Capítulo 25 - Problemas
~ Wendler
– Preciso que você vá para uma cidade há oito dias daqui, quero que lide com alguém. – Flora fala de maneira firme, em contraste com sua aparência que parece prestes a desabar de cansaço. O que não é surpreendente, já que se eu estou dormindo quase nada, ela está do mesmo jeito que eu, mas pior.
– Quem é? – pergunto, enfim.
– Vergolino. Já ouviu falar de escravos?
– Pensei que era algo do passado, há uns mil anos, não?
– Legalmente, sim. Mas esse canalha continua com esse tipo de trabalho. Na verdade, a maioria das suas ''mercadorias'' são erros, muitos dos nossos estão lá e ele é um dos pilares de abastecimento de soldados.
– O que quer dizer?
– Quer dizer que muitos dos que estão lá são vendidos para Liga, ou viram verdadeiros escravos, ou se tornam um brinquedo de alguma forma pra alguém influente. Se abatermos esse bastardo, poderíamos ter uma grande virada nessa guerra.
– Certo, vou agora.
– Só um momento. – ouço ela se levantar da cadeira com pressa. – Preciso que faça outra coisa.
– O que é?
– Leve a garota berserker.
– Por que mesmo?
– Muitos dos erros que estão lá são berserkers, e sua amiguinha é uma, eles tem uma habilidade interessante de conseguir identificar outros.
– Certo. – ela se senta. – Quer um conselho?
– Pode dizer... – ela arqueia uma das sobrancelhas pelo meu comentário.
– Deixe Mia tomar conta do lugar por uma seis horas, precisa dormir.
– Ah – ela fala de um jeito como se tivesse lembrado de fazer algo importante e ter se lembrado agora. – obrigado, vou fazer isso.
Já faz dois dias que estou indo até essa outra cidade. Estranhamente, a menina não me aborrece, diferente dos outros, que não conseguem fazê-la ouvir ou evitar que ela destrua algo, Alice também consegue fazer isso por algum motivo.
A viagem é tranquila, sem nada de grandioso acontecendo. Agora que parei pra pensar nunca dei um nome pra ela, apenas a chamo de berserker.
A noite cai e paramos de correr. Para chegarmos ao nosso destino, precisamos passar pelas planícies, depois disso, chegamos a uma região seca, cheio de relevos profundos. A noite é extremamente fria. Faço uma fogueira improvisada com alguma das provisões que levo comigo na sacola, dentro há um pouco de carne seca, estendo uma pra ela, ela encara e pega.
A lua brilha intensamente, iluminando tudo ao nosso redor. Tiro o sobretudo e coloco-o no chão pra usá-lo como um forro para dormir. A berserker está em pé, conforme avançamos, percebo que a inquietação dela aumenta. Ela obstrui minha visão da lua, o que acaba me dando uma ideia.
– Eleonora. – acabo falando o nome, mas percebo só depois de ter dito.
Eleonora me encara confusa, com uma das sobrancelhas arqueadas.
– O que acha do seu nome ser Eleonora?
Ela parece pensativa, até que simplesmente faz um movimento com a cabeça como se concordasse com a ideia. Deito e fecho os olhos.
A noite foi horrível em grande parte pelo frio, os sobretudos puderam ser usados muito bem como forros e quase cobertores, deu para dormir bem.
Ficamos o resto do tempo avançando ininterruptos até o nosso destino, conseguindo cobrir boa parte do nosso caminho. Finalmente avisto a cidade – que o nome é Feliz destino –, o que me faz pensar no nível de cinismo desses caras.
Estamos em cima de uma duna de areia, observando o que acontece na cidade, ao longe. Não há muitos habitantes por lá, as casas estão em condições deploráveis, rachaduras imensas nas paredes das casas, o chão é completamente desestruturado, há lama em cada rua. As pessoas estão bem sujas e as roupas rasgadas.
