Capítulo 10 - A verdade
~ Wendler
Algo machuca meus pulsos, parece que estou sentado. As correntes e o chão frios são tudo o que sinto. Tento abrir minhas pálpebras, mas não consigo, elas parecem chumbo.
Parece que perdi minha consciência por alguns instantes. Agora, um pouco mais lúcido, começo a me lembrar do que aconteceu, eu fui derrotado e gravemente ferido, mas não lembro de nada depois disso, será que ainda estou no mesmo lugar? Não consigo escutar nada, nem o respirar de qualquer pessoa. Na verdade, meus ouvidos parecem estar obstruídos por algo, sinto dificuldades em respirar e pareço estar fervendo, ainda não tenho forças pra abrir as pálpebras.
Desperto assustado, mas não consigo reagir de maneira alguma. Sinto algo quente descendo pela minha garganta, o gosto é bastante amargo, porém, julgando o tamanho da fome, é provavelmente a melhor coisa que vou conseguir pra viver, ao menos isso. Percebo que outros estão comendo, já que ouço pessoas sugando algo parecido com uma sopa.
Minha rotina se repete por uma infinidade ininterrupta, nunca me senti assim, impotente. Não consigo fazer nada, mas sinto que minhas forças estão começando a voltar, vagarosamente. Bom, no fim, eu preciso abaixar minha cabeça pros que estão nesse lugar, afinal, enquanto me forem úteis, preciso deles.
A dificuldade em respirar começa a passar, parece que o pano que cobria meus pulmões foi finalmente retirado. Faço um esforço a mais, quero conseguir enxergar algo além de escuridão. Enxergando, depois de tanto tempo, decepciono-me por estar em um completo breu.
— Finalmente acordou bela adormecida! — a voz familiar parece ser a de Ben.
— Há quanto tempo estou aqui? — minha voz parece um sussurro de tão fraca.
— Algumas semanas — ele fala com um sorriso no rosto. — Você fez um show e tanto, não?
Não respondo, não estou com muita calma pra qualquer tipo de brincadeira, minha cabeça está latejando muito.
— Desculpa, não foi a melhor hora — ele se redime e eu simplesmente aceno a cabeça, mas faço o gesto agradecido pela compreensão. — Quer ouvir a história de um derrotado?
— À vontade.
— Existiam três jovens — sua voz, subitamente, fica embargada, como se tivesse se lembrado de um ferimento que marca sua alma até o mais profundo dele —, eles eram muito unidos, não eram irmãos, apenas colegas. Viviam em um lugar de merda, não importa como você veja.
Ele faz uma curta pausa, pra beber um pouco, acho que ele faz isso pra não se emocionar ou se pegar tanto nessa lembrança.
— Mas o engraçado é que eles construíram uma família maravilhosa, porque o que importava eram aquelas pessoas — ele continua. — Então, um dia, eles decidem que não querem mais ficar naquele lugar horrível. O mais velho, determinado pela liberdade, começa a se programar, verifica a segurança, ronda dos poucos guardas, mediu o poder de todos os que estão nesse lugar, descobriu a planta de todos os caminhos aqui dentro, três longos anos foram necessários para fazer tudo, sem levantar suspeitas. Finalmente, após muito se programar, tudo está preparado.
Ele simplesmente se silencia, seu olhar está distante, parece que uma lágrima deseja escorregar pelo seu rosto.
— E então?
— C-Como?
— O que acontece em seguida?
— Ah! — ele ri um pouco. — Desculpa, pensei que não estava prestando atenção.
— Claro que estou. Você me perguntou se queria ouvir, não discordei; agora eu quero saber do final.
— Claro, tem razão. Bom, após isso, eles estavam muito contentes, aconteceu que irradiavam sua felicidade, o que causou estranhamento a todos, afinal, aqueles três riam, brincavam... Era uma felicidade genuína, como a de crianças. Então, eles pegaram aqueles três, o grupo cogitou que aquele era o fim deles; entretanto, não foi o caso. Eles foram levados para uma espécie de galpão abandonado, todos estavam presos em suas respectivas cadeiras.
— Espera um pouco. Como você chegou nesse lugar?
— Guardas nos pegaram, tiraram-nos à força dos nossos quartos, fomos levados para um salão secreto.
— Entendi. O que fizeram com... eles? — prefiro não me referir a ele, sinto que ele acabará sentindo uma culpa.
