Capítulo Vinte e Um

Arden estava estupefacta. Levi Saint estava morto, ela sabia disso há cinco anos, mas ali estava ele. Escondido por baixo de Peter Landon. Como que para se refugiar no único pedaço de realidade que permanecia, Arden focou-se nos olhos do rapaz à sua frente: castanhos, não azuis como os do cantor. Quando Peter – Theo, Levi – percebeu para onde ela olhava, assentiu solenemente e virou-lhe costas por dois segundos. Ela reconheceu o gesto de uma pessoa a tirar lentes de contacto. Como é que ela nunca tinha notado naquilo quando eles dormiam juntos?

- Como? – a voz dela soou seca e ela soube disso assim que a ouviu. Peter – Theo, Arden – mostrou-se visivelmente triste. – Como é que eu nunca reparei nisso? – apontou para as lentes de contacto, que continuavam nas mãos do rapaz.

- Eu nunca adormecia ao mesmo tempo que tu e colocava sempre um alarme para acordar antes. Tu és uma pessoa de rotinas, acordas sempre à mesma hora. – encolheu os ombros, como se não estivesse a expor uma fraqueza dela.

Theo continuou a olhar para ela, sentindo o seu coração bater cada vez mais rápido. As suas mãos continuavam trémulas e ele sentia-se quase a perder o controlo, mas sabia que aquele confronto era absolutamente necessário. Arden tinha questões – claro que tinha – e ele estava pronto para responder a todas, porque ela merecia saber a verdade. Talvez dali a uns dias ela lhe provasse não ser de confiança mas, naquele momento, importava o suficiente para Theo querer dizer-lhe tudo o que existia a saber sobre ele. Sobre Levi Saint, Theo Levi e Peter Landon.

Por uns segundos, Arden não disse nada e, apesar de a sua expressão não estar a mudar, Theo conseguia ver tudo o que passava pelos seus olhos. Se eles tinham criado alguma coisa durante aquelas semanas, tinha sido intimidade: Theo conseguia lê-la melhor do que ela achava. Infelizmente, não era o suficiente para ele saber o que se passava dentro da sua mente, apenas suficiente para ele saber como ela se sentia. Arden, a Arden com quem ele passava dias e noites, estava visivelmente traída, mas Arden Kallis, a jornalista, estava completamente curiosa. Ele quis baixar a cabeça para se desviar da intensidade dos seus olhos azuis mas não conseguiu, nem se permitiu. Precisava de encarar tudo aquilo de cabeça erguida.

- A morte é um assunto divertido para ti, então? – perguntou ela finalmente, com uma voz cruel. – Finges a tua morte sem qualquer problema?

- Arden. – Theo interrompeu, esticando uma mão para agarrar a sua. Arden não se afastou, mas o olhar que ela lançou às suas mãos assim que se tocaram foi o suficiente para ele estremecer por dentro. Não retirou a mão, no entanto. – Não estás a perceber.

- O que é que não estou a perceber, Peter? Ou, melhor, Theo?

- Não estás a perceber que eu tentei morrer. Eu engoli todos aqueles comprimidos, eu fui para o hospital. Eu morri durante uns segundos, aliás, mas os médicos conseguiram ressuscitar-me.

Foi visível nos olhos da jornalista que ela não estava preparada para aquilo. Como seria de esperar dela, ela assumiu automaticamente a pior das situações. Que ele teria fingido tudo e não apenas o facto de ter morrido. Não sabia como é que ela era capaz de olhar para ele, conhecendo-o tão bem, e continuar a achar que ele seria capaz de uma coisa tão dissimulada, mas talvez a resposta fosse simples. Talvez Arden achasse que ele tinha mentido em tudo, não apenas na sua identidade. Ele precisava de lhe dizer que não era esse o caso, que ela o conhecia, apenas por outro nome. Que há quase dez anos que ele não era tão honesto com alguém como tinha sido com ela.

