu nome é Kristanna Barton, tenho 23 anos e eu estou no controle.
Raiva descomunal é o que sinto, como uma fera presa em uma jaula contra a vontade. Mas de forma alguma estou voltando lá para revidar na mesma moeda, de modo tão covarde. Ele é uma criança. Não tem noção do tamanho de sua própria força, nem mesmo dos estragos que pode causar. Obviamente está merecendo algumas medidas corretivas, mas não posso odiá-lo quando me lembro dos laços familiares que tem — ou que não tem. Uma mãe que é cativa das ordens do pai, quem por sua vez venera alguma espécie de ideal machista passado de geração a geração. Aiden é tido como o rebelde, e Jack é novo demais para entender que muitas das coisas que faz não são gentis. Também não faço ideia de como ele chegou à conclusão de que eu sou a que está privando Aiden de ver sua família. Logicamente ele não sabe o que de fato está acontecendo no seio familiar, o que me leva a perguntar: até que ponto esse desconhecimento é favorável para seu amadurecimento? A família Blackwell é mais desentrosada do que imaginava. Tudo é fechado, com cercos e paredes que delimitam até onde cada um pode ir. Uma verdadeira ditadura familiar dentro da própria casa. Eu poderia ser qualquer uma, a idiota que age conforme a música que eles dançam. Mas não sou. E é por isso que me sinto desconfortável nessa situação.
Libero o ar de meus pulmões, sentindo minha tranquilidade retornar. De alguma forma, saber que Philip Blackwell está neste exato momento a quilômetros de distância daqui traz uma sensação de alívio. A festa de boas-vindas será hoje. Saber que não terei que olhar para ele e sorrir enquanto tento ser agradável enche meu peito de esperança.
Incrível, mas me sinto realmente melhor agora.
Eu poderia dançar neste exato momento.
Pode parecer loucura porque acabei de ser retaliada por um garoto de 9 anos, mas, sim, eu sou esse tipo de pessoa que procura trabalhar com a superação. Caso contrário, jamais estaria aqui, ainda olhando para meu reflexo ridículo em cores vivas no espelho. Ou então nunca teria optado por estudar o que estou cursando.
É como eu disse: sou Kristanna Barton, tenho 23 anos e eu estou no controle.
Quero fazer o que gosto e sorrir porque sei que isso, biologicamente falando, estimula o cérebro a liberar endorfinas e faz com que me sinta melhor. Faz com que meu organismo entre em harmonia com meu espírito, causando a sensação de leveza e bem-estar.
Suspiro, sem saber o que poderia fazer para tornar meu banho agradável. Como uma luz no fim do túnel, encontro o pequeno controle retangular do aparelho de som num canto do banheiro. Sim, os Blackwell têm caixas de som no banheiro deles. Eu ri disso no primeiro dia que cheguei aqui. Mas no momento em que ligo e Jessie J começa a tocar, meu primeiro sorriso aparece. Uma mistura de maquiavélico com satisfeito. Adoro músicas, quanto mais dançá-las. Escondida, claro. No santuário do dormitório quando Holly não está lá ou então no banheiro.
Toda a paixão pela dança que tenho suprimida dentro de mim tem espaço para vir à tona quando estou dançando eroticamente no clube de strip. Eu também canto ridiculamente como qualquer pessoa normal que se exalta com a música preferida. Em vista disso, configuro o estéreo para repetir a música e começo a me arrumar para o jantar de boas-vindas.
Amarro os cabelos, a cabeça balançando ao som da música. É uma mistura de hip-hop com pop que filtra através da minha alma. Em segundos me vejo cantando, minha voz reverberando junto com a da cantora, tentando acompanhá-la, imitando seus timbres em cada palavra, fazendo caretas na frente do espelho.
A questão é que não dá para sussurrar Jessie J, ainda mais quando ela fala sobre agir como um cara. Brota de dentro uma necessidade de que, assim que começa, é preciso cantar alto.
Assim estou eu.