— Dentro do galpão, subitamente, das sombras, surgem vários homens de jalecos, eles injetam alguma droga neles e os seguram, para que não conseguissem revidar... Por algum motivo, o líder deles, não fora afetado por conta daquelas drogas, talvez tivessem errado na dose, inocente ele era. Teria sido melhor se ele tivesse sido afetado, pois ele vê sua família parecendo bonecos sem vida, sem lembrança, vida, simplesmente duas cascas vazias paradas. Não se lembravam de seus nomes. Nada. Todos tiveram que assinar alguns documentos, que possuíam caracteres estranhos, diferente de tudo que o líder já vira. Eles são levados para fora da instalação, são deixados em uma única casa, espalhados em quartos diferentes, o líder, talvez corajoso ou idiota, decide se misturar com essa estranha mudança, mesmo que ele tivesse crises todas as noites. Nessa nova casa, eles têm pais muito bondosos e atenciosos... Ou era o que esses "pais" tentavam transmitir, tais não contavam com o líder, que descobriu suas reais intenções. O grupo fora mandado para uma "liga", onde, o que era visto pelo mundo, seria uma organização de "heróis" dotados de poderes sobre-humanos. Estes combatiam contra bandidos, ameaças contra a terra, sendo provindas do espaço, ou do mar, terroristas, o mundo nunca esteve tão bem, tranquilo, pacífico, os heróis sempre estavam lá para proteger a todos... Claro, isso é o que o mundo sabe, mas não é nem um terço da verdade. Essa "liga", na verdade, é a dona da instalação que o trio passou a vida inteira, aquele lugar fabricava os super heróis, os que conseguissem apresentar algum índice de felicidade, eram levados.
Ele faz uma longa pausa. Inspira vagarosamente e depois deixa o ar fugir rapidamente, começa a ficar distante mais uma vez, prefiro ouvir essa história até o fim.
— Então, um dia, o líder começa a gostar daquele mundo, daquele novo estilo de vida, ele estava começando a entender a razão de terem tentado apagar a memória deles, pois poderiam viver uma vida sem as dores e cicatrizes da instalação, mas tudo parecia valer a pena por conta dos sorrisos das crianças... Mas nem tudo é um mar de rosas, todos os feitos heroicos que eles pensavam fazer... Mera ilusão. Tudo era programado pela Liga, ela criou os heróis e arquitetaram e formaram os bandidos e criminosos, juntamente com as ameaças espaciais, meteoros, fazendo assim, um ciclo vicioso e doentio de atuação, agindo como se ela fosse o bem, quando também fazia o mal. As vidas que a Liga salvava, ela tirava de maneira balanceada, ficando em uma dança eterna, porém, diferente da dança entre o bem e o mal, que tem duas pessoas distintas, é uma dança solitária e doentia, composta apenas por um que finge ser dois, enganando a todos.
— ...
— Quando o líder do trio descobriu isso... Ele teve um lapso, algo próximo de um surto psicótico, lembranças de crianças, homens, mulheres, famílias que tiveram suas famílias perdidas por conta dos ataques arquitetados pela Liga, naquele momento, ele simplesmente entendeu que nunca viveu nada. Sua vida sempre decorreu por conta dos miseráveis da Liga. Enfurecido, o líder decide pôr um fim em tudo. Como eu disse, tolo. Ele começou a planejar uma vingança, entretanto, seus superiores, até mesmo seus amigos, começaram a perceber uma mudança súbita de comportamento. Seu superior, Alexander, interrogou-o sobre suas ações estranhas, ele tentou, insistentemente, fazer o líder falar, nada adiantou. O líder, estando enfurecido ou não, entendia melhor do que ninguém que precisava se controlar, caso contrário, todo seu trabalho seria desperdiçado. Após um ano, o plano, quase pronto. Tudo estava perfeitamente organizado, até que... — Ben cai no sono, não entendo o motivo, a história é muito grande.
Passam cinco minutos, o desgraçado continua dormindo. Tento assimilar toda a informação, mas acho que a má alimentação tem afetado meu raciocínio lógico, mas vou digerindo as informações aos poucos.
Acabo apagando novamente. Horas se passam, a sensação de algum líquido descendo por minha garganta me desperta, mas continuo muito fraco pra afastar o prato. Quando os homens que estavam nos alimentando finalmente saem.
— Ainda acordado? — Pergunto, já que queria saber o fim da história.
— Sim — ele responde um pouco constrangido.
— Perdão. Acho que acabei bebendo demais.
— Ainda se lembra do que você tava falando?
— Lembro, sim. Não vou beber tanto dessa vez. Só queria saber uma coisa. Por que você não parece se interessar na história?
— Estou tentando prestar atenção. Quero ter uma conclusão correta quando você terminar. Tenho que me decidir sobre uma coisa.
— Certo. Como eu dizia, tudo já estava pronto. Alexander havia descoberto os planos do líder, ele cometera um deslize que lhe custou tudo. Alexander reuniu os dois amigos do líder, estavam vendados e com mordaças; nada convencia Alexander, independente do que o líder dissesse ou quanto ele implorasse. No fim, aqueles dois amigos morreram, na frente do líder. Eles torturaram os dois até o fim, tudo na frente do líder deles. Ele perdeu o chão. Não sabia como reagir, não sabia o que fazer, simplesmente desabou, na frente do torturador das pessoas que ele considerava ser sua família e que também era quem arruinara seus planos. Naquele instante, Eu finalmente tinha entendido, não há meios de vencer a Liga, minhas esperanças quebraram ali mesmo.
