5. Festa do pijama

No dia seguinte, meu celular vibra com uma mensagem de Aiden. Quando vejo o sms, automaticamente fico lamentando ter trocado números com ele.

Aiden: Precisamos marcar um dia para darmos início à operação.

Eu: Operação?

Aiden: Enganar meus pais. Precisamos nos conhecer melhor, forjar uma história de como nos conhecemos, quando decidimos que éramos namorados, essas coisas. Você está livre hoje à noite? Gostaria que você lesse uma coisa. Eu andei preparando um dossiê com tudo o que deveria saber sobre mim. Agradeceria se você fizesse o mesmo.

Eu: Okay, farei. Mas já tenho compromisso para hoje à noite.

Aiden: Tem? Mas hoje é domingo e eu sou o seu namorado! Como assim já tem compromisso, Kristanna Barton?

Eu: Marquei algo com Lester.

Aiden: Ah, que ótimo. Agora você está me traindo com Lester?

Eu: Que exagero, claro que não. Estou apenas dando uma força a ele, coisa que VOCÊS, como amigos, deveriam fazer. Mas como a incompetência é grande, eu resolvi dar essa ajudinha a ele. Além do mais, se fosse para te trair, seria com Guy. Você saberia dizer se ele está solteiro? Dei o meu número de celular para ele, mas nem me lembrei desse pequeno detalhe.

Aiden: VOCÊ FEZ O QUÊ?

Eu: Isso me lembra de que ainda nem conversamos sobre essa parte do nosso relacionamento. Tudo bem se eu me relacionar com outros caras? Afinal, estamos solteiros mesmo. Eu não me importaria se você ficasse com outras garotas.

Aiden: Eu não acredito no que estou "ouvindo"!

Eu: O que foi que eu fiz?

Aiden: Kristanna Barton, você é a MINHA namorada. Portanto, trate de ficar longe de Guy e de qualquer outro cara. Comigo não tem essa de relacionamento aberto, ouviu bem? Eu não sei o que está passando nessa sua cabecinha loira, mas eu NÃO estou ficando com outras garotas. E você NÃO vai ficar com outros caras enquanto estivermos namorando. Entendeu? Você me fez firmar um compromisso com você. Agora aguente as consequências.

Eu: Mas ele é solteiro ou não? Só curiosidade mesmo.

Aiden: Grrrr

Eu: É brincadeira! Relaxe, Aiden!

Aiden: Ele é solteiro, mas é dois anos mais novo que você. Portanto, trate de dizimar suas esperanças.

Eu: Mas eu tenho cara de novinha. Ninguém notaria a diferença quando nos vissem juntos.

Aiden: Kristanna Barton...

Eu: Aiden Blackwell...

Aiden: O que vai fazer com Lester, afinal?

Eu: Nada de mais. Chegarei na república por volta das sete da noite.

Aiden: Quer carona?

Eu: Eu adoraria.

Aiden: Okay. Te pego às sete em ponto. Não se atrase.

Aiden é bastante pontual. Antes das sete em ponto, ele já está com a sua Harley preta estacionada em frente ao dormitório me aguardando com os braços cruzados. Desço as escadas carregando a mochila cheia de dvds de filmes e séries nos ombros e cruzo o gramado para chegar até ele. Com uma carranca, ele me entrega o capacete e eu prontamente o passo por minha cabeça.

— O quê? — pergunto inocentemente quando ele continua me olhando com cara feia.

— É verdade que está interessada em Guy?

Dou de ombros, fingindo não me importar com o assunto, mas estou rindo por dentro da preocupação estampada nos vincos de sua testa.