Simulo ter tiques com a cabeça enquanto estou recitando certas partes. Inclino o rosto para um lado, então, para o outro, como se eu fosse um robô em curto-circuito. Minhas expressões são vívidas. Não tenho medo de esticar a boca e cantar com a língua pulando para fora como as cantoras tentam fazer parecer sexy e fatal.
Em algum momento, sou um alienígena voando na minha espaçonave através do céu. Estou olhando para baixo quando, de repente, volto a fixar dramaticamente o espelho com a palma aberta para cima, meus dedos separados em três garras de extraterrestre. As batidas são o que dão vida aos meus quadris. Sou a mistura do ridículo com sensualidade. Posso ser qualquer coisa agora mesmo. Eu posso agir como um cara.
Flexiono a perna e dou um pulo pelo banheiro, contraindo meus braços para frente e para trás como se eu fosse um rapper. Livro-me do short em segundos, ficando apenas com o sutiã e a calcinha do biquíni. Rodopio a peça de roupa no alto e atiro artisticamente para trás, fazendo com que voe pelo banheiro para aterrissar nos azulejos. Minhas habilidades para ser atriz são tremendamente altas. Então, estou parada. Desço até o chão e volto, com minhas coxas abertas revelando toda a extensão interior de cada perna. Deslizo as mãos sobre a barriga, sobre os quadris, empurrando minha calcinha tangerina. Isso foi sexy. Estou plenamente ciente de que tudo o que aprendi com as meninas no clube é extremamente sensual e sexy e que eu poderia parecer desejável a qualquer homem, mesmo com esses hematomas e arranhões no corpo. A dança erótica é um convite para o despertar do desejo sexual. Frequentemente tenho que ver os olhares lascivos dos homens, sejam para as strippers ou mesmo para mim quando estou dançando sensualmente no balcão do bar.
Mas eu não quero ser sensual. Esse já é o meu dever nas noites em que trabalho no Dragon's Club.
Então, mudo os meus movimentos novamente. Rebolo meu bumbum para trás, minhas mãos aterrissadas na parte acima dos meus joelhos. Olho por cima do ombro. Consigo ver o reflexo da minha bunda no espelho. Mergulho com o ombro para o lado em um movimento ondulatório, retornando para frente do espelho ainda cantando e sacudindo meus ombros comicamente para cima e para baixo como se estivesse convulsionando. Após, olho para meu lado enquanto estou conversando com alguém por meio das frases da música. Sou a hiperatividade em pessoa fazendo isso. Meu rosto é um arcabouço de expressões desdenhosas e prazerosas, quando abro as pernas e agarro minhas bolas imaginárias de homem. Construo dezenas de histórias na minha cabeça, executando movimentos que combinem com elas, até chegar ao refrão. Oh, sim, esse é o meu momento de Emma Stone em A Mentira. Só que em vez de bolsos cheios de raios de sol, estou coçando meu saco e usando meu boné para baixo como um cara.
Desamarro o nó do sutiã e da calcinha, liberto-me das peças. Arrasto o boxe do banheiro, com o corpo em sintonia com a vibração musical. Giro a torneira do chuveiro, a água fria me lavando da cabeça aos pés. O êxtase que sinto cantando e dançando com a música é superior à dor que eu deveria sentir dos cortes, dos hematomas e marcas de inchaço.
Sem raiva. Sem ódio. Sem dor. Somos apenas eu e o banheiro mágico. A minha voz de nojo, a de felicidade exacerbada, a minha careta de terror, o meu grito de suspense. Nada é civilizado. Eu sou a mandante do Harlem, faço um moicano com a espuma do xampu no meu cabelo.
Os verdadeiros ouvintes dançarinos sabem que imaginar qualquer coisa é bem-vindo para seguir o ritmo e a letra da música. Negar-se a isso é como não se permitir gozar enquanto se está fazendo sexo com alguém. Dizem que sou a pedra de gelo em pessoa. O que eu não daria para ver as caras das pessoas ao me verem assim, tão ordinária quanto qualquer um. Ou talvez maluca tão quanto.
