Capítulo Vinte e Quatro

No dia que marcou o terceiro mês da relação entre Arden e Theo, ela apanhou-se no seu escritório, com a cadeira virada para a gaveta que mantinha sempre fechada, a olhar para as ideias de artigos que tinha escrito. Nos últimos dias, ela sentira que algo tinha mudado entre ela e Theo e estava assustada. Não algo mau, mas algo a que ela não estava acostumada. Apenas em três meses, o ex-cantor conseguira infiltrar-se completamente dentro da vida de Arden, mesmo quase nunca saindo de casa. Continuavam a encontrar-se sempre no apartamento dela, porque a sua casa era demasiado conhecida e, na rua, qualquer coisa poderia acontecer. Fora isso, falavam constantemente ao telemóvel e Arden começava, finalmente, a conseguir consolidar tudo isso com a atenção que o seu trabalho pedia.

Durante toda a sua vida, Arden habituara-se a dedicar todo o seu tempo e esforço ao seu trabalho. Se precisasse, não dormia para terminar uma pesquisa ou mesmo um artigo. Saía do escritório quando queria – ou quando Emily autorizasse – e fazia tudo o que fosse preciso para conseguir a informação que pretendia. Era considerada a jornalista mais feroz porque se dedicada inteiramente ao seu trabalho. Com Theo na sua vida, no entanto, ela já não conseguia fazer isso com tanta dedicação como queria. Não que ele fosse um obstáculo à sua profissão porque nunca, em alguma vez, ele a impedira de fazer qualquer coisa e muito menos lhe roubava tempo que ela não quisesse gastar com ele.

Ainda assim, era visível a diferença. Quando se olhava ao espelho, Arden já não via a mesma pessoa. O seu reflexo já não era o de uma pessoa com olhos distantes, lábios sem um sorriso e expressão atenta e profissional; pelo contrário, era visível a felicidade nos seus olhos, que se haviam tornado incrivelmente mais brilhantes nas últimas semanas. Joslin, quando falava por chamada com a jornalista, não se fartava de dizer quão mais feliz ela soava. Arden gostava de conseguir considerar aceitar o comentário como um elogio, mas era-lhe impossível. Sentia-se a mudar demasiado rápido, apesar de terem passado meses. Tinham passados demasiados anos de Arden a tornar-se, lentamente, numa versão cada vez mais parecida com o seu pai para, no espaço de meses, se tornar completamente diferente.

Era-lhe perfeitamente claro que adorava Theo. Talvez fosse isso que a assustasse, de entre todas as coisas. Arden fechou os olhos, tentando evitar voltar a olhar para a gaveta aberta. Emily tinha-lhe feito uma espécie de ultimato: um artigo que a chocasse, ou nenhum artigo de todo na próxima edição semana da revista. Desde que começara a trabalhar naquela revista, há mais de três anos, que Arden tinha sempre contribuído com um ou mais artigos. Arden continuava a escrever, continuava a investigar, mas Emily parecia querer ver-se livre dela. Pela primeira vez desde que terminara os estudos de Jornalismo, Arden sentia a sua carreira estagnada.

O seu telemóvel tocou mas, sabendo que era Theo, não atendeu. Colocou o dispositivo no silêncio e pediu a Natalie para intercetar qualquer chamada ou pessoa que tentasse contactá-la. Natalie concordou, desejando um bom trabalho à jornalista, e Arden respirou fundo. As duas folhas azul-claras pareciam encará-la, quase como que a seduzi-la para ela escolher uma delas. Não podia, mas talvez fosse o que precisava para Emily nunca mais ter o descaramento de intervir na sua criatividade. O que é que era suposto Arden fazer? Ela era jornalista, contava algo que acontecera. Não criava as histórias. Se o mundo estivesse perfeitamente pacifico naquela semana, sem nada interessante para contar, a culpa não era de Arden.

- Será que vale a pena? – perguntou-se a si mesma.

Rodopiou na sua cadeira e olhou para o horizonte da cidade, pela primeira vez observando todos os detalhes. Os prédios, os aviões ao longe, as aves. Arden adorava aquela cidade e, mesmo depois de tudo o que tinha acontecido, continuava a sentir-se completamente segura. Mesmo com a sombra de Holand sempre atrás de si, para a proteger caso alguma coisa acontecesse, Arden continuava a sentir que nascera para viver numa grande cidade, não numa vila como aquela em que crescera com os seus pais. Talvez fosse por serem de um meio tão remoto que os seus pais quiseram tanto escolher a sua vida por ela; uma jornalista nunca se desenvolveria numa terra como a sua terra-natal. Era óbvio que ela teria que se mudar para uma cidade para vingar na sua área.