O engraçado sobre mim é que sei que estou fingindo cada emoção, forjando cada pensamento de necessidade e expectativa com relação a Guy. Eu sou uma mentirosa, porque não tenho interesse em nenhum homem. São apenas palavras vazias. Palavras são fáceis de usar, o difícil é sentir. Eu apenas finjo que sou uma garota normal. Para os outros e para mim mesma. Como se nada tivesse acontecido comigo quando eu tinha 11 anos. Como se eu fosse uma garota que ainda tivesse escolhas. Sou apenas essa máscara de fingimento, estou vazia por dentro. Sei que dificilmente esse vazio pode ser preenchido. Ele nunca foi. Nunca será.

— Ele é um homem bastante qualificado, se é que você me entende — dou ênfase no "qualificado" de propósito e monto atrás de Aiden na moto.

— Não, eu não entendo — ele grunhe para mim.

Reviro os olhos. Se ele soubesse que sou essa terrível mentirosa que está apenas tentando agir como uma garota normal...

— Ah, qual é, Aiden. Vai me dizer que você nunca prestou atenção aos atributos de uma garota enquanto estamos namorando?

Até porque o namoro nem é verdadeiro. Eu sou totalmente contra uma sociedade sexista que dita que apenas os homens podem apreciar a beleza das mulheres. Se eles podem fazer isso, por que as mulheres não podem fazer o mesmo sem serem rotuladas de "vadia" ou "piranha"? Contradições desse tipo me deixam ligeiramente irritada.

Um silêncio reina entre nós quando Aiden não responde minha pergunta. Ele apenas movimenta os braços para acelerar a moto e corre como nunca pelas ruas. Quase grito atrás dele com tanta velocidade desnecessária que ele dá à moto num momento em que o tráfego está relativamente calmo, e me sinto obrigada a agarrá-lo com força se eu não quiser morrer estraçalhada no asfalto.

Dragon me deu a folga. Apesar de saber que pedir permissão era apenas uma tentativa minha e que nada era certo, ele concedê-la a mim foi estranhamente legal de sua parte porque não estarei sendo cobrada. Ao menos foi o que ele disse. Sinceramente, não entendo como funciona a cabeça de homens como ele, ou o que ele pode querer de mim mais tarde.

Dou um pulo do veículo tão logo chegamos à república dos rapazes. As minhas pernas estão bambas e a respiração não quer voltar ao normal. Irritada com sua falta de prudência na direção, jogo com violência o capacete para ele.

— Ficou maluco? Você quase nos matou minutos atrás, seu idiota!

— Nada disso teria acontecido se você tivesse se comportado direitinho, Rainha do Gelo.

Franzo o cenho para o rosto lívido de raiva que está na minha frente. Qual é o problema com ele agora? Passado o susto, os meus sentidos se acalmam, mas uma sensação muito ruim toma conta da boca do meu estômago, deixando-me nauseada. Levo a mão aos lábios e fecho os olhos.

— Oh, não, acho que vou vomitar...

— Merda — ouço-o sussurrar. — Apoie-se em mim.

Em menos de dois minutos já estou deitada no sofá da sala da república suando frio e engolindo muita saliva antes que ponha todo o conteúdo do meu estômago para fora. Procuro me acalmar do estresse pós-trauma que foi andar na moto com Aiden, enquanto Lester está me abanando com uma Playboy sem parar, a preocupação evidente em seus olhos.

— O que você fez com ela, cara? A Rainha do Gelo está pálida!

— Eu não fiz nada! Nós só demos uma voltinha na moto — Aiden se defende. Tenho vontade de dar um tapa no rosto cínico dele.

Voltinha? Só se for no mundo de Velozes e Furiosos!

Ergo a palma aberta em um sinal de pare para Lester.

— Chega, por favor. Não precisa mais me abanar.

Ele aquiesce, baixando a revista pornô. Fecho os olhos por um momento, querendo que a sensação de que o mundo está girando ao meu redor passe. O conteúdo do meu estômago não está mais pedindo para ser expelido e eu não estou mais suando, mas em compensação ganhei uma fadiga extrema dos meus sentidos que foram postos à prova em cima daquela moto perigosa, cujo dono é ainda mais perigoso.