A sensação da água no meu corpo é refrescante. A adrenalina está pulsando em minha corrente sanguínea, mas sinto quando os cortes começam a arder por causa da espuma do sabonete. A música de Jessie J repete pelo menos uma dezena de vezes antes que eu seja capaz de esfregar com cuidado toda a tinta do corpo.
Pela brecha do boxe, estico meu braço e aponto o controle a fim de desligar o aparelho de som. Quando tateio por minha toalha, não a encontro por perto. Meu humor estava tão infernal quando invadi o quarto que terminei me esquecendo de pegar uma no armário. Mas isso é estranho. Tenho quase certeza de que minha toalha estava pendurada no suporte, junto com a de Aiden, que curiosamente também parece ter sumido. Franzo o cenho, fazendo o caminho para fora do boxe. As coisas estão sumindo nesta casa, de repente.
Um rosnado chama minha atenção para a extremidade oposta do banheiro. Quase tenho um ataque cardíaco com o que vejo.
Grande, alto e peludo.
Uma fera em quatro patas.
Sua pelagem é algo entre cinza e marrom. A luz clara do banheiro me ajuda a definir que a cor é sépia, com marcações marrom-claras no metacarpo, metatarso e nos pés. Os olhos são duas grandes bolas pretas de pupila rodeadas por tiras amarelo-claras. É enorme e está sentado em cima da tampa do vaso sanitário. Ele está olhando ameaçadoramente para mim.
Meu corpo trava. De onde esse cachorro saiu? Não me lembro de nenhum animal morando na casa dos Blackwell. Ele é da rua? Invadiu a casa? A coleira sofisticada ao redor de seu pescoço me diz que não. Como ele veio parar logo nesse banheiro? Como entrou? Oh, droga. Meus hábitos no dormitório da universidade me levaram a não fechar a porta do banheiro.
Ele late para mim. É alto e estridente. Meu grito de medo é escandaloso e horrorizado quando o cachorro dá um salto acrobático da privada para correr na minha direção. Meus sentidos ficam alerta, a adrenalina voltando a correr como nunca na minha corrente sanguínea. O sangue pulsando nos meus ouvidos, meu coração palpitando.
Com o modo sobrevivência ativado, eu corro para fora do banheiro e puxo a porta para fechar com tudo. Há um baque, arranhões na madeira da porta, em seguida outro estrondo que me faz dar um pulo para trás.
Minha respiração está acelerada, meu coração bate forte, em desespero no peito. Isso é estressante. Estou morando em um parque de horrores para coisas anormais desse tipo estarem acontecendo comigo. Ainda estou tão assustada que não posso parar. Não consigo parar. Preciso sair do quarto, dessa casa. Quero de volta a tranquilidade do meu quarto, a solidão que eu tinha quando estava sozinha, a minha sanidade. Todas essas coisas que eu tinha quando era solteira e não precisava me preocupar com um namorado problemático.
Viro-me, cambaleando para frente em pleno pique de fuga alucinada. Colido inesperadamente com um obstáculo dono de tentáculos que agarram meus ombros com força. Oscilamos no ar e, por fim, caio desajeitadamente em cima disso. É macio, duro e suado. Seu cheiro é exótico, quente e... masculino.
Estamos cara a cara. Tenho olhos cor de chocolate olhando surpresos para mim tanto quanto os meus estão para ele.
— Aiden. — Minha voz é um silvo fraco de surpresa. Quando ele chegou? Algumas peças de roupas estão jogadas displicentemente no chão perto da cama. Então, olho para baixo, para a origem de toda a genuína maciez de minha queda. — Oh, meu Deus, você está pelado.
E excitado.
Estou de quatro, tão pelada quanto ele, com as mãos apoiadas no chão, uma em cada lado de sua cabeça. Um mastro de carne se estende para perto do meio das minhas coxas, que está a centímetros da conexão dos nossos corpos. Isto é tão... inesperado. Não estou preparada para nada tão erótico quanto isso. Isso definitivamente é embaraçoso e não consigo controlar o rubor quente que se alastra pelo meu rosto. Ele está nu. Eu estou nua. Se Lorelai soubesse disso, aprovaria e aplaudiria dizendo que definitivamente não há melhor forma de se jogar para cima de seu filho do que essa.
