Capítulo 17 - Maestro

~ Alexander

     Os três continuam a me perguntar ininterruptamente, mas já desviaram o foco do real problema. Bom, não que isso me incomode, caso eles fossem mais atentos, daí eles perceberiam como são facilmente manipulados por mim, os "inferiores".

     Claro, nem tudo é perfeito, eles têm um sujeito bem chato de lidar da parte deles, mas ele nunca aparece. Estou há anos nessa brincadeira divertida, onde eles pensam estar administrando bem esse local, simplesmente para que possam se esnobar para o comandante chefe.

     Entretanto, a minha diversão pode ter ficado um pouco mais interessante, nunca houve na história erros que fossem hábeis para escapar, claro, na ocasião eu estava fora junto com os outros soldados terminando de eliminar o exército revolucionário. Quando chego, vejo que não há tempo para impedir nossos ousados fugitivos.

     — Seu pedido pelo acesso foi aceito, pode ir — o que se posiciona no meio fala com leviandade. Simplesmente agradeço da melhor forma possível e me retiro de cena.

     No meu escritório, está um pouco bagunçado, precisei sair às pressas e ainda têm alguns papéis na minha bancada, alguns no chão. Depois pedirei para que alguém possa resolver isso. Agora, tenho problemas maiores para resolver: capturar os fugitivos ou ver o que eles podem fazer? Pensando bem... farei uma visita, acho que é uma boa ideia ver como a cidade está.

     — Tio Alex, o que traz o senhor aqui? — Joana diz animadamente, vindo me encontrar sem demora. Quando fiz as modificações em sua cabeça, achei que seria interessante eu ser uma espécie de tio amado.

     — E preciso de motivos pra ver minha tão amada sobrinha? — ela sorri de forma gentil.

     Ela acaba me contando sobre o que houve na minha ausência, finjo surpresa como se fosse tudo interessante, comovente e legal, mas a questão é que as pessoas são cegas em relação a certos tipos de pessoa. Porém, não é sempre necessário fazer um comportamento real, apenas sorrir e se importar de maneira irreal, que algo interessante acontece: uma confiança nasce.

     Bia tem me deixado informada sobre tudo que está acontecendo, então já sabia sobre tudo. Carlos também está agindo bem. Mesmo sendo um mundo de mentira, acho que é cruel demais fazer ela não ter um amor correspondido, certo? Então, farei que ele se aproxime dela, o resto dependerá dela.

     Ela relata sobre como atacou, pela sua descrição, Alice e Ben. Então, seus poderes não são mais manipular as sombras. Os poderes são consolidados pelo maior desejo da alma de um erro, ou pela formação de um ser, então perder sua memória a fez invocar uma espada... Qual seria o sentido de ser uma espada?

     — Na verdade... Eu gostaria de saber se você aceitaria trabalhar com uma das minhas elites.

     Joana se sobressalta e engasga com o café que está tomando, fazendo com que ela cuspa um pouco na mesa.

     — É uma brincadeira, não é? – ela arqueia uma das sobrancelhas.

     — Estou falando sério, vi suas notas e acho que minha sobrinha tem grandes capacidades, como o tio. Pense nisso, você é sangue do meu sangue e, além do mais, não era você quem dizia se interessar em se tornar uma heroína? Se você se juntar a mim, posso lhe recomendar. O que acha?

     Um silêncio sorumbático toma conta da sala. Vamos, não seja uma fantoche revoltada, apenas siga o que eu desejei pra você.

     — Tio... Eu agradeço profundamente pela oferta, porém eu combinei em sair da escola com Bia.

     — Acho que ela não iria querer ficar no seu caminho. Tenho certeza que ela entenderia.

     — Sim... Mas — Sinto uma leve irritação. Será que Bia acabou por se apegar a essa garota? Bom, não é tão preocupante, se eu ver que ela vai me atrapalhar mais no futuro, vou simplesmente substituí-la por outra.

     — O que acha de eu chamá-la também?