Minha respiração vai se estabilizando e, quando menos espero, acabo caindo num sono profundo, pensando que é na minha cama confortável que estou deitada.

* * * * *

— Acho que ela acordou.

O murmúrio me faz abrir os olhos e dar de cara com cinco pares de olhos que estão me encarando de forma curiosa. Espere aí, conheço esses rostos. Aiden, Lester, Caden, Guy e Ray... Quando percebo que não é no meu protegido quarto que estou, grito feito uma desvairada, achando que eles farão alguma coisa comigo para estarem me observando tanto desse jeito que me parece muito pervertido.

Todos se assustam com os meus gritos e, em meio ao medo, eu passo por cima do sofá, caindo em seguida no chão com tudo. A minha bunda dói e eu teria saído correndo pela porta, se não fosse Aiden se agachar atrás do sofá junto comigo e explicar rapidamente:

— Você dormiu em nosso sofá, Rainha do Gelo. Ia se encontrar com Lester aqui, lembra?

Levo a mão ao peito, aliviada. Oh, então é isso. A minha integridade ainda está intacta.

— Desculpe. Acho que me exaltei um pouco.

— O que você pensou que fosse?

— E-eu não sei... Vocês estavam me olhando de forma muito estranha — confesso.

Ele incrivelmente ri de mim, ajudando-me a levantar.

— Você é esquisita.

Se ele soubesse por que sou esquisita, diria que tenho motivos de sobra para ser. Felizmente o tratamento me ajudou muito nisso. A parecer mais "humana", conforme havia dito meu médico.

— Certo! Quem quer dar início à festa? — Faço a excitação de antes voltar.

— Nem pensar — Ray intervém, prestes a sair pela porta. — Eu me recuso a fazer programa de garota. Até mais, suas garotinhas! — ele fala para provocar de propósito, mas aparentemente ninguém liga.

— Eu fiz pipoca, Rainha do Gelo — anuncia Lester, todo animado.

Deixo-me ser guiada por ele até a cozinha e demoro alguns segundos para perceber que aquela coisa preta que parece carvão dentro de uma vasilha é a pipoca de que ele estava falando minutos atrás.

— Eu acho que... humm, acho que ela passou do ponto, Lester. Queimou.

Lester fica muito decepcionado. Mas ele está disposto a provar que tem alguma habilidade culinária ali dentro de seu ser, perdida em algum canto, pois pega um punhado de pipoca e come com vontade. Faço uma careta, imaginando o gosto amargo de queimado que ele deve estar sentindo. Lester faz uma careta pior que a minha e vai cuspir com pressa no lixo da cozinha.

— Está horrível! — ele fala ainda com a careta de nojo e, sem perder mais tempo, despeja todo o conteúdo da vasilha no lixo. — Por que não me avisou?

Reviro os olhos, prendendo um bufo irônico. Homens. Parece até que não escutam as mulheres de propósito.

— Mas eu avisei! — rebato em minha defesa.

— Eu posso comprar algumas de micro-ondas, se quiserem — oferece Guy, com os cotovelos apoiados sobre o balcão da cozinha rindo de Lester, que ainda está cuspindo no lixo.

Abro o melhor dos meus sorrisos para Guy, batendo os cílios para ele. Oh, isso é muito gentil de sua parte. Por que ele tinha que ser tão novinho?

— Você faria isso, Guy?

A risada dele cessa para dar lugar ao embaraço quando me vê toda derretida por ele.

— E-eu faria. Posso ir agora mesmo.

Puxo o ar pela boca, encantada com a atitude nobre daquele garoto. Seria ótimo se ele ficasse comigo para a festa do pijama e... Oh, sim, quase esqueci que também tem Lester.

— Vai ficar conosco? — pergunto em pura, falsa expectativa. Por dentro, eu só quero ficar sozinha. Sempre quero ficar sozinha.