Consigo pegar seus olhos passeando silenciosamente por meus seios e o resto de minha constituição anatômica molhada pela água do chuveiro. Minha barriga lisa, meus quadris, o caminho dos ossos da bacia que trilha em direção ao meu monte...
Estou ciente de que devo estar ridícula e nada sexy com os hematomas e arranhões, mas seus olhos estão escuros e selvagens para mim. Se ele resolvesse dar uma levantada nos quadris, seu órgão sexual encontraria o meu. Não sei o que fazer. Quero dizer, o que uma mulher faria numa situação dessas? Não fui treinada para esse tipo de coincidência embaraçosa.
Sinto minhas bochechas corando cada vez mais, mas não consigo mover um músculo para sair de cima dele e correr para me cobrir. Os olhos castanhos estão me hipnotizando, estão lendo através de minha alma como ninguém jamais fez. Neste exato momento, ele tem o que nunca dei para ninguém: ele me tem nua, por dentro e por fora. A garotinha assustada e envergonhada não está mais envolta pela camada fria de gelo, apenas pelo calor de seu corpo unindo-se ao dele na intimidade do quarto.
Engulo muita saliva antes que possa perceber que ele está levantando seu braço para tocar meu ombro desnudo, úmido e machucado. Seu toque é gentil e explorador, as pontas de seus dedos deslizando lentamente pela minha clavícula com todo o cuidado, como se não quisesse me provocar mais dor além da que estou sentindo dos hematomas. Ele me toca sem deixar meus olhos em momento algum. Não posso evitar que um suspiro de prazer me escape. Minhas pernas estão flexionadas, meus joelhos plantados no chão, quando ele leva suas mãos para meus quadris. Elas me tocam e me prendem, fazem pressão suficiente para me fazer ir para frente com o corpo. Ao invés da posição de quatro, Aiden me traz para si para ficar montada em cima de seu abdômen inferior, o interior de minhas coxas sentindo toda a camada de músculos firmes ao redor do aperto.
Inalo, assustada, com mãos grandes, fortes e calejadas se arrastando pelas minhas costas. Nenhum homem nunca me tocou assim, de forma tão delicada e... afável, como se eu fosse quebrável. Um arrepio corre pela minha espinha e me faz inclinar na direção dele, meus braços esticados na posição de flexão cedendo para frente à medida que abaixo meu tronco.
Aiden está conseguindo o que quer de mim, e me encontro incapaz de não dar isso a ele. A intensidade de seus olhos nos meus, seu cuidado comigo e o modo cortês com que me chama para ele, desarmando-me aos poucos. É um convite aos prazeres do pecado.
Suas mãos sobem pelas minhas costas, em seguida, afundam em uma massagem que arranca um gemido de mim. Alguma coisa acontece no meu centro, torce tudo no meu estômago e o vira do avesso. Não sabia que era possível ter prazer desse jeito. Não sei se esta é a reação comum que eu deveria ter para uma massagem nas costas ou não, mas é a que me derrete por dentro e que me faz inclinar mais para perto da boca de Aiden, até nossos narizes estarem perto de se tocarem.
Antes que eu saiba o que está acontecendo, ele me envolve em seu braço direito e raspa carinhosamente seu polegar esquerdo na maçã machucada de meu rosto. Seu toque é uma linha de fogo que percorre o seguimento do arranhão até o final. Com minha barriga friccionando seu abdômen, sinto todas as vezes que ele respira. Inconscientemente estou buscando seu ritmo, tentando acompanhar a velocidade com que puxa o oxigênio e com que o libera. Estamos sintonizados, nossas barrigas ondulando juntas contra a outra em uma provocação instantânea, meus seios esfregando em seu peitoral a cada inspiração. Os dedos descem da minha bochecha e vão para minha nuca, mergulhando nas mechas louras semiúmidas do banho. A pressão para baixo atrás de minha cabeça avisa que o convite ao prazer continua de pé.
