Capítulo 8 - Liberdade?
~ Joana
Já deve fazer dois dias desde que vimos Wendler, não consigo tirar a culpa da cabeça. O pior é que Guilherme não deseja cumprir com a sua palavra. Entendo que ele pensa no nosso bem, mas esse peso não sai da minha cabeça. O que não entendo o motivo. Acho que ouvir expressamente "sair daqui" acabou mexendo demais comigo. Todos que estão aqui querem sair, mas ninguém pode.
Espero minha porta abrir pra pegar Guilherme e irmos pra aula; não ocorreram mais incidentes, ou suspeitas dos guardas em relação a nós.
A porta do quarto enfim se abre e caminho até Guilherme, que está parado na frente de seu quarto. Aceno sem muita animação e ele devolve como sempre: sem qualquer alegria. Ele não é exatamente a pessoa mais animada, mas é um bom irmão.
— Bom dia — diz Guilherme sem enrolação.
— Bom dia... Guilher...
— Não quero sanduíche hoje.
Tínhamos conversado sobre como não comentarmos sobre Wendler quando estamos com as nossas lentes, então não parece haver problemas quanto ao nosso código.
— Certo. Está enjoado?
— Sim, acho que não vou mais comer permanentemente. — Guilherme altera detalhes do seu semblante, deixando claro que não deseja continuar conversando sobre isso.
Estamos na sala, nosso professor está comentando sobre algo em que meu interesse parece estar morto pra entender. Enquanto isso, meu foco parece continuar sobre Wendler. As infinitas palavras ecoam na minha cabeça.
No refeitório, a comida parece sem gosto. Minha concentração se baseia apenas nas palavras de Wendler e a minha perturbação deve estar transparente. Guilherme estala os dedos. Entendo que ele quer discutir sobre alguma coisa.
— Escuta, também me sinto mal pelo Wendler, mas entende que não podemos fazer nada por ele, certo?
— Entendo que caso sejamos descobertos seremos dedurados, sem dúvidas, mas não consigo deixar essa inquietação.
— O que acha de nós fazermos apenas em parte?
— Então, caso ele seja louco mesmo, confiará no que demos a ele e, provavelmente, morrerá.
— Tudo bem. Prometo que vou fazer isso em outro momento, não se preocupe.
— Obrigada — respondo apenas pra concordar, Guilherme não se importará tanto e fará o que disse ‘‘em parte’’, quando formos para nossos próprios quartos. Farei um pequeno passeio.
Já no meu dormitório, estou deitada na cama, preparando-me pra começar a explorar. Minha habilidade é controlar sombras, o que, descobri sem querer, se aplica não apenas a outros, mas também se aplica a mim. Tudo que ocorre com minha sombra, eu posso sentir e ver. Usarei das frestas pequenas das câmeras pra saber quantas são.
O bom dessa habilidade é que posso não apenas controlar, mas interagir da maneira que eu quiser. Além disso, posso saber minha localização, enquanto minha sombra for presa no meu corpo. Outro fator interessante: a pulseira limita a mim, mas não minha sombra que, aparentemente, é outro indivíduo vivo como eu. Compartilhamos os mesmos pensamentos, então ela, eu, concordou em fazer isso. O único ponto negativo dessas sombras é que elas não podem atacar ninguém.
"Estou" nas primeiras câmeras, todas são pequenas e se misturam perfeitamente ao ambiente. Ficam em cada ponta dos corredores, misturando-se com o espaço. Nenhuma alteração é visível nos corredores.
Horas se passam e corredores infinitos e repetitivos aparecem, o que começa até a me desanimar sobre ajudar Wendler. Já devo ter passado em mais de cinquenta corredores diferentes, mas parece não haver um fim. A inexistência de guardas não é nenhuma surpresa, as câmeras cercam cada perímetro; logo, não é preciso se preocupar com vigiar o local pessoalmente, ou fazerem rondas.
Um garoto, que parece ter por volta da minha idade, com cabelos negros, aparece em um corredor. Um guarda o está levando pessoalmente, ele é igual aos que levaram Wendler. Ele está tenso, mas continua caminhando, por conta do guarda atrás dele. Procuro um ângulo melhor pra ver se tem alguma entrada diferente no corredor em que estamos. Nada. Simplesmente igual a todos os demais.
Acho que é melhor ignorar, provavelmente ele está sendo levado pra sala que usamos pra tentar despertar nossos poderes. Espero eles virarem o corredor, mas o guarda manda o garoto parar. O corredor em que estamos é igual a todos os outros, então qual a necessidade de parar?
O guarda vira para a esquerda, para ficar frente à parede. Mudo mais uma vez o ângulo pra tentar ver melhor.
Agora, vejo-os por uma horizontal perfeita. Ele encosta sua mão na parede. Pequenas "ramificações" amarelas, vindas de seus dedos, começam a se espalhar pela parede, fazendo com que tomem um formato. O resultado é um aglomerado dessas ramificações que formam o número sete.
O garoto tenta aproveitar a oportunidade e começa a correr. O guarda parece entediado e solta um suspiro de cansaço. Ele direciona suas mãos até a orelha, diz alguma coisa e, ao terminar, uma parede se ergue e impede a fuga do rapaz.