Ele dá um sorriso sem graça e explica olhando para os próprios pés:

— É que eu... não posso ficar. Tenho um encontro hoje à noite.

Sou tão excelente atriz que finjo que tive minhas esperanças destruídas, que sinto meu peito afundar de tristeza. Guy está vendo outra garota... É uma pena e eu tenho que aceitar isso.

— Um encontro? — repito e nem noto que faço beicinho de triste na direção dele. — Entendo...

Um pigarro me faz girar o rosto. Quase dou um pulo para trás de susto quando vejo Aiden ao meu lado, fuzilando-me com o seu olhar mortal. Oh, droga. Naturalmente ainda há Aiden na história. Como diabos ele se teletransportou para a cozinha em tão pouco tempo?

— Q-quero dizer, é claro que entendo! — digo, desfazendo o beicinho e voltando à minha expressão normal. — Agradeço pela pipoca e... Lester, o que acha de irmos assistir a um filme?

Fico me sentindo um alvo na mira de Aiden quando ele aperta os olhos com desconfiança para mim. Isso não está certo. Sou eu quem deveria estar fazendo essas coisas psicopatas com ele, que supostamente é o bad boy promíscuo da relação. Mas ninguém nunca disse que um relacionamento falso poderia ser um relacionamento normal, afinal. Levando-se em conta como tudo começou entre nós, o nosso está fora de qualquer limite de normalidade.

A noite é como uma criança na companhia de Aiden, Lester e Caden. Eles fazem jus à fama que perpetuam os homens como bons jogadores, mas, quando chegamos à rodada do pôquer, onde decidimos que o dinheiro das apostas seria dinheiro de verdade, não pude simplesmente sentar e ser só sorrisos. Coloquei minhas habilidades em prática e arranquei alguns bons dólares daqueles bolsos. Depois assistimos Star Wars, um dos favoritos de Lester, após Caden ter saído na calada da noite dizendo ter que encontrar sua "garota misteriosa", que obviamente é Holly. O que era para ser apenas um filme, acabou sendo uma trilogia.

— Rainha do Gelo.

Abro os olhos com muito esforço para ver que os créditos do filme já estão rolando na tela da televisão.

— Foi um bom filme — digo para Lester, contendo um bocejo com a mão. — Confesso que nunca tinha visto todos dessa trilogia. "Treine a si mesmo a deixar partir tudo o que teme perder." Se você escutasse metade do que Mestre Yoda diz, não estaria enfiado em tanto álcool por causa de Cassie.

Não consigo ver seu rosto, pois recolho as vasilhas de pipoca no chão para me levantar já andando para a cozinha. Meu pescoço dói como se estivesse quebrando quando tento fazer um alongamento.

— Eu tenho que ir agora. — Miro o relógio de parede. — Uau, quase cinco da manhã. Foi a festa de pijamas mais longa da qual já participei.

— Não precisa ir embora. Você pode ficar aqui.

Volto-me para Lester, sorrindo, e minha resposta é automática.

— Preciso ir ao dormitório. Não posso dormir aqui.

— Ele está certo — endossa Aiden. — Está tarde e... você realmente deveria ficar aqui. Posso deixar você amanhã no dormitório.

Meus olhos pulam para Aiden, que parece saber o que fazer exatamente para me deixar inquieta. Ficar ali? O que ele está dizendo agora? Meus pressentimentos não são bons sobre isso. E os olhos dele... também não são nada bons sobre isso. Simplesmente não posso acreditar que essa briga ainda é sobre meu interesse falso por Guy.

— Não seria... certo. — É a minha desculpa, que por sinal, é das piores.

Ele dá de ombros.

— Você é a minha namorada.

— Sou — murmuro num fio de voz.

— Se é com a sua reputação que está preocupada, nada do que acontece aqui diz respeito àquelas pessoas. Lester também não é nenhum idiota para desconfiar do por que não seria normal nós dormirmos juntos.