No outro lado da cama, Arden ponderava o que dizer. Se ele não tinha mentido em relação à tentativa de suicídio, tudo aquilo que se sabia em relação à carreira de Levi Saint era verdade. Tudo o que ela publicaria dali a dois dias na revista seria verdade, tal e qual como jornalismo devia ser. Ainda assim, ela sentia-se mentirosa, falsa, apenas porque, à sua frente, estava a pessoa que deveria estar morta. A triste verdade era que a revista só dedicara toda uma edição a Levi Saint porque ele estava morto – porque a sua morte tinha sido um final dramático e trágico para toda uma carreira repleta de dor. Ela não sabia lidar com o facto de estar a olhar para ele, de o ter beijado, de lhe ter tocado tantas vezes durante todas aquelas semanas. De se ter apanhado a gostar de Peter Landon, apesar de todas as suspeitas que tivesse sobre a sua identidade.

Até a sua voz era diferente.

Todo ele era diferente fisicamente mas, ao olhar diretamente nos seus olhos, ela via as mesmas coisas que sempre vira quando a cor era mais escura.

- Eu acordei umas horas depois...eram umas duas ou três da manhã. – Theo começou por contar, uma voz à qual ela ainda não se havia habituado. – Os meus pais estavam obviamente a chorar, a minha irmã e o marido também. Era de madrugada, os médicos já tinham feito tudo o que podiam, mas eles continuavam agarrados à esperança de que eu pudesse acordar. Aquilo partiu-me o coração, vê-los a sofrer daquela maneira. – com um suspiro trémulo, ele continuou – Acredites ou não em mim, Arden, eu passei os últimos dias da minha vida...como Levi Saint, digo...com a decisão de que me iria matar. Não sabia quando, nem onde, mas sabia que o iria fazer. Consegues imaginar viver assim?

- Não. – Arden respondeu, apesar de ser uma pergunta retórica. A sua voz estava mais suave e Theo considerou isso um bom sinal. – Tu querias mesmo morrer.

- Sim. – encolheu os ombros. – Não vale a pena explicar-te tudo aquilo, porque o importante para ti é perceberes como e porque é que estou aqui hoje, certo? – Arden não respondeu, mas ele sabia que tinha razão. – Um dia, se me quiseres ouvir, falamos disto.

- A tua voz está diferente.

- Incomoda-te?

- Não sei.

A honestidade de Arden foi o suficiente para Theo se sentir um pouco mais leve. Nos primeiros momentos da sua confissão, ela estava perfeitamente apática, distante, e o seu coração apertara com o medo de que ela estivesse a gravar cada palavra da sua confissão no seu cérebro, para poder escrever um artigo e expô-lo ao mundo. Ao olhar para os seus olhos azuis, no entanto, e a sentir a sua mão sob a sua, a mover-se suavemente para entrelaçar os seus dedos, Theo ganhara mais fé na jornalista à sua frente. Ele falava lentamente, tentando não dar mais informação do que devia, porque não queria sobrecarregá-la. Arden Kallis muito dificilmente seria sobrecarregada de informação, ele sabia, mas ainda assim queria poupá-la.

- Continua. – Arden pediu, numa voz mais suave do que utilizara nas últimas vezes que falava.

- Acordei e os meus pais quase desmaiaram de felicidade. – Theo sorriu, ao lembrar-se. Era um sorriso triste. – Eu...bem, eu comecei a chorar porque não queria estar vivo. Só conseguia pensar que nem morrer tinha conseguido, que era um falhado em mais uma parte da minha vida.

Arden nem sequer pestanejou, portanto ele continuou.

- A minha mãe agarrou-se a mim e quase me implorou para nunca mais fazer nada daquilo. Eram duas da manhã, eu tinha acabado de ter o meu estômago lavado para tirarem todas as drogas do meu corpo...estava mais que fraco. Não me lembro bem dos detalhes da conversa, mas lembro-me da pergunta que fiz. E se eu fingirmos que eu morri?