Talvez os seus pais tivessem sido apenas demasiado protetores, querendo manter a sua única filha perto deles. Fora definitivamente a abordagem errada para o fazer, mas Arden começava a simpatizar com essa ideia. O peso de que os seus pais a pudessem odiar estava nos seus ombros desde que saíra de casa naquele dia, há perto de cinco anos, depois de eles terem feito um ultimato. Arden lembrava-se vagamente de ver a sua mãe a chorar pelo retrovisor, mas era um choro visivelmente resignado. A sua mãe não lutara com o seu pai, não refutara aquilo que ele dissera, limitara-se a chorar e a aceitar o destino. Preferia perder a sua filha a possivelmente perder o seu marido, a sua segurança. Ela não tinha como saber que Arden consolidaria o seu nome em todo o mundo, tendo mais sucesso do que qualquer outra jornalista da sua idade. Não tinha como saber que, se tivesse preferido Arden ao marido, teria tido uma vida melhor.

Arden sabia perfeitamente o que é que estava a acontecer. Pela primeira vez em três meses – um recorde surpreendente, tendo em conta o historial da jornalista – o seu instinto de fuga estava a atacar. Ela queria permanecer junto de Theo, mas algo lhe dizia que a sua carreira era mais importante. Que, para poder continuar a evoluir como a jornalista que era, teria que escolher entre ele e a sua profissão. Era uma ideia idiota, claro, mas depois do trauma que os seus pais lhe impuseram ao obrigá-la a escolher entre a sua família e a sua carreira, o Jornalismo era tudo o que Arden conhecia.

Respirou fundo e, quando se achou de novo em controlo das suas emoções, pegou no seu telemóvel. Viu que Theo só tinha tentado ligar uma outra vez e sorriu para si própria, ao perceber que ele tinha compreendido automaticamente que ela precisava de espaço. Era por isso que ela gostava dele, pelo facto de ele saber respeitar os limites quando via claramente que ela tinha problemas quando ele os infringia. Theo podia ligar enquanto ela trabalhava mas, se ela não atendesse, era porque claramente não podia ou não queria falar naquele momento, e ele compreendia isso sem levar a peito. Arden tinha a certeza, dentro de si própria, que nunca encontraria uma pessoa que a compreendesse tão bem quanto Theo.

Então porque é que ela estava a ponderar arruinar tudo?

Tirou as duas folhas de papel que ainda estavam a atormentar na gaveta e colocou-as na sua secretária, lado a lado. Leu-as e releu-as umas cinco vezes cada, até saber a lista de ideias e de temas de cada uma de cor. Fechou os olhos e imaginou um artigo para cada uma delas, sabendo perfeitamente qual delas teria maior impacto e qual Emily iria preferir. Arden queria gritar com a Chefe de Edição da revista. Queria ligar ao presidente da empresa-mãe e abusar pela primeira vez da preferência que ele sempre mostrara por ela, queria que ele castigasse Emily por a estar a colocar naquela situação. Mas não o faria, porque Arden, infelizmente, percebia aquilo que Roberts estava a fazer.

O ultimato servira apenas para que Arden se esforçasse e provasse ser a jornalista que toda a gente achava que ela era. Emily Roberts estava a testá-la, colocando-lhe pressão adicional para que a revista beneficiasse disso. Porque, se Arden Kallis conseguisse um artigo fantástico, isso significaria que a Revista conseguiria também, porque era lá que seria publicado. Arden Kallis odiava jogos mentais mas tinha que admitir que Emily mostrava-se ser uma adversária à altura.

Quase atirou as folhas de papel para a secretária, em frustração, mas não o fez. Levantou-se e pegou no seu telemóvel preparadíssima para ligar a Theo porque, embora ele fosse uma grande fonte de tensão naquele momento, era também o único que a conseguiria relaxar. Encostou o dispositivo ao ouvido e esperou que ele atendesse, enquanto andava às voltas dentro do seu próprio escritório. Não esperou muito mais que cinco ou dez segundos até ouvir o pequeno toque que indicava que ele tinha atendido e, logo de seguida, a sua voz do outro lado da linha, pronto para a fazer sorrir.

- Theodore Levi. – Theo atendeu, imitando o cumprimento que ela ainda não abdicara. Ela apanhou-se a rir, algo que fizera frequentemente na presença do cantor.

- Olá. – sussurrou. – Ligaste?

- Hm, sim. Estavas ocupada?

- Mais ou menos. Estou um pouco bloqueada sobre o que escrever para o meu próximo artigo e a Emily fez-me um ultimato.

- A parva! – a voz exageradamente ofendida com que Theo exclamou a ofensa fez Arden querer rir de novo, mas não o fez. – Que tipo de ultimato?

- Ou eu escrevo algo com quase o mesmo nível de impacto que o artigo sobre a Joslin...ou não inclui nenhum dos meus trabalhos na próxima edição.