O desespero corre assustado para o canto de meu estômago.

— Dormir... juntos? — Olho para Lester, sentindo algo estranho no ar, e dou uma risadinha para desmanchar qualquer preocupação aparente minha que ele possa ter notado. — Francamente, não estou preocupada com isso. Em que século você acha que estamos? É perfeitamente normal querermos dormir juntos como dois bons namorados bem resolvidos.

É uma conversa estranha para se ter no meio da noite. Ou melhor, no início do dia. Mas então começo a entender por que Aiden precisa falar essas coisas para mim na frente de Lester quando se coloca a postos ao meu lado, com a curva de um sorriso tendendo para o lado direito de sua boca.

— Exato, Minha Loirinha. E eu quero dormir com você hoje.

Quero colocar ambas as mãos no rosto e fugir correndo, gritando como uma louca pela casa. Mas não posso. Isso não seria considerado civilizado. E eu sei que ele está me testando como nunca. Passaremos um fim de semana inteiro na casa dos pais dele. Não sou nenhuma estúpida para acreditar que há grandes possibilidades de dormirmos em quartos separados.

Teste. Tudo isso se trata de um sórdido e traiçoeiro teste.

Abro o melhor dos meus sorrisos com muita naturalidade, pensando que sou uma ótima atriz. Apenas gostaria de saber até onde esse jogo de personas nos levará.

— Ah, querido, era só ter dito antes. Eu me esqueci completamente de que você ainda tem aqueles pesadelos quando não estou por perto.

Vejo algo perigosamente luminoso perpassar pelos olhos tão maquiavélicos quanto os meus. Somos como dois gladiadores lutando na arena, mas não estou disposta a ficar por baixo. Não quando sei que tudo aquilo não estaria acontecendo se não fosse Aiden e sua brilhante ideia.

— Boa noite, Lester. — Aceno com excitação antes de ser guiada para as escadas, dedos longos e firmes rodeando meu pulso como redes de aço. Meu sorriso morre no momento em que subimos para o corredor. — Pode me soltar agora. Não consigo passar nem mais um minuto com você se esfregando em mim.

— A típica patricinha fresca — ele canta como se estivesse vitorioso e me larga dentro de seu quarto tão inesperadamente que quase perco o equilíbrio. Só consigo concluir que ficou ofendido, mas não quer demonstrar isso.

— Você sabia disso antes de me meter nas suas encrencas. Além do mais — atravesso o quarto em busca de minha mochila, que está em cima da cama de Aiden —, não é minha culpa se o que sinto por você não passa de repugnância por causa do que está fazendo comigo. Agora quer que eu durma com você? — Viro-me para ele ao me dar conta de que não há nenhuma peça de roupa de dormir na mochila. — Honestamente, eu não quero dormir com você. Nem ao menos trouxe roupas extras para isso.

Ele caminha com tranquilidade pelo quarto para ficar em frente ao guarda-roupa de portas brancas, abre uma delas e tira uma camisa azul-escura com mangas, estampada com o brasão da universidade em que estudamos.

A peça é atirada na minha direção sem cerimônias.

— Agora você tem.

Uma vez com a camisa em mãos, abro-a estendida para mim. É grande e de algodão, tão macia e confortável quanto eu poderia querer. Agradeço a ele, pensando que ainda está faltando uma peça essencial para eu dormir, mas acredito que seria sorte demais — e definitivamente esquisito — se Aiden fosse dono de calcinhas também.

— E este é o dossiê de que falei. — Há um barulho de farfalho quando uma pasta de papelão parda com papéis aterrissa sobre o colchão da cama. — Preciso que leia tudo o que está aqui antes do próximo fim de semana. Quero que faça o mesmo sobre sua vida. Documente-a para mim. Vamos repassar todas as informações que pudermos durante a semana e o voo.