Um comboio para em frente da cidade, a parte de trás do carro se abre, dois guardas descem do carro, estão com uniforme militar bastante parecido com o que tinham na prisão, a diferença é pela cor ''desértica'', por assim dizer.
Outros guardas aparecem ficando enfileirados paralelamente uns com os outros, formando uma espécie de corredor. Após poucos minutos, uma garota sai... Só pode ser brincadeira... Joana está viva?
Por um instante, perco o foco dos meus pensamentos e do que meus olhos vêem acontecer em seguida: depois que Joana desce. Uma dúzia de pessoas, no caso erros, desce acompanhando-a, todos estão acorrentados com correntes, estas estão fazendo com que os erros sejam um só, se um cair, todos são levados.
Guilherme disse que Alexander havia matado Joana, então o que explica essa que estou vendo? Poderia ser uma armadilha? Assim como quando eu saí daquela prisão, que aquela garota estava se passando pela Alice, ou... Ela está viva? Não faz sentido, por que ela serviria ao lado do inimigo? Ela não pode ter traído o próprio irmão. Então, talvez seja a primeira opção, mas e se... Droga, se Guilherme estivesse aqui, talvez ele pudesse me dizer algo que só eles sabem. E, pensando bem, seria horrível de Guilherme estivesse aqui, ele teria, talvez, perdido o controle das emoções e ido de encontro com essa Joana. Ah, espera... Tem algo que só ela saberia.
Olho para a base da duna de areia, há terra e lama seca, desço até sua base e vejo Eleonora vindo, tiro o manto e espalho a terra em toda sua composição, fazendo que perca toda sua coloração preta, felizmente não há bordão. Estendo a mão para Eleonora, ela me entrega o seu e faço o mesmo com o dela.
– Preciso que confie em mim, não atacaremos nenhum deles, entendido?
Ela acena com a cabeça. Tiro meus sapatos e os dela, e, fazemos um esforço para que não fiquemos com os pés tão queimados. Percebo que os pés da Eleonora não estão inteiros, há várias rachaduras e cortes neles, provavelmente por não ter usado a vida inteira.
Colocá-la nas costas e sigo caminho até a cidade, graças ao capuz, não sou reconhecido quando o comboio dá meia volta e retorna para, acho que, à prisão. O cheiro dentro da cidade é pérfido, fazendo com que certo refluxo se forme em meu estômago. Verifico pelo canto do olho como minha passageira está. Sem reação. Acho que tinham coisas piores naquelas montanhas.
Os erros, assim como os guardas, estão sendo guiados por Joana, ela parece ignorar o que vê, como se não quisesse aceitar e não parece ser falso. E se Joana estiver fingindo, ela pode muito bem estar fingindo ser outra pessoa, ou fingindo ter se entregado, para depois trair Alexander. Ainda preciso ter certeza, antes de tomar alguma ação.
Os braços de Eleonora estão ao redor do meu pescoço pra que ela se apoie, mas esse apoio vira um estrangulamento, impedindo que eu possa respirar, balanço minha cabeça pra trás, acertando a dela de leve.
– O que foi? – pergunto em um cochicho.
Ela aponta para os dois últimos da fila, eles também tem cabelos vermelhos como o sangue, então são berserkers. Vou ter que me aproximar deles de uma forma ou de outra. Entro em um beco e tiro Eleonora das costas.
– Eu tenho um plano, mas vou precisar da sua ajuda. - ela acena com a cabeça, antes que eu fale qualquer coisa. – Preciso que chute um daqueles guardas, para que seja levada com eles, escute atentamente tudo que eles ouvirem, estarei logo atrás de você. Entendeu? - Enfio a mão em um dos bolsos e pego um pequeno ship, deixá-lo no bolso dela. É um rastreador e um escuta.
Ela acena de novo com a cabeça.
*
~ Joana
É horrível. Esse lugar é horrível. Tio Alex disse que aqui é onde os criminosos são presos e levados para que seus crimes sejam avaliados. Aparentemente, eles reúnem um número limite de 100 criminosos para que sejam transportados. Os que trago são os últimos. O que está me fazendo ter nojo por esse lugar, é sua aparência. Decadente, mal tratada, esquecida. Existem regiões de pobreza no mundo, claro, mas isso é... Surreal.