Sinto sua respiração quente em meus lábios, o poder de suas mãos em mim. Eu me lembro do gosto de seu beijo, do hipnotismo de sua boca contra a minha. Estou sendo provocada, desafiada a beijá-lo.
A pergunta é: eu quero beijá-lo?
Sem poder aguentar mais por um minuto sequer, eu cedo ao desafio da sedução. Inclino a cabeça e o beijo. O primeiro beijo que parte de mim em toda a minha vida. E não é como se eu não soubesse o que fazer, pelo contrário, sei exatamente o que fazer e o que quero fazer. O que preciso fazer com este homem que está me enlouquecendo. Não sei se de forma proposital ou não, mas ele conseguiu. Ele realmente conseguiu. Conseguiu me ganhar como nenhum cara jamais ganhou.
Beijo seu lábio superior com um toque de urgência contida, sugando-o brevemente, conforme estou sendo beijada no inferior. É um beijo simples, mas muito quente. Sinto a temperatura do quarto subir drasticamente. A perfeição da sintonia arranca meu fôlego, sinto seu suspiro quando nossos lábios se apartam. Não quero parar. Eu quero... tocá-lo.
Olho-o um pouco em apreensão, minhas sobrancelhas levemente franzidas. Eu posso tocá-lo? Aproximo meus dedos de sua mandíbula, sem abandonar seus olhos. São os mais bonitos que já vi. Estou em cima dele, deslizando cuidadosamente a palma sobre sua maçã facial direita, sem deixar de prestar atenção na forma diferente e contemplativa com que Aiden me olha. Não quero que ele odeie o meu toque, ou que odeie o meu beijo. Ele é o segundo homem que beijo na vida. Minha primeira experiência foi ruim o suficiente para prometer a mim mesma que eu nunca mais faria isso se não quisesse. No entanto, aqui estou eu. Querendo beijar um homem como nunca, como se o dia fosse acabar amanhã.
Fecho os olhos, mergulhando meus dedos nas madeixas castanhas macias como pluma. Esfrego a lateral de meu nariz no seu, inalando seu cheiro másculo. Só posso pensar que não me incomodaria em sentir o aroma em todos os momentos do dia.
Então, de repente ele me abraça e me mantém cativa, prende-me para si com seus bíceps. A verdade é que não quero me libertar e retribuo o beijo quando tenho meus lábios reivindicados por sua boca convidativa. Sua língua desliza para dentro ao encontro da minha e escorrego a palma ao longo de seu peito largo e definido. Gemo e me contorço angustiosamente em cima dele a cada toque, a cada beijo, a cada pressão dos seus dedos tomando conta de minha pele. Encontro-me traçando os sulcos de seus músculos abdominais, mal respirando com o beijo arrebatador.
Nossos corpos nus se unem em um abraço de amantes no chão do quarto, estamos nos movimentando graciosamente num ritual ardente de preliminares. Suspiro e me entrego. Uma doce entrega que significa minha redenção pessoal. A quebra com a minha racionalidade e lógica. Sei que posso me arrepender mais tarde, mas nada disso realmente importa agora. Estou completamente excitada e desejando ardorosamente Aiden Blackwell. A situação não poderia ficar pior.
Três batidas ligeiras ecoam antes de alguém abrir a porta e ir entrando.
— Aiden, querido, estava pensando se você não... Jesus Cristo!
Por reflexo, abraçamo-nos mais um ao corpo do outro para esconder nossas partes íntimas. O vermelho vívido esquenta minhas bochechas quando vejo que é a mãe de Aiden que nos flagrou. Objetos que ela carregava caem no chão, fazendo um barulho abafado seguido de outro. Com uma olhada rápida, percebo que são frutas. Maçãs, peras, uvas. Ela fica de joelhos para recolher todas com uma risadinha de embaraço e deposita tudo na cesta de vime com pressa.
— Sra. Blackwell... — Meu olhar constrangido cai no Aiden pelado que ainda estou abraçando. Estico o braço para puxar os lençóis da cama e jogo um travesseiro para ele. Em seguida, já estou me enrolando rapidamente em volta do tecido branco. — Não é nada do que está pensando, Sra. Blackwell — procuro dizer, extremamente envergonhada.