Ergo uma sobrancelha quase automaticamente.

— Não vou registrar sobre minha vida para você, mas posso passar alguns detalhes básicos como gostos, preferências e um histórico resumido sobre mim.

— Isso já basta. — Ele engancha os dedos na beira de sua camisa para passá-la por sua cabeça. O dono do corpo de atleta passa por mim com passos felinos e não sei por que prendo a respiração no momento em que sinto o cheiro da colônia dele. — E esta é a sua passagem. — Mostra-me o voucher antes de depositá-lo dentro do bolso externo da minha mochila, em seguida pousa-a sobre a cadeira da escrivaninha, junto com o dossiê. — Não a perca.

Caramba, ele já comprou as passagens? O sangue parece circular mais rápido com adrenalina quando minha mente finalmente reconhece que estou enfiada dos pés à cabeça naquele teatro de namorados. Não espero ele dizer onde fica o banheiro, uma vez que já conheço a república. Tomo banho e troco de roupa no banheiro do corredor que, milagrosamente, está menos bagunçado. O sofá desapareceu, bem como as revistas pornôs. Exceto por alguns calçados e pedaços de equipamentos danificados, o trabalho realizado ali poderia ser considerado admirável. Pergunto-me o porquê de tanta mudança em tão pouco tempo. Foi por minha causa? Coisa de Lester, talvez?

Quando retorno ao quarto, encontro meu peixinho dourado nadando em seu novo aquário que está sobre a escrivaninha. Aiden já está deitado na cama, encarando o teto pensativamente, com um braço dobrado debaixo do travesseiro, o lençol branco cobrindo metade de seu corpo. Não sei se agradeço ou se fico preocupada que ele esteja coberto, pois ele pode ser uma daquelas pessoas que dormem nuas e eu nem ao menos saberia dizer se ele estivesse.

Sou flagrada quando ele percebe que está sendo observado por mim. Não chego a corar como uma garota envergonhada. Não coro há muito tempo. Mas seus olhos expressivos sobre o modo como a camisa masculina modela minhas curvas e o jeito que a bainha cobre o início de minhas coxas nuas me deixa bem perto do sentimento de embaraço. Acho esquisito e ao mesmo tempo não sei o que fazer com isso, porque ensinei a mim mesma a não sentir vergonha do que é apenas um corpo, uma mera anatomia. E agora mesmo acho uma falha nos meus ensinamentos apenas por ter um homem olhando meu corpo em roupas de dormir. Suas roupas de dormir.

Com esse pensamento pulsando na minha cabeça, apago a luz e vou me deitar ao lado dele — o mais longe que consigo sem cair da cama.

— Achei que fosse reclamar também sobre não querer dormir na mesma cama.

— Não há um quarto extra nesta república, e o sofá definitivamente não é o melhor amigo do sono.

Estamos mergulhados num completo breu e isso de alguma forma me deixa menos inquieta. Uma calcinha limpa realmente faz falta nesse momento, pois estar deitada ao lado dele nua por baixo daquela camisa é como ter uma arma apontada para minha cabeça sem a trava de segurança acionada.

— Não vou atacar você no meio da noite, se é o que está pensando.

Eu quero rir, porque realmente parece que ele leu meus pensamentos. Com a postura reta e de barriga para cima, olho para o que acho ser a lâmpada do quarto.

— Não tenho medo de você. Não teria aceitado entrar nessa situação se tivesse medo de um playboy disfarçado de bad boy.

A risada que ele dá penetra nos meus ouvidos causando uma reação que jamais senti antes com um homem tão perto assim de mim: todos os pelos da minha nuca se eriçaram. É como se sua voz invadindo meus ouvidos estivesse me tocando e eu estivesse reagindo a isso, tendo essas inexplicáveis sensações.

Caramba, no que eu estou pensando?

Balanço a cabeça, achando que o fato de estar escuro torna os sentidos mais sensíveis e cientes das coisas ao nosso redor.