Algumas crianças estão correndo e brincando juntas, usam roupas velhas e rasgadas, sujas como nunca pensei que uma roupa poderia ficar. As crianças são quase esqueléticas, mas ainda tem alguma força pra brincar. Uma pequena bola vem rolando em minha direção. Agacho-me e pego-a, quando levanto minha cabeça para entregar a bola, elas me encaram com horror e pavor, uma delas até cai de tanto tremer.
Olho para trás procurando por algo, mas não tem nada. Ela está... com medo de mim?
– Ei, não precisa ter medo, toma aqui a sua bola! - digo de um jeito animado, vendo se consigo acalmá-los ou fazê-los perceber que não sou hostil como eles estão pensando.
– Mentira. – a criança que caiu está com a voz fanha, por conta do catarro vem acompanhado com suas lágrimas. – Você está mentindo para nós, assim como todos os outros fizeram! SAI DAQUI SEU MONSTRO. – surpreendo-me pela sua reação e recuo tentando mostrar que não pretendo machucá-lo, as outras crianças se levantam e juntam pedras, para arremessar em mim.
''Bam"
É tudo que eu escuto em seguida. Um tiro. Vindo de um dos guardas que estão atrás de mim. Ele acerta o chão, quase no pé da criança caída.
– Se continuarem incomodando ela, vou matá-los agora mesmo. – o oficial grita para meu horror, as crianças se afastam, agora ainda mais assustadas.
– Chega. – digo, séria, enquanto encaro o guarda que está à minha direita.
Ele recua. Ouço passos rápidos vindo por trás. Uma das crianças. O guarda à minha esquerda, ele aponta a arma na direção exata da cabeça das crianças.
Não consigo impedir o tiro. Avanço na direção dele e o ergo enquanto o segundo pela garganta.
– O que pensa que está fazendo? – olho direto nos seus olhos que estão um pouco cobertos por causa do capacete.
Seu semblante esboça surpresa e, disso, ele aponta para algo atrás de mim.
Vejo uma garota ruiva, igual aos dois últimos dos criminosos, ela está com o antebraço sangrando, a criança que jogou a pedra está caída, no chão. A criança que levou o tiro não grita, simplesmente me encara com ódio. Uma berserker.
– S-senhora... – o guarda que eu estou engordando diz com muita dificuldade, quando percebo, solto-o imediatamente. Ele cai no chão, tossindo. – A senhora permite que eu prenda aquela pirralha de cabelos ruivos, ou vai ficar de coração mole de novo?
– Ela salvou a vida da criança, não tenho motivos para prendê-la.
– Por isso que não gosto de novatos, principalmente mulheres, o que eles pensaram botando uma pirralha no comando... - ele estava aumentando sua voz gradualmente, até que eu empunho minha espada e a deixo perto do seu pescoço, fazendo com que ele se cale.
– Alguma objeção contra meu comando?
– N-nenhuma, senhora.
– Ótimo, quero que pegue a menina, vou escoltá-la, tentarei tirar ela desse lugar imundo. Ela seguirá conosco enquanto deixamos os prisioneiros com o chefe daqui. Alguma objeção, soldado?
– Nenhuma... - ele diz, claramente com medo.
Por isso que preferia um esquadrão de mulheres, elas são melhores quando se trata de trabalho, além de respeitarem mais.
Encaro a pequena heroína de cabelos escarlate, explodindo em raiva. Vou até ela e estendo minha mão, ela olha desconfiada, mas, pega, claramente com medo.
*
~ Wendler
De algum modo, deu certo. Na verdade, tudo saiu de uma maneira perfeita. Eleonora está infiltrada, agora ela deve seguí-los para que eu possa ouvir um pouco da negociação. Pelas fotos que a Flora me mostrou, há um revolucionário remanescente aqui, onde quer que o dono desse lugar guarde.