Theo, sentado no sofá da sala de estar, ouviu atentamente o que Arden disse. Ouviu a frustração na sua voz e, embora percebesse que ela estava a tentar disfarçar, a raiva. Poucas vezes vira Arden mostrar emoções além do contentamento e da apatia quando era algo relacionado com o trabalho, mas Theo sabia que, naquele momento, Arden estava magoada. Desejou ter uma vida completamente diferente para poder aparecer no seu local de trabalho e confortá-la mas, não podendo, esforçou-se ao máximo para a ajudar por telefone, enquanto não a podia ver. Incentivou Arden a partilhar as suas frustrações, ofendeu a sua superior quando sentiu necessário e tentou até dizer algumas piadas para desanuviar a tensão. Nada parecia resultar.

Nos últimos meses, Theo tinha tido bastante tempo para pensar. Apesar de já não passar tanto tempo sozinho e com os seus pais, por ter Arden na sua vida, existiam ainda bastantes horas do dia em que toda a gente da sua vida estava a trabalhar. Theo gostava de ter um emprego rotineiro como o de toda a gente, mas não podia, nem saberia o que fazer. Ele nascera para cantar e nem isso conseguira fazer durante muito tempo, o que é que poderia fazer mais? Então, quando estava sozinho, pensava. Pensava na sua própria vida e em Arden, a jornalista a quem ele confiara o seu maior segredo e, pelo caminho, também o seu coração.

Foi-lhe fácil admitir para si mesmo que amava Arden. A jornalista conquistou-o tão rápido, tão de repente, que ele nem se apercebeu quando a mudança de sentimentos ocorreu. Não lho diria tão cedo, pois sabia que a jornalista ainda se estava a adaptar a uma vida com uma pessoa. Theo sabia que ela estava habituada a viver sozinha, a encontrar-se com amigos apenas quando lhe apetecia, e nunca por muito tempo. Arden estava habituada a dedicar todo o seu tempo à revista e não a ela própria ou a outra pessoa. Theo achava tudo aquilo adorável e, por vezes, tinha medo que ela fugisse dele mas, durante três meses, nada disso tinha acontecido.

- Bem... - pensou, antes de falar. – Não tenho ideias para te dar, mas sei que vais conseguir ganhar essa pequena batalha com a tua chefe. Ganhas sempre.

Arden soltou um pouco de ar que deveria, nos seus critérios, equivaler a um riso curto. Theo sorriu.

- Hm. Obrigada, Theo.

- Não tens que me agradecer, eu não fiz nada. Só te lembrei daquilo que sempre soubeste. – ela não respondeu. – Bom trabalho, Arden.

- Encontramo-nos em minha casa, depois?

- Claro. – e Arden desligou sem se despedir, fazendo-o rir alto.

Depois de terminar a chamada, Arden estava decidida e, por o ter decidido tão rápido, sentiu-se a pior pessoa do mundo. Falar com o Theo tinha a vantagem de limpar sempre a sua mente e isso fora-lhe vantajoso naquele momento. Colocou o telemóvel desleixadamente na sua secretária e pegou na folha azul-clara que tinha escolhido. Fechou a gaveta com a pequena chave da sua pulseira, guardando a ideia restante para quando Emily lhe fizesse outro ultimato daquele tipo, e seguiu para fora do escritório. Ignorou Natalie, que lhe perguntou se precisava de alguma coisa, e subiu as escadas até ao andar em que o escritório de Emily se situava, apenas um andar acima do seu.

Ela dobrara a folha para ninguém sequer conseguir olhar para as letras escritas e levava-a bem segura na sua mão. A folha parecia-lhe pesada, uma lembrança de que aquilo que ela ia fazer seria irremediável. Com toda a força do mundo, afastou qualquer dúvida da sua mente e continuou a caminhar até ao escritório da Chefe de Edição, com coluna direita e queixo erguido. No andar de cima, não existiam tantos cubículos, mas existiam os suficientes para Arden se sentir completamente vigiada entre o caminho da entrada do andar até ao escritório de Emily Roberts. Como sempre quando se sentia numa missão, Arden entrou sem perguntar ao seu secretário se ela estava ocupada e sem bater à porta. Emily mostrou-se visivelmente sobressaltada, mas lidou com o choque na perfeição, encarando Arden com olhos atentos.

- Não me perguntes como eu descobri isto, mas aqui está. O tema do meu próximo artigo. – Arden desdobrou a folha azul e entregou à sua Chefe de Edição.

Emily leu atentamente tudo o que Arden tinha rabiscado e arregalou os olhos. Depois, sorriu e assentiu.


hmmm i wonder what THAT'S about

muito, muito obrigada a quem tem lido <3 sei que são pouquinhas pessoas, mas na verdade partilhar e reler esta história dá-me contentamente suficiente para eu não ficar triste ahahah sou demasiado protetora destas personagens para querer que elas sejam colocadas ao escrutínio público (e suponho que o theo em particular fosse odiar isso)

espero que estejm a gostar!! vamos ver o que a arden vai fazer

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