Theo começou a rir e continuou a contar, embora numa voz triste, a forma como os seus pais quase lhe bateram por sugerir aquilo. De como passaram as duas horas seguintes a testar a ideia, com todos os prós e todos os contras, até finalmente toda a família concordar que seria o melhor. Explicou como, para os seus pais, era melhor fingir que o seu filho tinha morrido para todo um mundo do que levá-lo de novo para o centro das atenções e vê-lo a tentar matar-se dali a uns tempos. Theo explicou com cuidado quão inevitável era uma segunda tentativa de suicídio da sua parte, para Arden perceber que nunca planeara nada daquele género. Peter Landon nascera por pura e crua necessidade e ela tinha que perceber aquilo. Poderiam nunca mais falar depois daquela noite, mas não poderia separar-se da jornalista com ela a achar que ele seria uma pessoa desprezível àquele nível.

Arden observava-o atentamente, sem saber bem o que dizer. De um lado, estava a jornalista que vivia dentro de si, a querer partilhar aquela história de tão fascinante que era. Do outro, estava a Arden que Theo – na forma de Peter – tinha ajudado a criar, a Arden que conseguia sorrir e ser carinhosa. Que ela gostava verdadeiramente de ser. Quanto mais o ouvia falar, mais ela percebia que os dois eram a mesma pessoa e que ele nunca lhe tinha mentido em muito mais que no nome que lhe dera. Se se tratasse de outra pessoa, talvez ela fosse suspeitar de tudo o que ela pudesse ter dito, mas Peter nunca fora nada mais que honesto. Tinha sido das coisas que ela apreciara mais nele desde o início. A honestidade de um olhar nunca se poderia fingir, Arden sabia disso.

Ela conhecia-o. Muito melhor naquele momento, depois de ele contar a verdade, mas sempre o conhecera.

- Devia começar a chamar-te Theo, então?

- Por favor, sim. – o olhar desesperado que ele mostrou foi o suficiente para ela sorrir. Ele ainda sofria, mesmo cinco anos depois.

Ela esticou o seu pescoço e, suavemente, depositou um beijo na sua bochecha. Levou as suas mãos a cada um dos lados da sua face e olhou atentamente para o homem à sua frente. Theo Levi, conhecido por Levi Saint, o seu cantor preferido desde que ela tinha vinte anos, estava à sua frente. Olhos azuis em vez de castanhos, cabelo castanho em vez do loiro...sem bigode. Arden observou atentamente os lábios que estavam quase a tocar nos seus e percebeu quão desesperada tinha estado, inconscientemente, para ver a sua cara sem nada. Sem barba, sem bigode. Quase como mecanicamente, Arden beijou-o. Não resistiu, por muito que ainda existisse um tumulto dentro de si própria. No momento em que os seus lábios tocaram, ela voltou a perceber: sempre beijou aquele rapaz, apenas o nome havia sido diferente.

- Arden. – ele interrompeu o próximo contacto, acariciando o pescoço da jornalista com um dos seus polegares. – Precisamos de falar, ainda.

- Hm. – ela concordava, mas não queria ser vista como a que não se conseguia controlar. Theo sorriu, parecendo saber exatamente o que ela estava a pensar.

Ele parecia sempre.

- Eu sei que... - engoliu em seco e voltou a olhar diretamente nos olhos azuis da jornalista. Forçou-se a si mesmo a dizer as próximas palavras. – Eu sei que a tua carreira é a coisa mais importante da tua vida, Arden, e não te vou julgar se a primeira coisa que fizeres for escrever um texto e publicá-lo em algum lado.

Arden afastou-se quase como instantaneamente. Olhou-o com toda a incredibilidade do mundo, fazendo-o sentir-se pequenino. Depois, pensou, e percebeu que Theo não estava errado. A primeira coisa que lhe passara pela cabeça fora contar ao público a verdade – talvez fosse mais parecida com o seu pai do que gostava de admitir. Ou, pior, talvez ela estivesse a tornar-se exatamente naquilo que ele quisera evitar: uma pessoa sem qualquer escrúpulo em estragar a vida de outrem. Decidiu para si mesma que iria respirar fundo e ouvir atentamente a tudo o que Theo iria dizer, então, e foi isso mesmo que fez.