O guarda o agarra pelo braço e direciona um soco na boca do seu estômago, fazendo-o cair. Segurando-o pelo braço, o guarda volta sua atenção para a parede. A porta abre. Felizmente, a luz do local produz sombras tanto do guarda quanto do garoto, quase inconsciente.
A primeira coisa que percebo são escadas e a porta se fecha. Estamos subindo, o lugar está velho, não tão bem cuidado quanto onde estávamos segundos atrás. No topo, vejo uma simples cadeira, iluminada por uma fraca luz. Arrastando o garoto, o guarda o coloca na cadeira.
Rapidamente, homens mascarados, com longas roupas — provavelmente alguma espécie de enfermeiros —, saem das sombras do local e agarram o garoto. Um deles tem uma seringa em mãos, que injeta no pescoço do rapaz. Ele luta veementemente contra eles, debatendo-se num frenesi louco. Em minutos, seus esforços parecem mais humanos, até que a fera relaxa.
Ele está simplesmente parado.
Parece morto. Minutos torturantes se passam, até que ele mostra os primeiros sinais de vida. Convulsões leves começam a tremer a ponta de seus dedos. Os médicos se afastam.
Subitamente, o garoto levanta sua cabeça, de prontidão pra qualquer ordem. Ele fica de pé e encara o guarda seriamente. Este o entrega uma carta. Consigo ver uma pequena sombra nos dedos do guarda e consigo ir pra ela, mas não consigo ler nada. Parece ser apenas um amontoado de símbolos. Volto para minha posição original. O rapaz acena, consentindo. Ele parece ser outra pessoa, o que era aquilo que injetaram nele?
Luzes até então apagadas começam a acender, formando um imenso corredor iluminado. O garoto começa a seguir a direção da claridade e faço o mesmo, vendo até onde ele me levará. Duas portas completamente normais são o fim desse caminho.
Ele gira a maçaneta e a abre... O mundo de fora. Um lindo campo esverdeado, um céu e um pôr do sol, dançando com as nuvens, preenchem tudo. Um sentimento estranho começa a me preencher, parece haver uma brisa leve no lugar.
Continuamos a caminhar até um homem loiro e a carta é entregue a ele. Aparentemente, o outro consegue ler seu conteúdo. Quando termina, ele o guia até um carro. Dentro dele, documentos e um pouco de dinheiro são entregues ao garoto.
Começo a ficar inquieta sobre tudo isso, não consigo deixar de pensar em qual é a próxima coisa que ocorrerá. Chegamos a uma casa e o garoto toca a campainha. Um homem a atende, este o abraça com força. Deixo meu foco do garoto de lado, volto-me para o homem loiro... Estamos de volta àquele lugar estranho de antes, onde o garoto levou aquela injeção e começou a agir estranho. Como cheguei aqui tão rápido?
Vou para o guarda, que está esperando com um documento em mãos. Novamente, não consigo ler, não sei que tipo de escrita é essa. Depois de ser entregue, ele se volta para as escadas. Um grande barulho ecoa no local. Abro meus olhos assustada, meu coração parece uma bateria em um show de rock, estou ensopada de suor. O que acabou de acontecer? Eles mataram o guarda... Qual o sentido? É possível escapar daqui? Quem eram as pessoas com quem o garoto ficou? Era a família dele? Temos família fora daqui? Somos liberados depois de um tempo? Qual a condição? Existem exceções pra sair? Não... Mas, se for uma cilada? O que eu posso fazer pra sair daqui? Guilherme e eu podemos sair daqui?! Então... é inútil pensar em fugir. Caso eu veja Wendler novamente, direi a ele que não se preocupe.
Começo a me acalmar, não posso ficar assim por muito tempo. As pulseiras regulam os batimentos, provavelmente alguém sem problemas não está com os batimentos tão acelerados.
A informação ainda não entrou. Não consigo assimilar a série de fatores que se deram. Será que pessoas saem assim todos os dias. Começo a me preparar pra vasculhar tudo de novo, até que ouço leves batidas na porta. Fico paralisada de medo por um instante. Eles não batem, simplesmente entram.
— P-Pode entrar — minha voz sai embargada pelo medo, tento me recompor para não levantar qualquer suspeita.
A porta se abre e vejo Guilherme, imagino que a confusão é nítida em meu rosto, já que ele não perde tempo.
— Pega, pedi autorização dos guardas e eles deixaram, sei que você tem passado por muitos problemas por conta das suas dores de cabeça e eu pude pegar seus remédios, vou lhe trazer uma vez por semana. — Ele me entrega a caixa e me esforço pra não demonstrar surpresa e felicidade pelo irmão que eu tenho. — As instruções estão aí dentro, leia tudo atentamente.
— Obrigada. — Sorrio e o abraço.
Gostaria de ter explicado tudo pra ele, mas vou fazê-lo em outra situação. Tiro minhas lentes e abro a embalagem. Dentro das bulas, há um pequenino papel, falando sobre o corredor por que ele passou.
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