— Ben começa a se comover, e uma lágrima desce de tobogã pelo seu rosto. — O desgraçado me trouxe e me deixou apodrecer aqui. Mas, ainda tinha esperanças, já que eu não conseguia fazer nada por mim mesmo, decidi reunir outros... Assim como você, mas aqui todos os "alunos" desistiram dessa ideia. Então fugi de novo, mas, novamente...
— Eles deixaram você ficar aqui com as memórias intactas?
— N-Não, eles aplicaram novamente a medicação, não surte efeitos em mim.
— Seu poder tem algo relacionado a isso?
— Não sei ao certo. Só sei que não surte efeitos em mim.
— Perdão por te interromper.
— Sem problemas. Consegui fugir por ter sorrido novamente.
— Entendi.
— Quando voltei a cidade, todos apoiavam a Liga, mas não era apenas apreciar e respeitar o trabalho que eles faziam. A população amava a Liga, muitos chamam seus membros de enviados de Deus, principalmente os heróis, tudo se rendeu a ela. Após muito tempo, eu finalmente consegui achar pessoas que eram contra a Liga, eles se auto denominavam de exército revolucionário, todos haviam conseguido fugir das mãos da Liga e foram criados aqui, assim como nós dois. Eles haviam perdido o último líder deles há pouco tempo e, aparentemente, esse homem era o único motivo deles estarem unidos, suas esperanças foram exterminadas. Por fim, fui capturado pela segunda vez, Alexander chegou a conclusão que eu tinha uma resistência interessante contra a droga, ele me deixou aqui preso e testa todas as novas drogas comigo, minhas refeições têm mais gosto de drogas do que qualquer outra coisa... Todo tipo de medicação eles aplicaram, nada eu senti. Então, foram aumentando a intensidade das drogas. O maior problema foi a escuridão, horas e horas aqui, tendo "visitas" que, com certeza, eu preferia que estivessem mortas, pra dizer o mínimo. Eles trouxeram bebida pra mim, comecei a beber muitas quantidades e procurei nas drogas as tonturas para diminuir meu processamento, mas de nada adianta. O máximo que me acontece são desmaios, nada mais. O motivo de eu ter lhe contado tudo isso é que eu quero que desista. Você não tem a mínima chance de obter algum sucesso disso. Tudo que terá serão dor e remorso, ou pode acabar ficando como eu. Desista, nós só temos a capacidade de fazer nada. É inútil tentar qualquer coisa. Apenas deite aí e espere o fim chegar, assim como eu estou. Quer uma bebida?
Até penso em responder, mas, por algum motivo a voz não sai da minha garganta. Sinto que estou prestes a desmaiar de novo.
Uma brisa suave a qual já estou bastante familiarizado bate contra me corpo, abro meu rosto desejando ver o belo céu azul que há dentro da minha imaginação. Abrindo os olhos, não sinto a grama em que eu estava deitado, estou caindo, parece que não há fim, observo que acima de mim há uma luz, curioso por saber o que me agradava no fundo, havia apenas escuridão e um abismo ao lado, fico estático no ar. Fico entre aquele abismo e o aquele campo verdejante. As coisas que Ben disse ecoam na minha cabeça, fazendo uma enorme tempestade dentro da minha cabeça.
Por um lado, penso em seguir as dicas de Bem, simplesmente desistir, claro, eu não vou aceitar porcaria alguma de bebida ou droga, mas eu poderia ficar simplesmente aqui e apodrecendo.
Por outro, eu posso fazer a minha vingança contra esses desgraçados, a cada segundo que se passa mais eu quero matar cada um desses psicopatas. Tudo que eles fizeram contra Ben, contra todos que estão sendo usados como cobaias, aquele estudante que tinha na minha sala... Ao que houve comigo, matando inocentes, usando-os como se fossem ovelhas e eles que mandassem no matadouro. Eu vou destruí-los.
Sinto algo se formando embaixo das minhas costas, é duro e liso. Levanto e vejo que é um grande piso negro e largo, estou na metade daquele morro e do abismo ali embaixo. Então, o que esse sonho significa? Vai saber, na verdade, o que me irrita mais é o fato de ter cogitado em desistir.
Acordo, não sei quanto tempo faz desde que eu estive acordado, mas vejo que Bem permanece acordado.
— Desculpa, dessa vez fui eu que acabei dormindo no meio da história.
— Não se preocupe, você está praticamente subnutrido, eles não te alimentaram muito bem durante o tempo em que você se recuperava. E então?
— O quê?
— Vai desistir de se rebelar contra esse lugar?
— Sabe me explicar como os poderes de alguém funcionam?
— C-Claro — ele claramente estranha a pergunta repentina. — Elas dependem do usuário que a detém, se sempre se focar e aprimorá-la, tenha certeza que será um poder formidável.
— Entendo. Sabe me dizer se posso aprimorar o meu poder para teleportar outras coisas que não sejam o meu corpo?
— Bom, é provável que possa, mas isso vai depender de você.
— Obrigado.
Ele está claramente inquieto.
— Qual a sua resposta?
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top