     — O senhor faria isso por mim?

     — Mas é claro.

     Vejo uma tensão como a de um arco se aliviar depois que a flecha é solta se instalar nela, ao menos não é estúpida o suficiente para descartar essa oportunidade, onde outros chorariam para tê-la.

     — Já que estamos resolvidos, vou me retirar por agora. Boa tarde e tome cuidado, mandarei alguns guardas para escoltar a casa.

     Joana se levanta e me abraça com delicadeza, envolvo meus braços nela e me solto, passo minha mão na cabeça dela. E pensar que essas mesmas mãos mudaram sua vida e prejudicaram um pouco o seu irmão.

     Voltando para a base, vejo pelo meu computador as imagens do satélite, procuro por qualquer sinal de vida. Nada. Não os acho por agora; eles estavam extremamente machucados quando fugiram, não devem ter ido pra longe. Bom, ficarei de olho, não é possível que nunca precisarão sair do esconderijo.

~ Guilherme

     Estou vagando em um caminho totalmente escuro. Não há nada aqui. Sozinho. Abandonado. Vivendo apenas pelo respirar, não pelo batimento que só continua porque o corpo vive. Sinto meu corpo desaparecer enquanto caminho.

     Paro de andar e encaro um espelho em minha frente, suas bordas são feitas de prata, fazendo uma dança de semicircular em formatos ondulados. Vejo no reflexo a mim mesmo, mas estou de cabeça baixa no reflexo e não encarando a mim.

     Encosto minha mão no vidro, vejo que o reflexo não se move. Até que ele ergue suas mãos vagarosamente até a parte reversa do espelho. Num átimo vejo trevas consumirem meu reflexo, meu outro eu levanta a cabeça e mostra, entre as densas que o consome, olhos brancos vazios e sem fim. A escuridão atravessa a parede e alcança meus braços e começa a tomar conta do meu ser.

     Como se hipnotizado pelos olhos brancos, não me importo com as trevas que me engolem. Vejo, após, o que se pareceram, milênios ou mais, acho algo no denso vazio dos olhos do meu outro eu. Vejo, no fim, uma pessoa feliz, uma menina menor, sendo perseguida por homens grandes, levada e ficando trancafiada por horas a fio, sem nunca poder sair, sem vida, não sendo mais um ser de verdade.

     A pequena encontra um garoto enraivecido com tudo, detestando tudo, tendo que ser domado por coleiras de choque. A menina toca o coração desse garoto, tornam-se próximos e leais com o outro, viram irmãos a partir desse momento, protegendo um ao outro. Quando separados, sentiam perder parte da sua alma. O menino sempre a protegia.

     A menina fora torturada inúmeras vezes por ele, e vice-versa, mas nunca deixaram de se apoiar, mesmo sem linhagem sanguínea genuína, mas era um caso do destino em que pelas mãos da vida deram feitos para serem da mesma família.

     Cresceram, ficaram fortes, amadureceram, mesmo que com todas as dificuldades, estavam ali unidos e vivendo pelo amor nutrido entre si. Até o dia... que o homem de cabelos de ouro surgiu, roubou a irmã tão amada do garoto agora crescido, tão impotente e fraco.

     Ouço o rugir de uma fera pela imensidão da vasta escuridão, depois percebo serem gemidos de dor e amargura, e o filme com a menina repassa infinitamente pelos meus olhos, e a cada vez sinto meu corpo querer desmoronar e se quebrar ao meio. Nada. Não há nada restando pra mim. A não ser a solidão.

     Vejo o garoto deitado no chão branco, igual à prisão em que ele cresceu a vida inteira, ele fecha os olhos, acabo por fechar ao mesmo tempo que ele, ao abrir vejo um túmulo e uma lápide: "Joana".

     O garoto cai de joelhos na frente do túmulo, agarra a lápide e deixa as lágrimas escorrerem por seus olhos. As lágrimas ao tocarem o chão, tornam-se sangue e percebo que poucas lágrimas, que caíam aos sorvos, transformam-se em um uma torneira de um líquido negro, denso como o sangue. O espelho não mostra mais nada.