Lorelai ri toda desconcertada, o rosto tão corado quanto o meu, e mal está sustentando meu olhar.
— Ora, querida, não há com o que se preocupar. A culpa foi minha. Eu deveria ter batido na porta e esperado por alguma resposta — ela se apressa em falar, tropeçando nas palavras. — Crise, hein? Pelo que vejo, você tem tudo sob controle!
Lorelai pisca maliciosamente para mim, fazendo com que eu core mais ainda. Com uma despedida embaraçosa, ela sai e me vejo mais uma vez sozinha com Aiden.
OH. MEU. DEUS.
Necessito cavar um buraco, puxar toda a sujeira para cima de mim e nunca mais sair de meu exílio.
A vergonha ainda é quente em meu rosto quando Aiden se levanta num movimento rápido e gracioso como o de um leopardo pronto para atacar. Tento não olhar para ele, ou para o travesseiro que usou para cobrir suas partes íntimas da mãe. Ele larga-o displicentemente sem aviso algum. Viro a cabeça para o outro lado, em um desespero embaraçoso por ter visto pela segunda vez seu órgão sexual excitado. Em seguida, ouço um farfalhar de roupas que vem do armário. Por que ele estava pelado? As peças de roupa amarrotadas no chão perto da cama só podem querer dizer que ele estava se despindo para tomar banho.
— Eu não caí em cima de você de propósito. — Tenho que me explicar tão logo ele retorna para o meu campo de visão vestido com uma bermuda esportiva. — Tem um... cachorro... no banheiro. — Aponto. — Um bem grande e... marrom. Daqueles que dão medo. Eu o tranquei lá dentro.
Seu olhar é perscrutador para mim, os olhos semicerrados sensualmente para o lençol com que estou me cobrindo, como se estivesse tentando me imaginar nua novamente. Depois, passeiam pelas marcas circulares gravadas em meu corpo. Devem estar horríveis a essa altura. Ainda não sei como vou cobri-las com maquiagem para a festa.
Um longo silêncio perturbador se prolonga entre nós. Ele ficou fora apenas por uma manhã e uma tarde, e sinto como se não o tivesse visto durante o ano todo.
— Cachorro? — ele finalmente fala, tombando a cabeça para o lado. — Você quer dizer Jax?
— Jax?
Aiden apenas caminha para a porta do banheiro, abre-a sem medo e o cachorro homicida sai de lá abanando o rabo para ele, que se abaixa para afagar a cabeça do animal. Ah, que ótimo. Não basta ele ter se esquecido de me contar sobre o irmão mais novo e agora também descubro que só há um único cachorro nessa história toda: o cínico para qual estou olhando. E naturalmente também há Jax, o dobermann que acabo de saber que é um membro da família Blackwell.
Entre sorrisos e monólogos com Jax, Aiden logo põe o animal para fora do quarto.
— Bem? — Volta a se posicionar na minha frente. Sua presença invoca a força e vitalidade de um deus grego.
— O quê? — Encolho os ombros. Não sei por quê, mas estou corando de novo. E agora eu sei que não tem nada a ver com TPM.
— Mais alguma coisa? — pergunta com a sobrancelha erguida. Por um instante me engana ao parecer solícito.
— Não. Obrigada.
Deliberadamente ele dá passos felinos em minha direção com o olhar de um leão faminto, diminuindo o espaço que nos separa. Aiden não está nem mesmo a centímetros de distância quando está me encarando de perto, lendo-me através de meus olhos como se quisesse me intimidar, descobrir quem realmente sou, o que guardo, ver o quão longe sou capaz ir sem sair gritando como uma criancinha assustada.
— Eu vou me arrumar — falo de súbito. Não consigo nem mesmo respirar.
Antes que eu dê meia-volta, ele agarra meu pulso e me mantém no mesmo lugar.
— Ainda não acabamos aqui — sua voz é tão perigosa quanto seus olhos —, Kristanna Barton.
Ele me puxa e esmaga seus lábios nos meus.
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