- Eu não vou julgar. Mas...mas uma parte de mim tem esperança de que não queiras fazer isso.

Quero? Arden perguntou a si própria, não sabendo exatamente a resposta. Olhou de novo para os olhos recém-descobertos de Theo – cujo nome já estava, lentamente, a infiltrar-se na sua mente e a substituir o de Peter – e a resposta parecia-lhe clara. Se ela preferisse ser Arden Kallis em vez de simplesmente Arden, perderia aquilo que tinha ali mesmo, na sua cama. Valeria a pena?

- Contei-te porque senti que tu devias saber a verdade. Durante estes cinco anos...eu não me envolvi com ninguém. Já deves ter calculado que os ataques de pânico que tive estavam relacionados com o medo de alguém me descobrir. – Arden assentiu num só gesto, como sempre.

Só naquele momento é que ela percebeu que a sua expressão tinha voltado àquela de indiferença que a caraterizava, e por isso é que Theo estava nervoso, a falar quase sem respirar. Ela queria ajudá-lo, facilitar a sua vida, mas queria ouvir o que ele tinha a dizer. Ainda sentia a pontada vinda do facto de ele ter duvidado de si, mas ela sabia que aquele medo era completamente justificado. Se as situações fossem inversas, Arden provavelmente não teria nunca contado a verdade, porque uma suspeita teria sido o suficiente para a manter longe. Theo era mais forte que ela, mais dado a pessoas que ela. Por isso é que ela gostava tanto dele.

- Nunca me envolvi com ninguém porque nunca quis colocar ninguém na posição em que te estou a colocar agora. – Theo baixou a cabeça, mas ela esticou o braço quase automaticamente, para levantar o seu queixo e forçá-lo a olhar para ele. Ele sorriu, tristemente. – Por isso, eu peço desculpa.

- Obrigada. – ele voltou a sorrir, assentindo. – Eu não vou contar a ninguém.

A forma como os olhos de Theo se arregalaram fê-la sorrir. O seu polegar deslizou pelo lábio inferior do cantor e ela aproximou-se lentamente. Quase como que num transe, ele não se mexeu, limitou-se a olhar para ela como se ela fosse uma espécie de ser sobrenatural. Ela adorava a sensação que sentia quando ele olhava para ela daquela forma.

- Estás a falar a sério?

- Sim.

Num segundo, ele agarrou-a pela cintura e cercou-a na cama. Arden sorriu mais uma vez, vendo a felicidade nos seus olhos azuis. Ele baixou a sua cabeça e beijou-a intensamente, quase como se estivesse a tentar dizer-lhe qualquer coisa que não tinha dito antes. Ao beijá-lo, ela imaginou uma vida como a que ele tinha vivido nos últimos cinco anos. Ele deveria estar realmente desesperado para se desapegar de Levi Saint para ter sugerido algo tão drástico como o que fizera. No entanto, naquele momento, ela apanhou-se a não querer saber de quem ele tinha sido. Levi Saint parecia uma pessoa completamente distante daquela que estava ali, com ela, apesar de partilharem um corpo e uma história. Sobre o seu corpo estava Theo Levi, a lutar para a conquistar.

- Prometes? – perguntou, beijando o seu maxilar.

- Prometo. – respondeu-lhe Arden, deitando a sua cabeça para trás. – O teu cabelo é tão suave.

Theo riu alto, voltando a beijá-la. Arden continuou a puxar os cabelos castanhos, da mesma maneira que fizera quando eles eram loiros. Daquela vez, no entanto, ela não sentiu o seu corpo a ganhar tensão e percebeu automaticamente o porquê das diferenças.

- Theo. – sussurrou, quando sentiu as suas mãos acariciarem-na. Ele sorriu contra a sua pele.


eu ADORO reler este momento <3 já reli esta história umas três vezes - porque sou egocêntrica assim ahaha - e este capítulo atinge-me right in the feels

espero que a nossa arden não vos tenha desiludido <3 sempre acreditaram nela? 

obrigada a quem tem lido!! espero que estejam a gostar eheh <3

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