— É bom ouvir isso de você, porque ainda temos que providenciar um último detalhe essencial antes de fazermos essa viagem.

Um movimento ao meu lado no colchão deixa minha respiração suspensa por alguns segundos, porque está escuro e não sou capaz de ver o que Aiden está fazendo. Não me permito o desespero. Permaneço tão calma quanto uma pluma que descansa em paz sobre a superfície macia da cama. De repente, sou tocada no braço que está em semiarco, com a palma descansada para cima ao lado de minha cabeça.

— O que pretende com isso? — Meus sentidos ficam alerta assim que sinto uma respiração perto de meu rosto. — Pensei que tivesse dito que não ia me atacar no meio da noite. Sabe que posso gritar a qualquer momento por Lester, não sabe?

— Pare de exagerar. Isso não é um ataque. Não podemos ir ao Canadá para fingirmos ser namorados sem nem ao menos sabermos nos beijar na frente das pessoas.

— Não pode estar falando sério — digo ao entender o que ele quer de mim. Inesperadamente estremeço com o toque de sua mão que começa a acariciar minha bochecha esquerda. — Não quero ficar treinando beijar você a noite toda. Seria entediante e cansativo. Além disso, não há pessoas aqui para haver necessidade de ficarmos nos beijando na frente delas.

Seus dedos deslizam para o meu pescoço, produzindo um arrepio desconhecido no meu corpo. Isso me assusta brevemente.

— Está com medo — ele acusa baixinho. Não sei se quer rir de mim, mas me repreendo o tanto que posso. — Você nunca beijou um cara, Kristanna?

— Não seja ridículo. Tenho minhas próprias experiências.

Não sinto como se tivesse muitas nesse momento. Para alguém que perdeu a virgindade aos 12 anos, beijar um cara deveria ser a coisa mais fácil do mundo. Mas meu corpo está me enganando, brincando comigo ao liberar reações que não me são familiares.

— Então podemos agregar nossas experiências, Minha Loirinha. Conte-me, quais são as suas? Tenho certeza de que as histórias de uma stripper devem ser as melhores.

— Não me chame assim. Não sou sua "loirinha". E minhas experiências não são da sua conta. Se ouvisse sobre elas, sairia correndo como um covarde.

— Por quê? — Seu tom é de puro interesse, quase posso sentir um sorriso. — Algo muito selvagem?

Não sinto vergonha de como a vida foi para mim. Foi um trabalho de anos, que exigiu muita força de vontade e grande esforço mental. Eu poderia ter sido a garota tímida e fechada que se esconde no canto de uma sala, curvada sobre seu livro com um capuz cobrindo o rosto. Às vezes penso que essa sou eu por dentro, mas, por fora, sou a que comanda minha própria vida para abrir caminho no mundo que já tentou me destruir. Simplesmente sou a que não faz silêncio quando ordenam. Não deixo que meus direitos sejam tirados por alguém. Não quero outra visita ao inferno. Não de novo. Tenho o poder de decisão sobre minha vida e faço uso dele sem reservas.

— Algo muito sujo. — Minha voz se arrasta pelo silêncio do quarto enquanto me perco em meus pensamentos. Não são os melhores, mas são o que me mantém ocupada e me impedem de começar a tremer quando sinto o corpo de Aiden pairar sobre o meu. Posso ver a silhueta de seu rosto contrastar com o brilho prateado da lua que entra pela janela. Eu só consigo respirar pelo pequeno espaço entre meus lábios parcialmente separados, o ar subitamente me parecendo insuficiente.

Seus olhos, seu nariz, sua boca. Sinto que estão todos perto dos meus. Consigo sentir sua respiração morna contra meu rosto, o toque delicado de seus dedos na pele de meu pescoço. É gostoso e viciante, faz-me querer ser tocada amplamente. Mal estou ciente de que meu raciocínio está indo embora, porque estou vivendo num espaço de tempo causado pelas sensações livres de amarras, em que tudo é permitido.