     Quando ele volta a mostrar, vejo: "VOCÊ A DEIXOU MORRER".

     Desperto como se de um sonho e me apavoro vendo que quase todo o meu corpo está tomado por densas trevas, tento arrancar meu braço dessa escuridão, mas não consigo, até que saio sem o braço, mas minhas pernas também foram pegas e não consigo correr.

     As trevas me consomem, não sinto nada. Como se estivesse entorpecido, nem mesmo o braço arrancado manifesta alguma dor. "Posso lhe dar uma chance de se vingar."

     Essas palavras abalam minha estrutura apenas por pensar nisso. Eu poderia compensar todos aqueles anos e apenas teria que servir aquele homem... Vale a pena? Ele pode muito bem morrer, cedo ou tarde. Na verdade, deve ser uma questão de tempo... Contudo, acho que estou disposto a pagar pelo risco. Ao menos destruir quem tirou tudo de mim. Mesmo que eu tenha que morrer, vale a pena.

     A escuridão começa a se separar do meu corpo, assim como todas as sombras do lugar onde estou, fazendo que apenas exista o branco. Vejo um eu meu negro com olhos brancos. Também percebo que meu braço está de fora. Se eu realmente quiser sair daqui... Tenho que destruir esse outro eu.

     Fecho os olhos com calma e respiro lentamente. Abro os olhos liberando pressão em todo o espaço em que estou, vejo que a sombra permanece imóvel. Avanço rapidamente contra ela, usando da telepatia e empurro a sombra com força, até que ela é lançada a vários metros para trás, completamente sem reação, até que para.

     Em meio ao ar, flutua e começa a fazer o que fiz segundos antes, porém não tenta me empurra, mas chega até o meu lado, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa e me acerta no core, fazendo com que eu seja quem é arremessado. A sombra continua a me atacar ferozmente, sem me dar tempo pra me defender, até que faço um escudo ao meu redor e faço com que ele se expanda e lanço-a pra longe, mas não a machuca.

     Alcanço-a e agarro seu pescoço fazendo meu soco a acertar em cheio no rosto, ela se choca contra o chão fazendo um enorme buraco com seu impacto. Em um piscar de olhos, ela já se recompõe e faz o mesmo comigo, não tenho a mesma capacidade de contra atacar tão rápido. A sombra inicia um ritmo frenético de socos contra mim, fazendo com que o chão ao meu redor transforme-se em um buraco. Depois uma leve depressão, enquanto sinto minha consciência ir embora, há algo ecoando na minha cabeça: Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, Fraco, FRACO, FRACO, FRACO, FRACO, FRACO, FRACO.

     Tento levantar, mas a chuva de golpes me impede de sequer sair do lugar, sendo cada vez mais esmurrado a cada segundo que se passa. "Preciso de um braço direito". Foi o que ele disse...

     Enquanto a tempestade de palavras continua a me infernizar, um furor começa a se acender, tudo, se eu fosse um pouco mais forte, se eu fosse mais atento, se eu tivesse sido melhor, teria aproveitado cada momento melhor. Há algo de bom na raiva no fim, ela esclarece a mente, permitindo que seja possível ver tudo com clareza, abrindo um novo horizonte pra mim e deixando tudo como água: transparente.

     Uma enorme pressão lança a sombra até o limite deste espaço em que estamos. Com minha mão erguida, aumento a força com impetuosidade fazendo a sombra ser compressa, até que não sobre mais nada dela.

     Abro meus olhos com leveza, sinto-os um pouco inchados. Foi um sonho bem intenso. Depois de deixar Wendler, achei uma duna e transformei-a em uma gruta, nisso fiquei um tempo a sós. Percebo que estou completamente molhado de suor.

     — Já acabou o luto... — falo comigo mesmo enquanto penso. Tenho coisas pra fazer. 

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