♔ Capítulo 3 ♔
O salão estava claro como se fosse o dia. Aldeões sorriam para todos os lados em que olhava. Eles cumprimentavam de maneira alegre, mas os nobres mantiveram sua cabeça erguida excessivamente e seguiram para seus lugares.
Conhecendo Hesla o suficiente, ela deve estar em uma batalha interna entre continuar a agir como a nobreza e não ser reconhecida ou retribuir o aceno dos camponeses.
A música voltou a ser tocada, e o povo desapontado retornou as conversas e danças que havíamos interrompido.
Resisti ao impulso de me sentar e apenas me recostei próxima a uma das janelas, perto o suficiente da mesa de comida para me servir quando desejasse.
Em meio à multidão, reconheci uma cabeleira grisalha junta a um sorriso torto. Meu pai usava vestes simples para se misturar ao povo. Segurava uma taça com vinho e ao que parecia cortejava uma mulher pouco mais velha que Hesla, ele estava empenhado em seu papel de conseguir com urgência uma nova companheira. Era claro que ele não estava confortável com a situação. Amava minha mãe mesmo com o casamento tendo sido arranjado, e se não fosse por minha causa ele poderia viver seu luto em paz.
Ele era um bom rei, e merecia ter tido uma boa filha.
Senti uma súbita vontade de chorar. Segurei o máximo que pude, do contrário Hesla amaldiçoaria todas as minhas gerações por estragar a maquiagem em que ela se empenhou tanto.
Parte da luz me foi bloqueada por um alto rapaz. Ele se curvou e estendeu sua mão para mim, os olhos por trás da máscara repletos de expectativa.
— Me daria honra de uma dança? —senti malícia em suas palavras, mas havia prometido para Hesla que me esforçaria para me divertir e enturmar enquanto não soubessem quem sou. Dei o melhor sorriso que pude e segurei sua mão com a minha. Eram macias, diferentes da de um homem que trabalha no campo. Suas roupas eram de boa qualidade, mostrando que era um rico atrás de um título na nobreza.
Minha fantasia deveria ter sido simples como a de meu pai. Com esta, mesmo não tendo uma coroa sobre minha cabeça ainda atrairia todo tipo de gente ansiosa por status e poder.
— Se me permite, senhorita, sua beleza pode derrubar reinados mesmo encoberta dessa forma. — ele disse ao me segurar pela cintura, me conduzindo pela pista de dança. E se aproximou mais que o necessário para continuar a falar. — Adoraria conhecê-la melhor.
Por cima de seus ombros, enxerguei Hesla dançando com um moço esguio. Ela de fato estava se divertindo.
Para a sorte de meu acompanhante minha memória muscular o salvou de diversos pisões enquanto dançava mantendo meus olhos em tudo, exceto nele.
—Está conseguindo me ouvir? — me questionou, a voz um tanto mais alta que o comum. — Aqui está muito cheio, péssimo para conversas. Podemos ir para um local mais reservado, se assim a senhorita desejar.
A malícia em sua voz era tamanha que meu estômago se embrulhava. Pude sentir que ele tentava me guiar para fora da pista de dança e me desvencilhei de seus braços.
— Algum problema, senhorita? — perguntou ele, como se não soubesse o que estava fazendo de errado.
— Perdão, senhor. Mas não irá conseguir nada de mim nesta noite. — o respondi de forma ríspida e me retirei para perto da mesa de comida mais uma vez.
Enfiei alguns doces na boca como uma maneira de me distrair do ocorrido desagradável. O que não durou muito, já que mais uma vez aquela sombra apareceu.
— Me desculpe se fui muito... Antiquado, senhorita. — começou a dizer. — Se houver alguma forma de lhe compensar. Por favor, me dê mais uma chance!
Olhei a minha volta, percebendo que alguns guardas que me reconheciam se encontravam em postos para agir, mas não queria que minha identidade fosse revelada em tão pouco tempo.
Tentei pensar em algo que me ajudasse a me livrar dele sem causar nenhum alarde, e uma ideia me veio à mente.
— Na verdade, me sinto um pouco tonta. Poderia me fazer um favor?
— Claro! Tudo o que desejar, milady. — respondeu prontamente. Quando ia abrir a boca para dizer mais, o cortei.
— Poderia me trazer uma flor do jardim? O cheiro me ajuda a conter a tontura. — menti com a feição mais inocente que consegui.
— Trarei a mais bela de todas! — disse desesperado por aprovação, e sumiu entre a multidão.
Também já não conseguia avistar meu pai, e Hesla se encontrava bem entretida em sua dança.
De repente lembrei-me de minha mãe. Ela com certeza seria a mais chamativa do evento, mesmo vestindo trapos, era tão bonita que nada podia apaga-la.
Pelo visto nada, a não ser a morte.
— Também não se sente empolgada? — uma moça se aproximou de mim, se aproveitando das guloseimas disponíveis assim como eu. Pelo timbre da voz, creio que mesmo sem nada cobrindo seu rosto ainda não a reconheceria.
A minha falta de resposta não a impediu de continuar falando.
— Vivo nos campos próximos do norte da fronteira. Achei que um baile como esse pudesse me animar, mas estando aqui acho que preferiria estar na fazenda. — e virou uma taça de vinho em um único gole. — Está sozinha aqui?
Confirmei com a cabeça, ignorando que aquela era a minha casa e todos os criados ali me conheciam.
— Vim com meu irmão e um amigo. Mas são tantas pessoas que não consigo mais encontra-los. — ela disse, balançando a taça vazia para um garçom.
Ela foi servida mais uma vez. Seu vestido era de um vermelho impactante, que combinaria com poucas pessoas, mas nela era perfeito.
— Não é de falar muito? — questionou ao beber mais um belo gole, e acenei novamente com a cabeça.
Ao longe pude ver a silhueta de meu ex companheiro de dança e me desesperei para encontrar outra forma de me livrar dele. A garota de vermelho me observava por cima da taça, com sorriso maroto nos lábios.
— Quer fugir daquele cara? — não precisei dizer uma palavra, meus olhos me denunciavam totalmente.
Quando percebi estava sendo levada por uma desconhecida pelo meio de todos.
A pista de dança agora aparentava estar ainda mais cheia, mal conseguíamos passar por entre as pessoas graças a meu enorme vestido.
Todos não passavam de meros borrões, até que eu o vi, e fui obrigada a parar.
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