— Kristanna — ele sussurra baixo, perigosamente sensual perto do meu ouvido. Aiden é o único que conheço que parece ter uma necessidade inexplicável de me chamar pelo nome, que flui de forma tão sexy quando pronunciado pelos seus lábios. — Eu sinto muito pelo que fiz ontem com seu peixe. Eu não queria... e ao mesmo tempo estava tomado pela raiva. Por favor, não me provoque de novo daquele jeito. Não quero mais machucar você de forma alguma por causa do meu temperamento. Gosto de você, da sua risada, mesmo quando está rindo de mim. Acho que isso faz de mim um masoquista. Você entende isso?

As palavras dele são como uma poesia bem feita, ditada pela perfeita métrica que garante a harmonia em cada estrofe. Ele me pegou. Sei disso e, por incrível que pareça, o que ele diz parece ser sincero, mas não sei se estou pronta. Estou derretida contra o colchão, estou ardendo só de sentir a fricção de sua pele contra a minha, e não sei por quê.

Tudo foge ao meu controle e explicação.

Ele me acaricia no queixo, a palma de sua mão escorregando para a lateral de meu rosto, chegando a tocar com o polegar minha orelha quando envolve a nuca.

Fecho os olhos e me entrego.

— Kristanna...

Uma boca esmaga a minha numa pressão faminta, mas lenta, como se estivesse me ensinando como é o seu beijo. É inocente e obsceno. Forte, mas suave. É feroz quando degusta meu lábio superior e em seguida gentil quando me acalma em seus braços.

Estou tremendo e não sei como controlar, quando minha boca é reivindicada novamente. Cristo. Ninguém me falou que poderia ser assim. Estou paralisada, em choque, recebendo trêmula o que ele está me dando. Movo a boca em sintonia com a dele e é embriagante; há pura toxina em seus lábios que me deixa em estado de graça.

Sinto o tecido da camisa subir à medida que sua palma alisa minha cintura de baixo para cima, passando por minhas costelas para se apropriar de um seio. Ouço um suspiro e em seguida sou beijada atrás da orelha. Ter meu lóbulo mordiscado me faz contorcer embaixo do corpo de Aiden, ao mesmo tempo em que o joelho direito no qual ele se apoia para ficar em cima de mim na cama arrasta para o meio de minhas pernas até encontrar meu ponto sensível e completamente nu.

Sou pressionada uma vez. Não há nenhum tipo de penetração, mas o prazer que sinto com o que é feito me assusta e me deixa... excitada. Com o corpo quente só de sentir algo duro contra mim. Instintivamente arqueio em sua direção, movendo-me enquanto elevo as palmas para tocar suas costas. São firmes e duras, com cada músculo no seu devido lugar. Minha camisa se ergue mais quando sou tocada com vigor e empurrada com gentileza novamente. O misto de sensações produzidas em mim chega à proporção do estrago de um furacão.

Então, o beijo termina.

Levo alguns segundos até perceber que não serei mais beijada, e abro os olhos, voltando à realidade. Encontro os contornos de suas faces pairando a centímetros de meu rosto febril, seus olhos parecendo que estão traçando as curvas de meu corpo no escuro.

A camisa está amarrotada e torta em meu corpo. Seus dedos estão em meus cabelos; uma mão ainda permanece eroticamente sobre meu seio, tomando conta dele como se pudesse fugir a qualquer momento; e alguém obviamente ainda quer passagem para dentro de mim, pois estou sendo prensada, com seu joelho entre minhas pernas, como se este fosse o preço a se pagar por não estar usando calcinha perto de Aiden Blackwell.

Esse é o nosso primeiro beijo e claramente não é o último.

Se ninguém mais via, eu consigo ver: temos um problema.

Um dos grandes.

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