''Qual seu nome? Entende o que eu digo? – Pelo modo que ela trata Eleonora, talvez seja mesmo a Joana... Vou arriscar. – Ah, parece que você é muda, mas, felizmente, entende o que eu falo. Espera, talvez você não entenda palavras mais complicadas... Eu dou um jeito. Bom, de qualquer modo... – Não me lembrava dela falar tanto. – "Só vou deixar esses prisioneiros com o ''Chefe", ele é conhecido assim, mas eu não entendo o motivo. Não acha estranho? Eu acho bastante, mas vai entender. – Sigo-os discretamente, para evitar que me percebam, ouço Eleonora ser metralhada por conversas sem qualquer tipo de conexão. Até que, uma hora, eles chegam ao final da cidade, que não é exatamente grande, simplesmente seguiram por uma linha reta, até chegarem a um grande casarão. Um homem... Acima do peso, sai de dentro da casa, parece que respirar é uma dificuldade pra ele, fazendo com que ele fique ensopado de suor em instantes, ele usa uma roupa de cowboy, mesmo que sua jaqueta seja de um azul bebê e as botas verdes, a blusa e a calça são brancas, ficando algo estranho, usa um grande chapéu roxo. – Ora, se não uma das agentes mais novas da Liga dos heróis, é uma honra conhecê-la. – Ele faz uma pequena saudação, mas parece que isso lhe custou quase a vida. – E quem é essa pequenina que vem com você? – Consigo ouvir seus passos pesados se aproximarem de Eleonora, mas ele para, subitamente. – Algum problema jovem heroína? – Ele pergunta. – Sim, tem sim. O que pensa que ia fazer com essa criança? – A voz de Joana está firme. – Eu só iria verificar uma teoria minha, veja bem, se eu estiver correto, essa pequena ao seu lado é uma berserker de olho puro, os olhos delas vendem isso. Esse tipo é altamente rebelde e perigoso, por algum acaso gostaria de entregá-la a mim? Pensando em problemas futuros. – Vejo ele forçar algo parecido com um sorriso, mas claramente não funciona, o que faz Joana recuar mais ainda. – Essa criança fica comigo. – diz Joana, peremptória. – Senhorita Joana, entenda bem, não quero que tenha problemas. Mas sabe, com a minha influência atual, eu poderia muito bem lhe incriminar, sabia? Dizer que foi extremamente gentil para os prisioneiros e perderia sua licença como heroína. O que acha? – ele faz uma pausa e a encara como se tivesse saído vitorioso dessa discussão. – Nada feito. – ela responde. – Então, pode ir se despedindo do seu emprego. – Ouço passos leves, talvez sejam os da Joana. – Se você pensa que vou deixar essa criança, está redondamente enganado. – Vejo o tal Chefe ficar vermelho de raiva, mas ele se acalma. – Gostaria de entrar em meus aposentos? Mostrarei a você que essa criança ficará no melhor local que você quiser, posso até deixá-la andar solta por aí. O que acha? – Joana o encara por alguns segundos, tentando achar algo que denunciasse que ele estava mentindo. – Está certo. Pode liderar o caminho, por favor. – O Chefe esbanja seus dentes amarelos. ''
Preciso entrar de algum jeito, não posso garantir a segurança da Eleonora lá dentro. Vejo um dos guardas que seguem por trás, impedindo que o resto dos erros saia correndo. Um deles conversa alguma coisa com seu parceiro, este se distancia. Saindo da estrada, ele entra em um beco lamacento. Teleporto pra trás dele e agarro seu pescoço por trás, até que ele desmaia. Pego suas roupas rapidamente, junto com a arma, e me equipo. Coloco minhas roupas nele. Acho um cartão com seu nome, que é... João. Que coincidência sem graça.
Saio do beco disfarçado. Felizmente, a roupa não é tão apertada. Volto à ''fila'' e não converso com ninguém.
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